156457933 Laplanche Teoria Da Seducao Generalizada
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Teoria da Sedução Generalizada e outros ensaios
úvraua PilpU/JrliJ DtsC.DS & fltiU
SAVASSI
PRUDENTE AMAZONAS
A L F A
R FERN~NOES TOURINHO, 257 FONE 221.7473 AV P~UDENTE DE MORAIS, 5BO FO.NE 337.64 65 AV AMAZONAS, 471- LOJA 9 FONE. 201.2932 R. SÃO PAULO, BIO- CENTRO FONE 201.009 9
l314t l.aplanche, Jean Teoria da sedução generalizada e outros ensaios I Jean l.aplanche : trad. [de] Doris Vasconcellos. - Porto Alegre : Artes Médicas. 1988. 126p. : il. : 23cm.
1. Psicanálise. 2. Sexo (Psicanálise). I. Vasconcellos, Doris. 11. Título.
C.D.D. C.D.U.
616.8917 577.8:159.964.28
Índices Alfabéticos pm o Catálogo Sistemático Sexo: Psicanálise Sexualidade: Psicanálise Psicanálise: Sexo Psicanálise: Sexualidade
577.8:159.96428 577.8:159.96428 159.964.28:577.8 159.964.28:577.8
(Bibliotecária responsável: Sonia H. Vieira CRB-1 0526)
JEAN LAPLANcHE
Teoria da Sedução tterallzada e outros ensaios Tradução: DORIS VASCONCELLOS Do Laboratório de Psicanálise e Psicopatologia da Universidade de Paris VIl (dirigido por Jean Laplanche)
PORTO ALEGRE I 1988
© da Editora Artes Médicas Sul Ltda .• 1988
Capa: Mario Rõhnelt Supefl'isào editorial: Paulo Flavio l.edur Diagramação. arte e composição: AGE -- Assessoria Grafica e Editorial Ltda.
Reservados todos os direitos de publicação à EDITORA ARTES MÉDICAS SUL LTDA. Av. Jerônimo de Ornelas. 670- Fone (0512) 30-3444 Loja centro: Rua General Vitorino. 277- Fone (0512) 25-8143 90040 Porto Alegre. RS - Brasil
IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL
SUMÁRIO
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Os princípios do funcionamento psíquico: Tentativa de esclarecimento 7 Interpretar (com) Freud .................................................................................... 21 Oestruturalismo diante da psicanálise ............................................................ 33 Uma meta psicologia à prova da angústia........................................................ 38 É preciso queimar Melanie Klein?.................................................................... 50 Reparação e retribuição penais: uma perspectiva psicanalítica.................... 60 Apulsão e seu objeto-fonte: seu destino na transferência............................ 72 Traumatismo. tradução, transferência e outros trans(es) ........................... 84 Apulsão de morte na teoria da pulsão sexual ................................................. 97 Da teoria da sedução restrita à teoria da sedução generalizada ................... 108
OS PRINCÍPIOS DO FUNCIONAMENTO PSÍQUICO TENTATIVA DE ESCLARECIMENTO*
O título deste texto indica claramente seu campo e seus limites. Trata-se de um esclarecimento de metapsicologia que se refere. portanto. aos fundamentos básicos da nossa teoria. Apresentar aqui minhas idéias sobre um ponto fundamental da nossa doutrina. sem tentar dissimular as dificuldades teóricas com exemplos clínicos mais ou menos adventícios. peças escolhidas e retomadas de uma experiência que é nossa referência comum. "Tentativa de esclarecimento": estes termos querem marcar que nossa reflexão tomará como ponto de partida o que Freud chamou de Prinzipien des psychischen Geschehens. No texto de 1911 que leva este título. dois princípios são enunciados: prazer e realidade. e sozinhos já bastam para nos embaraçar. Todos nós os utilizamos: alguns. talvez. sem escrúpulos. outros com um pouco mais de reserva: não são. se desculpam. o que se diz deles vulgarmente ... Mas quem dentre nós não é, hoje em dia e alternativamente. às vezes este psicanalista vulgar que, quando é preciso atender ao mais urgente. na clínica, para o relatório rápido de uma cura, a explanação simples que vai fazer a principiantes. agarra-se às concepções teóricas estereotipadas. e, às vezes. que, na calma de uma reflexão ou de discussões que se pretendem mais aprofundadas, coloca entre aspas os termos clássicos que ainda emprega, para testemunhar que o psicanalista realmente está "noutro lugar" e que a psicanálise autêntica é "outra coisa"? Nossa finalidade aqui não é de alimentar esta cômoda duplicidade. Mas tentar introduzir alguma clareza em referências confusas e múltiplas. Confusas: as definições são freqüentemente feitas de aproximações. e o próprio Freud referiu-se mais de *Texto baseado em conferências proferidas em Strasbourg e Paris.
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uma vez à necessidade que sentia de manter ao menos provisoriamente uma certa ambigüidade. Múltiplas: o princípio de prazer e o princípio de realidade não são os únicos enunciados. Encontramos ainda o princípio de constância. o princípio de estabilidade (por referência a Fechner). o princípio de Nirvana. o princípio de inércia neurônica da' Entwu?f... Sem contar as pulsões de vida e de morte! das quais. há muito tempo. àssinalamos que se situam num plano mais geral. mais importante. que o plano propriamente pulsional. Multiplicidade e confusão exigem que se ponha em ordem. Como operar? Podemos nos contentar com uma espécie de imagem composta? Permitir-nos-emas escolher o que nos agrada em função dos progressos realizados depois de Freud?
Nosso método
É uma reflexão sobre a obra de Freud e sua experiência. alimentada evidentemente, controlada pela nossa experiência de psicanalista. Esta reflexão. inseparável para mim na sua gênese de um trabalho desenvolvido em comum com J.-8. Pontalis sobre os conceitos fundamentais da nossa ciência. como caracterizá-la? Talvez por dois termos: problemática e histórico-estrutural. Problemático. nosso método quer. em primeiro lugar. ser analítico. se possível em todos os sentidos do termo. caminhando passo a passo em contato com os textos. utilizando as contradições que não podem ser tratadas todas da mesma forma. algumas podendo ser consideradas como adventícias. outras devendo ser utilizadas dialeticamente. sllia como contradições do pensamento. seja como contradições da própria coisa (que se pense por exemplo. na noção de Ego ou no uso freudiano da biologia). "Analítico", nosso enfoque leva a interpretações que absolutamente não se recusam a declarar-se abertamente como tal. É através da interpretação que unimos as noções de história e de est[u_tura: trata-se de tentar reencontrar. através dos rerlian~ds estruturais ou das contradições aparentes. das exigências. das correspondências. produtos freqüentemente de verdadeiros "deslocamentos" no sentido psicanalítico do termo: noções. elementos doutrinais. às vezes panoramas inteiros do pensamento se encontram. numa outra configuração. desempenhando um papel inteiramente novo no pensamento de Freud. enquanto a exigência fundamental permanece imutável. Equivale a dizer o quanto uma explanação sincrética. sintética. do pensamento freudiano leva necessariamente a um absurdo. ou seja, por redução. à mais completa evidência. 1 _ Partiremos do princípio do prazer e do princípio de realidade tomando-os a um nível fenomenal. descritivo. da maneira como somos convidados pela sua própria denominação...
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O princípio do prazer Suas definições são pouco numerosas na obra freudiana. e relativamente unívocas. Em Os dois princípios do funcionamento psíquico. se enuncia: "Os processos psíquicos tendem ao ganho de prazer. Nossa atividade se retira dos atos que podem despertar desprazer". Esta definição acarreta duas séries de observações: 1) É o desprazer que tem primazia - Sabe-se. aliás. que nas suas primeiras formulações Freud partiu da noção de princípio de desprazer. depois da de desprazerprazer. Isto destaca o fato de que se passa sempre da tensão presente. desagradável. à descarga. Já para Fechner, esta idéia estará presente. e convém insistir sobre o fato de que é a Fechner que se deve o enunciado do princípio de prazer (Uber das Lustprinzip des Handelns, 1848) e não somente o do princípio de constância ou de estabilidade. Ora. para Fechner. não se trata absolutamente de um hedonismo no sentido tradicional: a representação do prazer ou do desprazer futuro não serve para nada. O princípio de prazer é um princípio regulador exigindo uma sensação atual para pôr tudo em andamento. é um princípio que já atua ao nível das próprias representações e não ao nível do representado, do visado, do projetado. Como o movimento é sempre um movimento que vai do desprazer ao prazer. concebe-se que, nesta dupla. o termo presente. motivante, seja o desprazer. Freud fala várias vezes de uma regulação automática do curso dos prpcessos psíquicos por este princípio. o que significa apenas a retomada da tese fechneriana. Z) Para quem existe prazer-desprazer? - Primeira interpretação possível: é a nível do conjunto da atividade psíquica. Conhece-se o modelo freqüentemente retomado: o de uma vesícula viva de um organismo com uma camada periférica figurando o sistema percepção-consciência. Esta camada superficial receberia do exterior as quantidades e as qualidades. sendo estas a primeira garantia da realidade do que é percebido. Do interior só recebe uma única gama de sensações. as que escalonam entre o máximo de prazer e o máximo de desprazer. Ora. assim que o modelo se complica. surgem as dificuldades: e o modelo se complica necessariamente com a idéia de conflito e de inconsciente. A experiência psicanalítica mostra que o prazer. por exemplo no sonho. pode aparecer sob uma outra forma (mascarado -ou traduzido?). a dos sonhos de angústia. por exemplo. A distinção tópica que nos é bem familiar volta aqui a nos ajudar de um ponto de vista teórico: enunciemos. o que é prazer_ para um sistema, é desprazer para um outro. Assim. no quadro de referência da primeira tópica. um prazer inconsciente pode se mascarar num sintoma aparentemente neutro ou desagradável. Na segunda tópica. as instâncias estando ainda mais personificadas, teremos ainda menos escrúpulos em invocar, por exemplo, o "despra~er" ou o "prazer" do Superego sem implicar com isto que um tal desprazer ou prazer chegue até a consciência. Mas que sentido tem ainda falar. nestas condições, do prazer e do desprazer como qualidades psíquicas? Isto sem querer ir mais longe do que mencionar um 9
fenômeno clínico ainda mais embaraçante: o famoso Schmerzlust. o prazer que o masoquista encontra na própria dor. Diante destas dificuldades dois tipos de solução são tentadas por Freud: Manter-se num mínimo de respeito de uma psiclogia descritiva ou fenomenológica. conservando seu sentido qualificativo aos termos prazer e desprazer. o que supõe que s~am percebidos pelo sistema percepção-consciência ao menos a título de afeto inicial, de sinal. Este é o caminho indicado em Inibição, sintoma e angústia. A outra solução é do tipo econômico: trata-se de interpretar o prazer-desprazer em termos de processos puramente objetivos. Deixa-se. assim. de lado a difícil questão de saber a partir de que momento um aumento de tensão torna-se motivante como prazer sentido. A partir daí pode-se enunciar o princípio de prazer em termos tão válidos para as instãncias inconscientes como para as instâncias conscientes da pessoa. As dificuldades inerentes ao princípio de prazer são então transferidas ao princípio de constância que estudaremos mais adiante.
O princípio de realidade Suas definições também são raras nos textos de Freud. Conhece-se do texto sobre os Dois princípios:
"É somente a falta persistente da satisfação esperada, a decepção. que provoca
o abandono da tentativa de satisfação pela alucinação. No seu lugar. o aparelho psíquico teve que se decidir a se representar o estado real do mundo exterior e a buscar uma modificação real. Assim. um novo princípio da atividade psíquica foi introduzido: o ::JUe era representado não era mais o que era agradável. mas o que era real. mesmo se isto devia ser desagradável." Sabe-se que é apresentado como modificação do princípio de prazer e como regulador deste. que introduz condutas de tergiversação e a capacidade de adiar a satisfação: conhece-se sua ligação com toda uma série de funções nas quais se encarna: atenção, julgamento. memória. pensamento como atividade de controle. seja uma atividade onde se substitui a descarga imediata à manipulação de pequenas quantidades de energia. O pensamento é considerado como uma "ação para ver". Sabe-se. também. que o princípio de realidade se encarna na busca da "identidade de pensamento" substituindo-se à busca primária da "identidade de perceção" que caracteriza o prazer. O que é notado com menos freqüência é que a identidade de pensamento é apenas um elo intermediário na busca da identidade de percepção. Tudo isto se conhece bem, mas permanece um problema central: em virtude de que Freud chama este princípio princípio de realidade. um tal termo implicando quase necessariamente uma teoria da aprendizagem. do amestramento da pulsão em contato com o real? No mesmo texto do qual tomamos esta definição é igualmente introduzida a "prova de realidade". a Realitãtprüfung. Mas só aumenta a ambigüidade do termo.
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·;
O termo prova. por si mesmo. induz a noção de ensaios e erros. De prova de realidade, termo relativamente neutro. os psicanalistas escorregaram muito depressa para a noção de prova da realidade. Tratar-se-ia. portanto, aí. de pôr à prova nossas pulsões ao contato da realidade, de submeter à prova a alucinação pela confrontação com a decepção que não pode deixar de suscitar. com uma apreensão mais discriminativa das relações objetivas. com os resultados. enfim. de uma ação motora probatória. Destacamos de passagem que se a teoria freudiana da alucinação primitiva devia implicar na possibilidade de uma redução. por aproximações suscessivas. do erro que comporta. a experiência clínica da alucinação. que sabemos impossível de reformar por qualquer confrontação que seja com o real. viria revogar definitivamente. Naqueles casos (sonho, alucinação) em que a prova de realidade seria mais necessária e onde se esperaria que devesse desempenhar seu papel. ela é estritamente ineficaz. posta imediatamente fora de cogitação. Se colocamos agora em relação o princípio de prazer e o princípio de realidade, que visão estranha nos traz um texto como Os dois princípios mas também todos os outros textos freudianos sobre este tema, O prqjeto de psicologia científica. A interpretação do sonho. O Ego e o ld, o Esboço de psicanálise. Estranha visão se tomamos as formulações ao pé da letra: trata-se de uma visão genética. o que Freud afirma abertamente alardeando sua intenção de transformar a psicanálise em psicologia genética. Dentro deste panorama. o ponto de partida é uma espécie de mônada fechada sobre si mesma e. neste sentido, narcisista. Ora. esta mônada auto-suficiente, que só tende a descarregar e que alucina sua própria Satisfação, Freud pretende mostrar como ela se abre. em função de uma insatisfação impensável, para o mundo exterior. como elabora as funções do Ego começando pela própria percepção.
Insatisfação impensável
Se nos situamos. como Freud parece fazê-lo às vezes. a nível de uma mônada em princípio sem representações. a única alucinação que se possa. então, imaginar é a da qualidade prazer. fora de qualquer outro conteúdo. Muito esperto será então quem for capaz de dizer a diferença entre o prazer alucinado e o prazer sentido, quem poderá mostrar como a falta representada por uma insatisfação, por mínima que seja. poderia se introduzir na vivência de um prazer alucinado até a consumpção. Ou então o recém-nascido alucina algumas de suas primeiras representações (Vorstei/Ungen). Evidentemente, esta é a solução de Freud. Mas então toda a sua dedução cai. Enquanto ele pretendia deduzir a formação de um sistema de marcas (Merken) da intervenção secundária do princípio de realidade. eis que este sistema de marcas. proveniente da percepção. deve ser concebido como anterior ao princípio de prazer. se é verdade que o princípio de prazer é captado primeiro na reprodução alucinatória de tais marcas. Em outros termos. longe de serem pontos de referência para um esquadrinhamento cada vez mais perfeito do princípio de prazer pelo princípio 11
de realidade, as marcas de origem perceptiva são indispensáveis ao funcionamento do processo primário. Esta idéia de um acesso perceptivo imediato da realidade é, ao mesmo tempo, conforme com tudo que sabemos da psicologia do recém-nascido e prefigurada em inumeráveis indicações de Freud. Nossa finalidade não é. como se diz, pôr Freud em contradição com ele próprio. Não se trata. por assim dizer. de forçá-lo retrospectivamente a escolher neste velho debate psicanalítico que opôe os partidários de um absurdo idealismo ou mesmo solipsismo biológico de partida e os que colocam de saída a existência de uma "relação de objeto" ou de um "amor primário de ol:!jeto". É a um outro nível, ao nível da interpretação. que colocamos a questão. Se é verdade que para Freud. cientificamente, não há dúvida de que existe de saída uma abertura perspectiva ao Aussenwelt*, qual é, então o sentido de sua absurda dedução do princípio de realidade a partir do princípio de prazer? Absurda a nível do indivíduo. será extrapolada à história da espécie (como parece fazer o Prqjeto de psicologia científica) ou mesmo à história da vida (Para além do princípio do prazer)? Ou então pode ser considerada como uma gênese transcendental, e que quer dizer isto? Ou então trata-se de uma ficção. um mito até. e, neste caso, que ele encobre? A que campo se aplica este mito? Antes de tentar responder, é preciso que passemos ao plano da significação econômica do princípio do prazer.
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O PRINCIPIO DE CONSTÂNCIA
Freud declara explicitamente que é o fundamento do princípio de prazer. Um seria apenas a tradução do outro no plano da vivência suQjetiva. São nos dadas numerosas formulações dele, sem que jamais s!liam. no entanto, satisfatórias. Freud anotou desde cedo que "pode-se entender por isso as mais diferentes coisas", tem-se a impressão que, para ele, o termo "constãncia" cobre uma mercadoria relativamente heteróclita. Citemos. neste sentido. duas formulações claramente exemplares de Para além do princípio de prazer: - a tendência à "redução. à constância, à supressão da tensão de excitação interna" ...; - ou ainda, a tendência do aparelho psíquico "a manter tão baixa quanto possível a quantidade de excitação presente nele. ou ao menos de mantê"la constante". Existe aí uma contradição maior: a redução a zero é posta em oposição, e concebida como sinônimo de manutenção da constãncia. ou, ainda, a constãncia é apresentada como o menor dos males na falta da redução absoluta das tensões. A contradição pode ser percebida aqui: num sistema dito homeostático, num organismo regido por uma lei de constãncia, a carga energética tanto quanto a descarga pode. segundo as circunstãncias. ser favorável à constância (simbolizada abaixo pelo nível N) ou desfavorável a ela. ' Em alemão no original: Mundo exterior. (N. do T.)
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Esta contradição fundamental pode se esclarecer por uma comparação do pensamento de Breuer com o de Freud. Breuer (nas suas Considerações teóricas de 1895) e Freud (no seu Prqjeto de psicologia científica de 1895) atribuem-se mutuamente a paternidade do princípio de constãncia. É certo que partem ambos da mesma experiência: a "ab-reação", e seu contrário, a "retenção" do afeto nos histéricos. No entanto, a perspectiva é completamente diferente. Não esqueçamos que Breuer colaborou nos trabalhos de Hering a respeito de uma das mais importantes auto-regulações do organismo: a da respiração. A constãncia da qual fala é do mesmo tipo: trata-se de uma homeostase. Certamente não uma homeostase do organismo no seu conjunto (como o são precisamente aquelas que regulam as grandes funções vitais) mas uma homeostase de um sistema mais particular. mais especializado, a do sistema nervoso central.
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É neste referencial que deve ser compreendida sua distinção entre uma energia "quiescente" ou "excitação tônica intracerebrai", e uma energia cinética circulando através do sistema. O princípio de constãncia regula, para Breuer. o nível de base da energia tônica e não, como o fará o princípio de prazer para Freud, o escoamento da energia dita livre. A partir daí, enuncia-se assim: "Existe no organismo uma tendência a manter constante a excitação tônica intracerebral" (Studien über Hysterie)•. Tal nível de base é concebido como um optimum. Como tal. pode ser ameaçado por diversas modificações de nível, algumas operando uma perturbação generalizada, outras mais localizada; como tal pode ser restabelecido pela descarga (ab-reação) mas também pela carga. Trata-se, diríamos. de manter uma verdadeira Gestalt energética. Este optimum. finalmente. tem um objetivo: é a boa e livre circulação de energia cinética. isto é, um funcionamento confortável do pensamento. a existência de associações não entravadas: "Falamos de uma tendência do organismo a manter constante a excitação cerebral tônica: mas 1,1ma tal tendência só pode ser compreensível se podemos perceber a que necessidade responde. Compreendemos atendência para manter constante a temperatura do organismo com o sangue quente porque sabemos por experiência que esta temperatura constitui um optimum para o funcionamento dos órgãos ... ' Em alemão no original: "Estudos sobre a histeria." (N. do T.)
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Acredito que também se pode admitir que o nível de excitação tônica intracerebral tem um optimum. Neste nível de excitação tônica, o cérebro estaria acessível a todas as excitações externas, os reflexos têm a melhor condução, mas somente nos limites de uma atividade reflexa normal, o fundo das representações é capaz de ser despertado e associado segundo esta proporção relativa recíproca entre cada uma das representações. que corresponde a uma reflexão clara." 1 nversamente. no sonho. as associações seriam defeituosas e entravadas. Osonho. segundo Breuer. é testemunha de um estado no qual a energia não está absolutamente livre: tese diametralmente oposta à de Freud! A metáfora que prevalece geralmente aqui é a de um circuito elétrico ou telefônico cuja modulação só é possível a partir de um certo nível de base que deve ser mantido a qualquer preço: a energia tônica tem uma prioridade absoluta sobre toda circulação possível da energia cinética. Este resumo demasiado curto do pensamento de Breuer deveria bastar para mostrar todo o interesse de um enfoque neurofisiológico que. embora partindo das noções ditas fisicalistas da escola de Helmholtz, permaneceu muito flexível, muito próxima da experiência fisiológica. Tal enfoque pode ser considerado como não sendo rigorosamente contraditório com as descobertas ulteriores da neurofisiologia (manutenção de um nível de atividade pelo sistema reticular ativador. por exemplo ...). como uma hipótese cientificamente provável e aberta. Bernfeld, pretendendo reconstituir as primeiras etapas do pensamento freudiano, assimila-as sem discussão às de Breuer. Que diferença. no entanto (1 ). entre as hipóteses razoáveis de Breuer e a grande maquinaria que nos apresenta o Prqjeto de psicologia científica! O Projeto de psicologia científlc.:i: só podemos dar aqui algumas referências esquemáticas: 1) Freud parte de um modelo abstrato do qual jamais saberemos fundamentalmente se se trata do psiquismo. o sistema nervoso central ou o organismo que está em questão. Ignora-se. também. se a espécie de dedução dos diferentes modos de funcionamento que nos é apresentada se situa ao nível ontogenético, a nível filogenético ou a nível transcendental. 2) Este modelo está inteiramente constituído a partir de duas espécies de elementos de base: os "neurônios" e a "quantidade". Tudo indica no texto que estes neurônios são apenas as próprias Vorstellungen (representações). A clínica das neuroses, que impôs a distinção entre representação. por um lado. e quantum de afeto por outro. vê-se aqui diretamente transposta em: neurônios Iquantidade. Tudo que se passa neste sistema ou neste modelo é somente a conseqüência da posição dos neurônios (considerados em si mesmos como todos idênticos: gleichgebaut). de suas bifurcações. da diferença de condução entre estas bifurcações. Com-
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Pode-se perceber os indicias deste desacordo latente concernente ao principio de constância nas
r]ifPrPntw; rPrli1{/1PC: quP rhrqararn atil nôr; rlíl "romunicação preliminar".
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preende-se imediatamente como se torna possível uma interpretação em termos de memória eletrônica ou de lingüística estrutural. Voltemos ao que concerne aos princípios: Freud parte, no Prqjeto do princípio de inercia neurônica que se enuncia assim: "Os neurônios visam a se livrar da quantidade" (Neuronen sich des Quantitat zu entledigen trachten). Este princípio é constantemente identificado com as seguintes noções: - energia livre. tendendo livremente. pelas vias mais curtas, à descarga. Nenhuma estase de energia em um neurônio: - processo primário: - princípio de prazer (ou de desprazer). "Como conhecemos com certeza uma tendência da vida psíquica a evitar o desprazer somos tentados a identificar esta tendência com a tendência primária à inércia. Odesprazer coincidiria, então, com o aumento quantitativo da pressão ... O prazer seria a sensação de descarga ..." Não se trata absolutamente de constância nesta definição do prazer. Clinicamente, isto corresponde a quê? Toda a experiência de Freud nesta época. experiência sobretudo no campo da histeria e do sonho, está centrada sobre aespecificidade dos processos inconscientes. Que se tomem como referência a este propósito as passagens do Projeto sobre a simbolização histérica nas suas relações com a simbolização normal. Entre as representações B e A. das quais uma "simboliza" a outra. há um deslocamento de energia: mas, na simbolização normal. A retém para si uma parte da carga: assim sendo. o soldado que morre pela bandeira não esqueceu ou recalcou o fato de que morre pela pátria. A simbolização histérica. ao contrário. caracteriza-se por um deslocamento completo. total. de A a B. O processo primário é dito igualmente processo vali, pleno. no sentido em que se pode dizer que existe entre as representações em causa uma passagem a "descarga aberta". Geneticamente. o que Freud visa, então. na sua reconstituição das origens do desejo humano ou da pulsão é à experiência de satisfação como reinvestimento plano. que vai até a alucinação, da representação ligada à primeira satisfação. É o primeiro enunciado da tese da alucinação primitiva, que nunca será abandonada. Estranho, na sua origem. à concepção clínica do processo primário como lei do inconsciente, o princípio de constancia está. portanto. ausente da primeira elaboraç~o freudiana? Não, mas se o encontramos é em uma posição completamente diferente. onde não tem nada a ver com o processo primário e a "livre" circulação do desejo inconsciente. A noção de constância é introduzida secundariamente como uma adaptação, devido às exigências da vida. do princípio de inércia: "O sistema neurônico é forçado a abandonar a tendência originária à inércia. isto é. ao nível =. O. Deve decidir-se a ter uma provisão de quantidade para satisfazer às exigências da ação específica. Na maneira como o faz. aparece, no entanto. a continuação da mesma tendência. 15
modificada em esforço para manter ao menos tão baixa quanto possível a quantidade, e a defender-se contra os aumentos. isto é. a mantê-la constante." A lei de constância. mesmo se não foi colocada explicitamente como princípio. corresponde muito exatamente à energia ligada e ao processo secundário. Esta lei de constância aparece em dois contextos. A nível de uma dedução biológica, a respeito da qual voltaremos a falar. da "função secundária" no seio do organismo ou do sistema nervoso central. A nível específico da psicanálise. isto é. a nível das representações. O problema é saber. neste segundo contexto. o que vem entravar, moderar. regular a circulação livre que constitui o desejo inconsciente ou. é a mesma coisa. a ficção da satisfação alucinatória do desejo: surge aí a intervenção do Ego. Haveria aqui toda uma série de erros a serem dissipados: o Entwurf* é um grande texto. o grande texto sobre o Ego: o Ego é tomado aí como instância no sentido que reencontrará em Para introduzir o narcisismo. e depois na segunda tópica. Como defini-lo? É agente de inibição, freio. lastro. Através daquilo que Freud chama de processo de investimento lateral (Nebenbesetzung) introduz o processo secundário sem ser ele mesmo este processo secundário. A definição mais compacta que Freud dá é a seguinte: "Uma rede de neurônios investidos e cujas comunicações recíprocas permitem a passagem facilitada da energia" (Ein Netz. besetzer. gegeneinander gut gebahnter Neuronen). É. portanto, uma rede de neurônios ou de representações no interior da qual a circulação de energia é quase livre. mas que mantém em relação ao exterior uma diferença de nível correspondendo a um investimento libidinal constante. Interpretemos: é uma espécie de Gestalt possuindo uma estabilidade que age pela sua densidade sobre as representações vizinhas. as quais. sem ela. estariam submetidas ao processo primário. Salientemos ainda sua relação com a realidade: O Ego age exatamente para inibir a alucinação. e. neste sentido. temos aí o primeiro modelo. em Freud. e talvez o único que jamais tenha desenvolvido. de uma "prova de realidade". Mas esta instãncia age por tudo ou nada, e não por aproximações sucessivas. Ela inibe um excesso de realidade que traz a alucinação. Isto não ocorre por função de uma relação de privilégio imediato do Ego com a realidade: a instância do Ego não se articula com ela. como se tivesse. para além de um primeiro contato ingênuo com o real. um contato mais verdadeiro permitindo retificar o primeiro. Topicamente, aliás. no modelo do Prqjeto de psicologia científico. ela absolutamente não se confunde com o sistema percepção-consciência que é o único articulado sobre a realidade (1).
' Em alemão no original: Prqjeto. (N. do T.) 1 - A instância do Ego tem certamente uma relação com a percepção, mas uma relação mais complexa do que se fosse simplesmente o mediador ou o instrumento da percepção.
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Concluamos a propósito do Entwurf, mas nossa conclusão poderia ser verificada em toda a obra e na .experiência psicanalítica: - Os princípios da psicanálise são princípios que regulam a circulação. ao longo das cadeias e das bifurcações associativas. de um certo quantum dito "afeto". São princípios que foram descobertos e só são válidos a nível das representações, no campo próprio onde se movimenta a psicanálise. Não poderiam ser definidos tal qual princípios aparentemente similares que têm referência na ordem vital sem que a maior confusão se introduza na psicanálise. Inversamente. não poderiam ser transpostos tais e quais na ordem vital sem grave dano para a biologia. - Estes princípios correspondem a duplas de oposição constante no pensamento psicanalítico, duplas que poderíamos ordenar segundo duas colunas: Processo secundário Energia livre Bindung (ligação) Ego
Processo primário Energia ligada Entbindung (descarga. desencadeamento) Des!lio
Os termos princípio de constáncia e princípio de prazer são difíceis de situar, em razão das próprias hesitações de Freud. Numa terminologia coerente seria preciso colocar o princípio de constáncia na coluna esquerda, mas sabemos que toda a ambigüidade de Freud vem do fato de ter. às vezes. situado a constãncia do lado da tendência a zero. Proponho, portanto. termos historicamente menos pesados a fim de situar. em nossas duas colunas. os princípios:
Pnncípio de nível constante Princípio de ligação
A nível econômico: Princípio de descarga A nível descritivo: Princípio do des!lio ou do gozo
Como no alto de uma penosa escada, uma tarefa considerável se oferece a nós então: problemas a colocar com Freud, problemas a propósito de Freud. isto é. interpretando-o, problemas. enfim. para além de Freud. Mencionarei somente três questões: o biologismo paradoxal de Freud, a segunda teoria das pulsões. a significação da ligação (Bindung).
1) O biologismo paradoxal de Freud O absurdo enigmático do biologismo de Freud torna-se nítido em comparação com o neurobiologismo de Breuer. este tão verossímil. Breuer parte de um organismo viável cujas relações com o exterior são reguladas por homeostases. Freud parte da ficção de um organismo em princípio não viável. fechado ao exterior. tendendo por si mesmo à morte. Por um gesto mágico impensável deveriam emergir deste "organismo" mecanismos secundários de regulação. 17
Esquematizo voluntariamente o aparente paralelismo das concepções de Breuer e Freud no quadro abaixo: Breuer
Freud
Homeostase do organismo Homeostase nervosa (energia tônica)
J.. Boa circulação (energia cinética)
Energia liv~>: descarga Energia ligada: nível
Claro que se pode dizer e deve-se dizer que todo o Freud e o co[jjunto do campo psicanalítico se situam para além dos problemas colocados por Breuer. Mas esta é uma solução que. em um certo sentido. livra-se da questão. precisamente da questão do organismo, contentando-se em considerar o biologismo de Freud como um modelo puro, uma ficção, um simples modo de dizer. A permanência desta ficção, sua insistência na obra deste o Prqjeto até Para além do principio do prazer e o Esboço de psicanálise. incitam-nos aqui a interpretar, não sem fundamento: a ficção biológica significa que a passagem da energia livre à energia ligada é mediatizada, para Freud, pela idéia de organismo. Entendo aqui idéia com todas as suas conotações, tanto a de representação como a de ELii o.;: forma. A homeostase do organismo. sua forma que se mantém no ser. aí está o que "precipita" a ligação e o fator maior desta última. isto é, o Ego. A idéia de organismo age como causa final: a necessidade de uma provisão de energia sexual para realizar a ação específica? É o que Freud defendeu às vezes, por exemplo no início do Entwurf. Mas uma tal teoria choca-se às aporias de todo finalismo. A idéia de organismo age como metáfora? lntrojeção de uma Gestalt? Mais de uma indicação de Freud iria neste último sentido. Neste caso, a ficção biológica freudiana. sua "metáfora". seria apenas o reflexo de uma "metáfora" realizada. de uma verdadeira marca: introjeção. sob a forma do Ego, da Gestalt do organismo. Enfim lembremos que para Freud a homeotase, mesmo orgânica, não pode ser originária. É preciso que, por sua vez. a passagem da energia livre à energia ligada encontre seu antecedente mítico numa outra passagem a nível da natureza: a passagem da morte à vida. A morte sendo concebida como o estado anorgânico onde impera uma transmissão puramente mecânica de energia. transmissão total que significa equalização, sugiro completar assim o quadro precedente: Breuer
Freud Morte (lei das coisas e das causas)
Homeostase
L
Boa circulação
J.
Vida (homeostase do organismo) Energia livre
+
Energia ligada
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Constata-se que em nenhum momento Freud se situa a nível neurobiológico tal como este se apresenta em Breuer. Situa-se. às vezes. a um nível aquém, em suas especulações sobre a morte e a vida. às vezes a um nível além. o nível da psicanálise clínica. Evidentemente é a relação destes dois níveis, para além do biológico, que constitui o ponto a decifrar no pensamento freudiano.
2) A segunda teoria das pulsões Sua aparição se situa (1919·1920) no centro de uma "guinada" que, retrospectivamente. pode parecer a origem das piores aberrações sobre a noção de Ego. Fundamentalmente. esta segunda teoria das pulsões marca a reafirmação da tendência ao zero que é o princípio mesmo do des~o inconsciente. portanto do desejo sexual. Reafirmação do princípio de prazer. se queremos tomá-lo no sentido mais radical como princípio de gozo e não como princípio de constância. O princípio de prazer. diz-nos Freud (Para além do princípio de prazer). está a serviço da pulsão de morte. Todas as emendas ulterioes não poderão apagar esta afirmação. O Esboço de psicanálise virá reiterá-la: a pulsão de morte é uma força de Entbindung (tradução literal: desligamento). a pulsão de vida é uma força de ligação (Bindung). Para nós, a afirmação da pulsão de morte é a afirmação da sexualidade em seu estado radical, Já onde é indissoluvelmente gozo e morte. desejo, interdição e transgressão. Através de que paradoxo Eros. esta força que no início da teoria era ruptória. geradora e até mesmo sinônimo de angústia, "desencadeamento" energético, voltou novamente a ser o Eros platônico fator de unidade e de síntese... isto é outra história; história que, mais uma vez, não é somente a história do pensamento freudiano, mas a própria história da realidade: no caso. a gênese do narcisismo.
3) O último problema a evocar é o da ligação Problema que já podemos colocar com Freud, mas que. na sua complexidade. leva-nos para além. Se o Entbindung. o desligamento. é um e único. se é nele que reside a intuição fundamental reafirmada até a forma da pulsão de morte, a ligação, seria ela única? Existem diferentes tipos de ligação? Talvez mesmo radicalmente heterogênicos? O que vem dar lastro ao processo primário, pois é disto que se trata. Em um ensaio já antigo, publicado com S. Leclaire, sobre o Inconsciente. tentei prolongar o que. em Freud. incita a ver na ligação um fenômeno de estrutura: o inconsciente seria a própria condição da linguagem, o desdobramento da cadeia associativa significante sendo o que permite um relativo arranjo na ordem do discurso. A raiz deste desdobramento. deste "recalcamento originário". é, evidentemente. a estrutura edipiana. 19
Hoje segui uma linha bem diferente. uma linha igualmente freudiana: o Ego, na sua consistência energética, seria um elemento de gravitação capaz de inibir este mesmo processo primário. e talvez primeiro ao próprio nível da percepção, de precipitar estes correlatos - irreconhecíveis - do nosso Ego que chamamos "objetos". Se é possível que existam dois tipos de ligação. uma que s~a Gestalt e outra que s~a estrutura. qual é a sua relação? A ligação que provém do Ego - a Gesta/t é outra coisa que uma bengala (provisória. mas um provisório que se tornou definitivo) para esta outra ligação? E. se assim é, não seria preciso conceber que a ligação estrutural já está iniciada, a mínima ("em estado reduzido") nas estruturas elementares do desejo inconsciente? Só posso deixar estas questões em aberto. contentando-me. aqui. em ter proposto, por esta "tentativa de esclarecimento", uma limpeza parcial do terreno sobre o qual somos chamados a trabalhar.
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INTERPRETAR(COM)FREUD
1. INTERPRETAR COM FREUD Interpretar: a palavra não surpreende e a função-- profana ou, mais facilmente, sagrada - que designa pode parecer bem estabelecida. Em todas as épocas, em todos os espaços culturais. interpretaram-se os sinais. os oráculos. os escritos. Sempre a interpretação faz uso da ambigüidade, ou. como se diz. da "polissemia" do elemento manifesto: seja porque a mensagem se apresente por um fenômeno de aparência natural. seja porque se enuncie em uma frase propositalmente falaciosa, seja, enfim. porque. bíblia ou carão, transborde por todos os lados. por sua riqueza. o texto proposto a uma leitura imediata. Nutrindo-se na ambigüidade de um dado. a interpretação redobra. em si mesma, esta natureza ambígua: durante uma negociação, na qual presto meus serviços. posso protestar minha imparcialidade lembrando-lhe que "sou apenas intérprete dos desejos de seu adversário B". Mas quando transmito a Besta entrevista. este. inquietando-se que eu posso ter me comprometido demasiadamente em seu nome. replicará indignado: "Aí você interpretou meu pensamento". Traduzir. mas também desviar. acrescentar. distorcer. ainda que ligeiramente. o sentido manifesto e imediato é o que conhecemos também em psicopatologia: a interpretação paranóica. Sistemática, armada de uma visão do mundo que é sem dúvida somente a contrapartida e a transposição da unidade precária e ameaçada. e por isso mesmo mais rígida. do seu Ego. o paranóico nos apresenta uma espécie de compendium de todos os procedimentos da hermanêutica: interpretação de sinais, de gestos. de ausências tanto quanto de presenças. de textos também - tanto sagrados como profanos- que direta ou indiretamente sempre lhe são endereçados.
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Tudo isto com uma precisão e uma perspicácia que Freud bem salientou. (1 )É verdade que ele retoma tudo no seu discurso pessoal, mas seguindo linhas de força virtuais, significações inconscientes que estavam apenas esboçadas, às quais dá uma ênfase impiedosa. No sentido de toda hermanêutica não-freudiana. cabalística ou paranóica. antiga ou patrística, interpretar é situar-se mais além de um dado e. a partir deste ponto, visar a um aquém. Procedimento que se pretende nascido de um saber. e que não temeria comparar-se ao da ciência. Mas aqui o dado se apresenta já como portador de um sentido, como uma palavra a decifrar, um livro que seria ao mesmo tempo para ser lido. traduzido e substituído por um texto mais verídico. Nas palavras de Foucault. a propósito da hermenêutica do Renascimento: "Não existe comentário, a menos que. sob a linguagem que se lê e se decodifica. flui a soberanidade de um texto primitivo". (2) Penhor do empreendimento de interpretar na sua autenticidade, esta estrutura de dois níveis -texto manifesto e texto latente - é maltratada pela crítica moderna. O texto manifesto, gesto, palavra cotidiana ou mesmo obra. é apenas, afinal de contas. uma "nature2.a" aberta a todos os sentidos. Não há "Racine" de Racine. de maneira que o crítico clássico que pretende no-lo restituir é apenas um falsário. na melhor das hipóteses. um ingênuo. Ou então. se admitimos que havia. talvez. um sentido da obra para o autor. este sentido não nos interessa mais do que toda outra variante ou variação sobre o texto. no máximo como documento "psicológico" e "anedótico". Interpretar ou ler é a mesma coisa: retomar no seu universo pessoal, reanimar com seu próprio sopro. como o faz o "grande intérprete" para a partitura morta que vai procurar na loja de Durand. (3) Deutung: interpretação. Sem querermos chegar nós mesmos ao misticismo hermenêutica que. se autorizando d!!rig~~r_!3_ vid,atolQgia ã maís"manifesta. isto é,dãS reiélções pelverSàs - no sentido clíniCo do termo : .___ ent:I:ê Üm adulto e orriã i:í'iãnÇà. A partir daí. a interrogação "estatística" dé Freúct. tão simplista qoarítõ possa parecer, não poderia deixar de ser desconcertante: não deveria haver, necessariamente, um maior número de perversos na geração dos pais do que de neuróticos na dos filhos? Da mesma forma. e mais profundamente, é o tipo de fatos em causa, ou, mais exatamente. o medo da realidade buscada na investigação analítica, que é mal apreciado: se as cenas traduzem-se umas às outras. se voltar atrás na interpretação não tem outro objetivo senão descobrir, enfim. uma cena que entregaria, no seu texto, todo o seu sentido, concebe-se que a busca de uma cena sempre. mais antiga. mais escondida. mais totalmente reveladàra•. ãpofJniJ~ só pÕêfêser infinita e engànadora. 9) bõ iãdo da teoria, a mesma rigidez apái-ente. O modelõ concebido, por mais coerente que s!lia. tem por objetivo explicar a psicopatologia: e somente ela. Defesa patológica, recalcamento e inconsciente pertencem ao mesmo conjunto. aquele que, inversamente. a cura se propõe a desfazer. A idéia de um inconsciente "normal" (20) irredutível apesar do que se pode conquistar solm!ê!te, á postulação de um recalcamento originário que a própria teoria da sedução explltãria. tudo isto ainda está fora do alcance. (21) Alouca esperança de um "sucesso total", da descoberta do "segredo do incidente infantil", de uma "dominação completa do inconsciente pelo consciente" acaba necessariamente na decepção. mas esta termina. sem outra forma de processo. por fazer explodir a teoria ém pedaços: enquanto qüe à relação da teoria com os fatos poderia ser radicalmente renovada pelo seu aprofundamento conjunto. Pois apenas um aspecto parcial e restritivo da fatualldade
n
19 - O recurso que Freud faz à fantasia - ou à indistinção da "ficção" e da "verdade" não esclarece nada: uma fantasia não produz necessariamente um sentido auto-suficiente mais do que uma cena rememorada. A volta para trás na fantasia também será infinita. Donde o último recurso à biologia. 20 - Pressentimento. entretanto: "Não basta levar em conta o recalcamento entre o pré-consciente e o inconsciente: é preciso ainda pensar no recalcamento normal que se produz no próprio sistema inconsciente. É um fato muito importante, mas que ainda resta muito obscuro". Manuscrito M. In: La naissance de la psychanalyse. Paris, PUF. 1973. p 181-182. 21 - Um outro fator de obstículo é a importância quase exclusiva que Freud reconhece ainda à puberdade entre as fronteiras separando as fases temporais. A infância e a sexualidade infantil é e será ainda por muito tempo percebida por ele como um todo (o periodo auto-erótico) face ao todo pós-pubert.ário. Dai a dificuldade em fazer atuar o mecanismo do aprês-coup. entre dois momentos da infância, do qual o "Homem dos Lobos" dará posteriormente um exemplo surpreendente. Uma dificuldade análoga encontrar-se-á até os anos 1900-191 O a propósito da teoria da homossexualidade. Freud. com Sadger. depressa descobre que um vínculo heterossexual apaixonado pode ser a origem de uma escolha homossexual. mas é-lhe necessário muito tempo para aceitar levar este vinculo até a infância (Leonardo da Vinci).
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era invocado para recusar. sem mais, uma teoria que era ela mesma por demais restrita. enquanto que a discussão de 1897 (22) podia se abrir sobre um reman!ljo dialético como o que se observa na história das ciências, uma dupla generalização . rio sentido exato de que falamos, em fisica. da teoria da.. relatividade generalizada. Uma .!.OO!.]a_ dasedução g~n~raJJZada? qu~ já traço o programa de após 1964-1967. Mas não posso pássãr emSllêncio o período intermediário de setenta anos, mesmo se os limites deste artigo que. assinalemos, deseja ser mais teórico e epistemológico que histórico. assim me restringem. É um período de recalcamento. se podemos aplicar este termo à história do pensamento. (23) Na literatura psicanalítica - com exceção de Freud e de Fereczi - é o deserto. "O Índice dos escritos psicánalíticos" de Grinstein. que cobre este período muito exatamente. é revelador. A palavra-chave "sedução" indica em tudo e por tudo três artigos de curiosidade psicopatológica e um artigo de curiosidade histórica. todos publicados em revistas não-psicanalíticas por autores c4.ia posteridade_ não nos deixou nenhum testemunho. (24) A restrição da teoria à psicopatologia. seu repúdio por Freud como pertencendo a um período ultrapassado. atuaram. no movimento. exatamente como uma censura. No próprio Freud, depois de 1897, a teoria passou por um verdadeiro cataclisma. Sabe-se que é próprio do recalcamento (secundário) agir sempre "individualmente", isto é, pedaço por pedaço. Tão eficaz quanto o próprio reealcaménto, este processo de deslocamento. de deSmembramento. dé ocúltamento._ é esta reelaboração secundária que recoloca juntos elementos não coerentes e desfaz os vínculos de coerência real. Cada um dos membros da teoria sediJtivá, membra di~ecta, continua a evoluir por si_mesmo, procurando para si eventualmente um outro contexto. Assim o aspecto i:emporal da teoria, o aprés-coup, continuará a ser uma linha diretiva do pensamento -e da prática- psicanalíticas: apesar das tentações da "fantasia retroativa" apresentada por Jung, Freud insistirá em manter a dupla tensão, a tensão em sentido duplo. entre a cena mais antiga e o drama mais recente: testemunha disto todo o texto sobre "O Homem dos Lobos". É verdade, no entanto. que privado do contexto da sedução, o aprés-coup pode apenas procurar desesperadamente um outro ponto de ancoragem. numa outra "realidade": aquelas que se chama "fantasias originárias", he-rança filogenética. "mito científico" da horda originária. etc. (25)
vise
22 - Mas que interlocutor verdadeiro tinha Freud então? 23 - Tomamos a liberdade de falar de recalcamento (processo pessoal). pois se trata essencialmente do pensamento do indivíduo Freud. 24 - Margaretha Kossak "Sexuelle Verführung der Kinder durch Dienstboten" (Sedução sexual das crianças pelos empregados): Sexual Probleme jan. 1913. - Berllhold E. Schwarz e B.A.Ruggieri: "Morbid parent-child passions in delinquency" (Paixões mórbidas de pais·filhos na delinqÍiêrKia) SOcial Therapy, 1975. 3. 180 e "Sadism seduction and sexual deviation"" (Sadismo. sedução e desvio sexual), Medica/ Times, 1959. ff'l. pp. 216-224. - Alexander Schusdck "Freud"s "seduction theory": a reconstruction" (A "teoria da sedução" de Freud: uma reconstrução) J. Hist behav. Sei.. 1966. 2, pp. 159-166. 25 - Ver, a respeito deste movimento de ascendência na "história da espécie". Fantasme originaire. fantasmes des origines. origine du fantasme . 1964. Les Temps Modemes. 215. Por mais de uma vez exprimimos desde então nossa oposição a este gênero de especulação sociológico-antropológica
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No que tange aos aspectos tópicos da teoria, as coisas também vão derivar perigosamente. A nocãQ_JI.e...ati!!llJ.í! interno, até mesmo de corpo .!!~ranho interno. n~2_1lf!Lealmentv;ontes.tada_;_é a fan13tsia, sabemgs_. fl11~ará o lugar desta última "re~ica";_masJáJ:am~m o solo de uma realidade mais "Qgi~t;iva" ~ inevitaY~!!Jen~ pus~d(J: a pulsão será, em último caso. de origem biológica; quaisquer que s!ljam as relações. de "representação" que a~egurem a mediação, o movimento vai no sentido: excitações somáticas -:-- pulsão :..__:-fantasià. enquanto que. em plena teoria da sedução (maio 1897). a série cãüsal SêesfliDêlecllrasslm:impulsos _ _,... (lmpulse) :e~~rança das cenas --------
.
--------_. fantasias ----~~>• impulsos O terceiro aspecto da teoriª, .o.riJodelo de linguagem e tradutivo, vai, para Frelld. afundar pouco a pouco. É em Fereczi que encontrará mais do que a sua ~IJ!I!.~Ilçia (pois Fereczi. cert:ameD~ão .tinha conhecimento da. carta 52), sua renovação. Vemos no_ seu artigo "Confusão
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