1370 Mandrake Cap.1
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MANDRAKE Capítulo I A CIDADE NÃO É AQUILO QUE SE VÊ DO PÃO DE AÇÚCAR Livremente inspirado no conto "Caso F.A.", de Rubem Fonseca Roteiro de José Henrique Fonseca, Tony Bellotto e Felipe Braga 1 ABERTURA - CRÉDITOS INICIAIS A montagem desta abertura deve traduzir, de forma documental, o lado mestiço e pop da cidade. O convívio entre o rico e o pobre, o profano e o sagrado, o belo e o feio. Deve retratar um dia no Rio de Janeiro. O dia amanhecendo na praia de Copacabana. Música envolvente. Personagens matutinos do bairro. Garis, corredores, notívagos virados. Quadro a quadro do sol se colocando a pino. O Centro da cidade e seus habitantes, trabalhadores, mendigos, boys, executivos. Câmera mostra em ritmo de video-clip imagens de um Rio de Janeiro não óbvio, não turístico. O entardecer no centro. Imagens noturnas de Copacabana e suas boates e prostitutas no calçadão. Um Porsche conversível está parado na frente do Frank's Bar na Princesa Isabel, uma prostituta está debruçada dentro do carro. Baile funk com aglomeração na porta. Montagem paralela entre baile funk e o interior de uma boate bunker. Ricos doidos de ecstasy misturados com a turma do baile funk. Quadro a quadro do movimento da lua. Carros de polícia saindo do quartel em bando. Uma blitz enorme, em que pessoas são revistadas. Uma procissão com velas na Igreja da Penha. Personagens inusitados da cena urbana carioca são mostrados ao longo da abertura. 2 EXT. AVENIDA ATLÂNTICA - NOITE CÂMERA, em plano aéreo, enquadra apartamento iluminado de um prédio da Avenida Atlântica. 3 INT. APARTAMENTO GRÃ-FINO/ SALA - MADRUGADA A cena se inicia como se estivéssemos num momento de pausa após grande discussão. Uma música eletrônica suave ecoa no ambiente. Todos estão abatidos e visivelmente nervosos, menos MANDRAKE, advogado, 35 anos, jovem, bem apessoado, de terno, em pé no meio da sala. Tem a aparência cansada. Num canto está CONAN, 40 anos, detetive da Entorpecentes, moreno forte com rosto marcado, e um POLICIAL, 25 anos, à paisana, vestido de surfista. Ambos usam um distintivo da Polícia Civil no bolso da camisa. Na sua frente sentadas no sofá estão LUÍZA E MARTINHA, 20 anos, bonitas, vestidas de preto. Luíza parece estar drogada, lambe os próprios lábios evidenciando boca seca. As duas bebem
água em garrafinhasde plástico. Em cima da mesa da sala, de forma improvisada, vários pequenos vidros, tubos, flaconetes, conta gotas, baseado apagado no cinzeiro, pequenos sacos com pó branco, balança digital, papéis com instruções de química, um mini laboratório montado. Depois de um tempo em silêncio, Mandrake se aproxima de Conan colocando a mão em seu ombro, amigavelmente. MANDRAKE (contemporizando) Conan, libera as meninas. Elas já te falaram que isso não é cocaína...é uma outra coisa...Negócio de internet Conan. Você deve ter recebido a informação errada. Elas moram com a mãe, eu conheço a família... libera as meninas. (pausa) Conan, eu tive um dia ruim, meu time perdeu, eu estou cansado. Você também não deve ter tido um dia bom. (mostrando o relógio) Olha que horas são. Vamos pra casa. CONAN (baixo para que os outros não ouçam) Mandrake vai nessa...deixa as patricinhas comigo. Vou enquadrar elas no dezesseis... (olha para a mesa com os objetos) Quer dizer, no doze. E pronto, você vai pra casa descansar, e não vai nem se lembrar do que aconteceu. MANDRAKE (cansado em bem humorado, interrompendo) Porra Conan, elas estão brincando de cientistas...olha pra elas, elas têm cara de marginal? Conan olha para elas. PV de Conan: Martinha e Luíza lado a lado sorriem, matreiras, para Conan. MANDRAKE Olha só, elas não são marginais. Conan eu conheço a família. Vai por mim... LUIZA (ouvindo, interessada, a conversa) Você conhece mamãe? Mandrake não responde a Luíza e continua sua conversa com Conan. CONAN Isso é cocaína Mandrake. Você acha que eu não sei o que é cocaína? É assim mesmo cara... essa cidade brilha à noite... não sei por que você fica defendendo essa gente. MANDRAKE (conciliador) Conan, eu sou advogado. Conan se levanta, vai para o meio da sala e começa a observar a parafernália em cima da mesa. Reação de Martinha e Luíza. Conan abre um saquinho com pó branco e vai experimentar achando que é cocaína, quando Martinha grita. MARTINHA
(levantando-se) Não! Se tomar muito pode dar merda! Tem que misturar com água. Não é cocaína é GHB, eu já te falei, cara. (flana ao som da música) ...é bom pra dançar, você fica leve, sensitiva... Luíza ri, Mandrake também, rapidamente, sem que Conan veja. CONAN (oferecendo o saco para o Policial surfista) Experimenta essa porra aí, tenho certeza que é cocaína. POLICIAL (recusando) Ô Conan, que é isso? CONAN Como o que é isso? É só pegar um pouquinho, experimenta porra, parece até que nunca fez isso antes! POLICIAL Peraí Conan, não viu o que a menina disse? CONAN É brizola, porra! Pó do bom, experimenta, vai... Martinha, sorrateira, pega o baseado que estava dentro do cinzeiro e guarda no bolso da calça, sem que os outros vejam. O Policial experimenta a droga. Reação de Mandrake olhando a cena. CONAN (irônico, amigável) Isso, porra! Parece cagão. (pausa, observa o policial) E aí, é cocaína não é? O Policial não consegue entender direito o gosto e empana mais uma vez o dedo no pó. Reação de Martinha e Luíza, que franzem o rosto. CONAN É ou não é? POLICIAL (estalando a língua, olhando para cima à procura do gosto) Não, não é. Reação de Martinha e Luíza. CONAN (sem graça) Não?! POLICIAL Não. É meio salgado.
Toca a campainha. Cria-se um impasse. Depois de algum tempo Mandrake vai até o olho mágico. Fica um tempo ali olhando sem sabermos quem é. Os outros ficam na expectativa. Ele vê, através do olho mágico, BEBEL, irmã de Luíza, 25 anos, ar jovial, casaco jeans. CORTA PARA: Bebel agora está parada no meio da sala olhando a situação. Procura na bolsa, acha e acende um cigarro de forma sensual, porém nervosa. Mandrake se aproxima. MANDRAKE (tranquilizando-a, carinhoso) Cadê sua mãe? Bebel sorri para Mandrake. BEBEL Europa. (pausa) Eu sempre quis te conhecer. A mamãe te adora. (olhando friamente para os policiais) Tudo bem aí com os nossos amigos? MANDRAKE Fica tranquila, vai dar tudo certo. Mandrake sorri para Bebel. Detalhe do policial surfista já sentindo os primeiros sintomas da droga, sentado no sofá ao lado de Luíza e Martinha. MANDRAKE (confidente, apontando o policial surfista) Conan, olha o estado do cara. Conan, endurecido, parece desconfiar da conversa de Mandrake. MANDRAKE Eu me responsabilizo pelas meninas, Conan. Além do mais eu também não compactuo com esse tipo de coisa. Mandrake abraça Conan amigavelmente, conduzindo-o para um canto da sala. Conversam baixo. MANDRAKE Conan... você não pode querer autuar duas meninas só porque elas descobriram que misturar remédio pra catalepsia e hidróxido de sódio dá onda. (íntimo, confidente, fraternal) Elas estavam brincando de cientista, Conan. Você está na Operação Mosaico 4, cara! Não dá pra chegar na delegacia com duas meninas, vai pegar mal pra você. Pausa. Os dois entreolham-se. Conan desconfiado. MANDRAKE
Vamos tomar um café? (pausa, para Bebel) Faz um cafezinho pra gente? Bebel não sabe como reagir. MANDRAKE (para Conan, tentando ser cúmplice) E aí? Tudo bem? Tudo certo? Vou ficar te devendo essa. Anota aí meu celular... Neste momento em que Mandrake abraça Conan, indeciso, o policial surfista, vomita ao lado do sofá, ao fundo na cena. 4 INT. HALL DO PRÉDIO/ ELEVADOR - NOITE Mandrake entra no elevador e aperta um botão. Quando a porta começa a fechar Bebel a abre e entra. Os dois descem juntos no elevador. Ficam silenciosamente atraídos. BEBEL Quer uma carona? Eu te levo em casa. MANDRAKE Não, obrigado. Eu não estou indo pra casa. BEBEL Eu te levo aonde você quiser. MANDRAKE Não precisa... Subitamente, a luz acaba e o elevador pára. MANDRAKE Inacreditável... Silêncio. Som de um isqueiro sendo acionado. Bebel acende um cigarro no elevador escuro. A cada trago seu rosto é iluminado de forma breve e diáfana. BEBEL Esse elevador é uma merda, pára sempre. Daqui a pouco volta, você vai ver. A não ser que o porteiro esteja dormindo. (pausa) Você está indo pra onde? MANDRAKE Pra uma festa de aniversário. BEBEL De quem, da sua namorada?
MANDRAKE Não, de um amigo. BEBEL Você salvou a pele da minha irmã. Nem sei como te agradecer. Mandrake acende seu isqueiro e começa a procurar algo na parede do elevador. MANDRAKE Não precisa. Bebel aproxima-se de Mandrake e sopra seu isqueiro, escurecendo o elevador novamente. Silêncio longo. Após instantes, começamos a escutar o som de beijos. MANDRAKE Não precisava. BEBEL Bobo. (pausa) Posso te perguntar uma coisa? Mandrake não diz nada. BEBEL Você já teve um caso com a minha mãe? Bebel dá outro trago no cigarro, iluminando seu rosto. 5 EXT. AVENIDA ATLÂNTICA - NOITE Mandrake anda por algum tempo, solitário na madrugada . O ruído de seus passos ecoa na noite. Acena para um táxi, que pára. 6 INT. BURACO DA LACRAIA/ LAPA - NOITE Estamos no buraco da lacraia. A alegria é geral. Muitas pessoas transitam entre as mesas durante uma confraternização onde todos parecem se conhecer. Entre os convidados, alguns policiais vestindo colete da polícia civil. RAUL, 40 anos, moreno, bem apessoado, traços marcantes, está sobre o palco, cantando um samba desafinado. Mandrake entra e vê Raul cantando, assiste à cena enquanto ri do amigo. CORTA PARA: Mandrake toma uma cerveja no balcão do bar, e fala para alguém que assume a posição da câmera. MANDRAKE Você estava linda no palco, acho que você canta melhor do que cuida da nossa
cidade. Parabéns, feliz aniversário. Vemos então Raul sentado no balcão. RAUL (carinhoso) Isso são horas de se chegar na festa do amigo? MANDRAKE Essa eu te conto um dia com mais calma. Não vou atrapalhar sua festa. (para o barman, levantando sua cerveja vazia) Mais uma, por favor. (olhando o ambiente) Interessante essa festa. RAUL (bem humorado) Aqui hoje só tem chave de cadeia literalmente. Controla essa sanha. MANDRAKE (erguendo sua cerveja para Raul) Tim-tim. Te amo. Entra uma música instrumental por cima do samba, formando uma mistura embalante e sensual. andrake observa as mulheres do local. PV de Mandrake: Meninas de 15 anos, florescendo, mulatas cheias, gostosas e sedutoras, algumas mulheres da zona sul igualmente gostosas e boas de samba, faz um scan pela festa lotada de policiais. Vê numa mesa BETH, 25 anos, uma linda mulher negra com alguns policiais, entre eles PACHECO, 50 anos, gordo e embriagado. Mandrake não tira os olhos da moça, fica rindo para ela, que olha para ele mas não ri de volta. MANDRAKE Raul, eu quero aquela crioula. Raul ri como se já soubesse das irreverências do amigo. RAUL Qual, aquela que está na mesa com o Pacheco? MANDRAKE O que que tem o Pacheco? Raul, dá uma olhada para o Pacheco. Você nem sabe se ele está com ele, quanto mais com ela. RAUL (chamando um garçom) Tem razão. Raul fala com um GARÇOM, que vai em direção a Pacheco. O garçom começa a conversar com Pacheco, Beth observa. Pacheco, olhando para Mandrake e Raul à distância, levanta o dedo médio. MANDRAKE
(olhando Pacheco, rindo simpático) Vá pra puta que o pariu, não aguenta nem se levantar da cadeira! Tem que mandar tombar essa mulher. Mandrake e Raul riem e tomam um shot de conhaque. Entra música nova. Beth levanta-se e vai dançar no centro da pista. Mandrake vai até ela discretamente e diz algo em seu ouvido. Volta até Raul. MANDRAKE Vou nessa. Me empresta teu carro? RAUL (pegando as chaves) O que você falou pra ela? MANDRAKE Não foi muita coisa não, mas daqui a pouco ela vai largar esse cara. Mandrake dá um abraço no amigo. MANDRAKE Parabéns. 7 EXT. BURACO DA LACRAIA - NOITE Mandrake espera do lado de fora entre ambulantes e meninos do local. Vários carros de polícia estacionados na rua. Compra um saquinho de amendoim e dá o troco para o vendedor mirim. Beth chega. BETH (preocupada e excitada) Você é maluco, cara! MANDRAKE Fica tranquila, ele não vai te seguir. Acho que ele está mais interessado em beber. BETH Porra, ele é o delegado Pacheco! MANDRAKE E eu sou o advogado Mandrake, vem comigo. Mandrake segura a mão de Beth e a leva embora enquanto ouvimos, de dentro do Buraco de Lacraia, a multidão cantando "Parabéns pra você". 8 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ SALA - NOITE Na sala do apartamento de Mandrake, além de um sofá e duas poltronas, vemos posters de filmes como "Fanny e Alexander", "Manchurian Candidate" e "A grande cidade". Vemos também algumas fotos de mulheres em porta-retratos. Num canto
da estante vemos um gato empalhado, Gogol. Um tabuleiro de xadrez sobre uma mesinha. Beth está deitada no sofá de Mandrake, olhando para a sala. Câmera mostra uma televisão em cima de um videocassete, cercada por pilhas de livros dos dois lados, pastas com processos, livros de poesia, uma garrafa de vinho português vazia, uma casca de queijo comido. Beth anda pela sala observando os objetos enquanto Mandrake abre uma garrafa de vinho. Ela pega a foto de uma mulher morena, madura, bonita em frente a um grande tabuleiro de xadrez. BETH E essa aqui, por que ela tem duas fotos? Mandrake sorri, enigmático e simpático, para Beth, sem responder. BETH (compreensiva e simpática) Tudo bem. Já entendi. Ela é bonita mesmo. (sedutora, superior) Você é um cara de bom gosto... Beth coloca um vinil do Jorge Ben na vitrola. Música romântica. MANDRAKE (beijando Beth na boca) Eu estou apaixonado por você. BETH Amor à primeira vista? MANDRAKE É isso aí. Mandrake abraça Beth e, num gesto rápido porém carinhoso, tira a saia da morena que exibe um corpo espetacular, deixando a mostra uma calcinha branca. Durante o OFF, a câmera passeia pela parede onde vemos fotos de Berta Bronstein, da japonesa Missu e de outras namoradas de Mandrake, fotos da família, fotos da época do colégio de padres e da faculdade de direito, até chegar a Mandrake e Beth, deitados no chão trocando carícias. MANDRAKE (V.O.) Fui uma criança e um adolescente calado e introvertido, porém feliz e confiante, que gostava de ficar lendo num canto, isolado. No meu colégio o padre professor Lepinski, vegetariano, pregava a castidade dizendo que a mulher levava o homem ao pecado e que o casamento era uma forma de cada um evitar a luxúria... mas frustrando as expectativas dos outros acabei virando um bom advogado. Ninguém esperava também que eu me tornasse um tão ávido apreciador de mulheres... 9 EXT. RIO DE JANEIRO - AMANHECER
Stablishing shot. O Dia amanhece em Copacabana. 10 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ QUARTO - DIA O telefone toca mas Mandrake e Beth estão dormindo. A secretária eletrônica atende e ouvimos a voz de WEXLER, sócio de Mandrake, vindo da sala. Mandrake acorda. WEXLER (V.O.) Mandrake. Wexler. Atende. Olha o juiz expediu o Habeas corpus preventivo do Doutor Paranhos. Parabéns. 11 INT. ESCRITÓRIO/ SALA - DIA WEXLER, 65 anos, sócio de Mandrake no escritório, fala ao telefone enquanto fuma um cigarro: WEXLER Queria saber também como é que foi lá com a filha da Maria Cecília Leitão...Outra coisa, gostei da petição, ela está muito bem escrita. Você se fundamentou bem nesse texto... dei uma arrumada e vou enviar para o Cézar, ok? Enfim...me liga, preciso falar com você antes da reunião. 12 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ QUARTO - DIA WEXLER (V.O.) Você está com alguém aí? Mandrake ri da indiscrição de Wexler enquanto tenta se desvencilhar de Beth, que quase acorda. WEXLER (V.O.) Acorda e vem trabalhar, será que você não sente pena desse pobre judeu que só faz se matar por esse escritório? Ele consegue soltar-se de Beth e pega o telefone sem fio. 13 INT. ESCRITÓRIO/ SALA WEXLER - DIA Wexler na sua sala, computador ligado com um texto na tela, continua fumando o seu cigarro. WEXLER Bom dia doutor. (olhando o relógio) Hoje o senhor demorou...28 segundos para atender o telefone. A companhia deve ser boa, hein? 14 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ BANHEIRO - DIA
Mandrake, sentado na privada com o tampo fechado, fala ao telefone com Wexler enquanto vê Beth dormindo na cama, seu corpo escultural entre os lençóis brancos. MANDRAKE (falando baixo) Eu te amo Wexler, deixa de ser ciumento. Eu te encontro aí no escritório. Fica tranquilo. (escuta) Já entendi. Às dez estou chegando aí. (escuta) Já são dez?...onze então. 15 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ COZINHA - DIA Mandrake chega na cozinha, já vestido de paletó e gravata, e encontra CELESTE, 50 anos, magra, arisca e simpática falando ao telefone. Enquanto ouve Celeste ao telefone Mandrake pega uma fatia de queijo de minas curado na geladeira. Servese também de um copo de leite. Encosta-se na geladeira e assiste a cena de Celeste. CELESTE (dissimulada) ...como quem tá falando? Aqui é a mulher dele, você está pensando o que? Aqui é uma casa de família. O que que você quer com o meu marido?...ahn?...desligou (para Mandrake, desligando o telefone na parede) Gostou? MANDRAKE Gostei. Se telefonarem amanhã de novo você continua dizendo que é a minha mulher. E se for igual àquela vez que ligou uma moça dizendo que era minha amante, você desliga dizendo que não gosta de maledicências. CELESTE Posso dizer fofocas em vez disso? MANDRAKE Pode. Conto contigo. CELESTE Pode contar, doutor. Essas mulheres são uma verdadeira praga em cima do senhor, nunca vi, Deus me livre! 16 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ QUARTO - DIA Mandrake fica parado na porta do banheiro, observando o corpo de Beth, aturdido com a beleza dela. Vê, então, em cima da mesa uma máquina fotográfica. CORTA PARA: Mandrake, com a máquina fotográfica na mão, prepara-se para fotografar Beth
nua, dormindo, através da porta do banheiro. CORTA PARA: PV da máquina fotográfica: Beth dormindo nua, linda. Foto é tirada. 17 INT/EXT. TÁXI/ CINELÂNDIA - DIA Mandrake está no táxi, música "Que nega é essa", de Jorge Ben. Pára num sinal da Rio Branco, onde oito meninos de rua fazem malabarismos com bolas, rindo e formando uma grande pirâmide de pequenos e talentosos risonhos malabaristas. Mandrake paga o taxista e salta. Plano de situação da CINELÂNDIA. Mandrake cruza a praça e entra na portaria de um prédio antigo. MANDRAKE (V.O.) Aquela situação acontecia sempre na minha vida, acordar com uma mulher que mal conhecia, na cama, depois de uma noite de amor e sexo...e iniciar com ela a rotina do dia, marcar novos encontros ou inventar justificativas para não fazer isso. 18 INT. ESCRITÓRIO/ RECEPÇÃO - DIA Mandrake chega ao escritório M&W Advocacia. A secretária, DONA MARISA, 60 anos, ar cansado, está ao telefone aos brados segurando uma folha de papel numa das mãos, enquanto um OFFICE BOY, 20 anos, está em pé à sua frente. MARISA Não posso, o menino está aqui na minha frente, não adianta nada, o doutor Wexler não está aqui, quem é que vai assinar isso? (escuta) Não interessa, eu preciso da autenticação assinada. Ele fica aqui até alguém assinar isso. Dona Marisa desliga o telefone e desaba na cadeira. Suspira fundo. MARISA (para o Office boy) Pode sentar ali meu filho. Quando o doutor Wexler chegar ele assina e você volta para o Forum. O Office boy senta-se no pequeno sofá da sala de espera. MARISA Bom dia doutor Mandrake. MANDRAKE Bom dia dona Marisa. Eu não posso assinar esse documento? MARISA Pode. Esse é o recurso movido pelo doutor Wexler sobre o caso da concessionária de automóveis. (enquanto Mandrake assina o documento) Olha, ligou a Dona Mariazinha, Dona
Berta e um tal de Raimundo. Disse que você sabe quem é. MANDRAKE (buscando na memória) Raimundo... MARISA Não quis marcar hora. Disse que vai passar aqui mais tarde. Pela voz deve ser uma dessas pessoas que o senhor ajuda de uma forma mais informal. Mandrake termina de assinar o documento. MARISA (para o menino, entregando o documento) Vai meu filho, corre pra pegar o Foro aberto. O menino pega o documento e sai apressado. A secretária volta a trabalhar em sua mesa. Mandrake repara o ar cansado de dona Marisa. Aproxima-se dela. MANDRAKE (carinhosamente) Tudo bem com você? Estou te achando triste. Dona Marisa não diz nada. MANDRAKE Fala pra mim. O que que houve? Não está gostando de trabalhar mais aqui. MARISA (Depois de curta hesitação) Desculpa, eu estou cansada meu filho. Trabalhei 25 anos nesse escritório com o seu pai e o doutor Wexler. O seu pai era um homem muito bom. (pausa) Eu devo muito a ele, mas nesses últimos anos tudo ficou mais corrido. Eu não tenho tido tempo para minha família. Já falei com o Dr. Wexler duas vezes no ano passado, mas nada aconteceu. Só que agora preciso mesmo de um descanso. Mandrake abraça Dona Marisa. MANDRAKE (carinhosamente) Não sei se eu vou conseguir viver sem você, mas se é o que você quer... MARISA É sim meu filho. Eu também acostumei com a rotina do escritório, mas eu já não tenho mais saúde para tanto trabalho. Conversa com o doutor Wexler. MANDRAKE Vou falar, mas o Wexler vai achar a mesma coisa. Ele gosta muito de você. A porta da sala de Wexler se abre. Wexler despede-se de um CLIENTE com um aperto de mão. O cliente sai do escritório, cumprimentando Mandrake e D. Marisa
no caminho. WEXLER (para o Cliente, bem humorado, professoral) Pensa nisso, Cortez, o que não está nos autos, não está nesse mundo. (para D. Marisa) Dona Marisa, liga para o Gonzaga Bastos. (para Mandrake) Entra aí que hoje o dia vai ser quente! Mandrake, bem humorado, finge defender-se de Wexler com as mãos a frente do corpo. Wexler puxa o sócio para dentro da sala. 19 INT. ESCRITÓRIO/ SALA - DIA Wexler à mesa, afogado em processos e documentos. Mandrake abre sua pasta e tira alguns papéis manuscritos que coloca em cima da mesa. MANDRAKE (calmo e irônico) Wexler, meu pai comia a Dona Marisa? WEXLER (rindo) Quem te falou isso? MANDRAKE Ela, dona Marisa. Wexler observa Mandrake, examinando seu rosto. WEXLER Duvido. Ele se levanta e se aproxima de uma máquina de café muito antiga sobre uma mesinha. MANDRAKE Mas comeu ou não comeu? WEXLER (mexendo na cafeteira) Se você quer saber, o seu pai era um grande especialista na arte do amor, conhecia os recantos escondidos da alma feminina e sabia como poucos fazer companhia às mulheres. Você já é diferente. Vai no volume, no Gross. MANDRAKE (irônico) Gross? WEXLER É Gross. Grosa, doze dúzias.
MANDRAKE Mas enfim, papai comeu ou não comeu dona Marisa. WEXLER Comeu não é o termo exato...ele teve um affair com ela... MANDRAKE Dona Marisa, quem diria... (mudando o tom) Wexler, eu dispensei a dona Marisa. Reação de Wexler. MANDRAKE Ela cansou, está querendo se aposentar. Ela acabou de se abrir comigo. Esse trabalho já não tem feito bem a ela. Ela juntou dinheiro e tem uma grana boa no fundo de garantia. Tá na hora dela se aposentar Wexler. Eu ajudo a colocar alguém no lugar até o mês que vem. WEXLER (perplexo) Você aposentou a dona Marisa? MANDRAKE Ela quer se aposentar Wexler. WEXLER Você nem parece sócio desse escritório, pensa mais nos problemas dos outros do que nos nossos. MANDRAKE Porra Wexler, é a Dona Marisa! WEXLER Você infringiu a lei número um desse escritório. As decisões são coletivas, você devia ter aprendido isso com o seu pai. MANDRAKE Desculpe, mas achei que você fosse concordar com isso. WEXLER Eu concordo, eu concordo. (pausa) Porra, trinta anos com ela! Nunca fiquei tanto tempo com alguém. Wexler levanta-se e vai até a cafeteira. Inicia a preparação do café, quando a cafeteira começa a espirrar, fazendo com que Wexler recue rapidamente sem, contudo, se livrar de uma jato que atinge sua camisa. WEXLER (percebendo Mandrake) Como é que foi lá na casa da Maria Cecília Leitão. Ela já
me ligou duas vezes de Paris. Não consegue falar com as filhas. Ela está preocupada. Eu preciso dizer alguma coisa pra ela. MANDRAKE Está tudo bem Wexler. A família Leitão descansa em paz. WEXLER Precisou fazer a autuação, ou deu pra resolver no local, à la Mandrake? MANDRAKE Deu pra resolver. (melancólico) Enfim, mais umas burguesinhas livres das garras da polícia. WEXLER (com fairplay) Não fala assim Mandrake, são esses clientes que sustentam esse botequim. MANDRAKE A Isabel mora com a mãe? Wexler encara Mandrake durante um tempo, procurando um outro significado para a pergunta. MANDRAKE Que é isso, Wexler? WEXLER Você sabe quantos anos a Bebel tem? MANDRAKE Achei uma mulher interessante. Só isso. Por enquanto. O interfone toca. Wexler atende. WEXLER (escuta) O.K. Pode transferir. (para Mandrake) É o Medeiros. Wexler aciona o alto falante do telefone e coloca o fone no gancho, recostando-se na poltrona. WEXLER Medeiros. Wexler. Bom dia. O Mandrake está aqui na sala também. MANDRAKE Bom dia doutor Medeiros. MEDEIROS (O.S.)
Bom dia Wexler, bom dia Mandrake. Vou ser direto. Preciso da ajuda de vocês para ajudar o filho de um amigo. O nome dele é Luís Antonio Machado. É o filho único do Frank Machado meu amigo. Hoje em dia ele é quem toca a construtora FM. Em três anos triplicou a fortuna do pai. Rapaz bonito, cercado de jovens bonitas, foi se apaixonar por uma garota de programa que conheceu numa casa noturna. Resumindo a ópera, se apaixonou pela messalina, quer se casar com ela, dar o sobrenome, ter filho... A menina trabalha numa casa noturna e o Baby está enfrentando alguns problemas... MANDRAKE Baby? WEXLER (interrompendo Mandrake) Que tipo de problemas? MEDEIROS (O.S.) ...com o dono da casa noturna. MANDRAKE Como assim? Por que ele não oferece dinheiro e casa com a moça? Todo mundo faz isso hoje em dia. O cara não é rico? Ela não gosta de dinheiro? MEDEIROS (O.S.) Não tenho mais detalhes do caso. Entrem em contato com ele. Só peço que atendam a um amigo. Posso contar com vocês? WEXLER Claro Medeiros. MANDRAKE (fazendo gesto com o dedo médio) Conta com a gente Medeiros. Medeiros desliga o telefone que começa a emitir sinais de ocupado. Wexler desliga o alto-falante do aparelho. 20 20 EXT. HELIPORTO DO PRÉDIO DE BABY MACHADO - DIA Câmera dentro de um helicóptero, em PV de Baby Machado, aproximase de um heliporto situado no terraço de um prédio no centro do Rio. UMA MULHER linda porém de aparência fria, o espera no terraço. CORTA PARA: Câmera no heliporto enquadra o helicóptero parado ainda com as hélices em movimento. Porta se abre a sai BABY MACHADO, 35 anos, vestido de jeans e camiseta polo, com um ar afortunado e estiloso.
MANDRAKE (V.O.) Luís Antonio Machado, vulgo Baby Machado, tem quarenta e cinco anos e nunca se casou. Baby Machado é o famoso filhinho de papai, o clichê dos milionários. Baby abraça a mulher bonita e eles saem por uma porta. 21 EXT. CONVERSÍVEL/ ELEVADO DO JOÁ - ENTARDECER Baby e OUTRA MULHER BONITA, 25 anos, estão num carro importado, conversível. A mulher animada e Baby, distante. MANDRAKE (V.O.) Vive cercado de máquinas...e todas as mulheres do mundo. 22 INT. MOTEL/SUÍTE PRESIDENCIAL - NOITE Baby e DUAS GRÃ-FINAS, 35 anos, bonitas e frias, cheiram cocaína e tomam champanhe, nus. MANDRAKE (V.O.) Sempre teve todas que quis. 23 EXT. RUA DA SUNSHINE - NOITE Chove. Baby está dentro de seu carro importado, capota fechada. Olha fixamente para a entrada de uma boate, onde podemos ver a placa Sunshine Girls em luzes pisca-pisca. MANDRAKE (V.O.) Frequentador de uma casa chamada Sunshine Girls na Rua da Quitanda... 24 INT. SUNSHINE GIRLS/ SALÃO - NOITE Baby Machado está sentado numa das mesas da SUNSHINE GIRLS, assistindo a um show com duas mulheres nuas que se pegam no palco. Seu ar flutua entre o fascinado e o melancólico. Uma delas é PAMELA, uma menina de aparentemente 18 anos, linda, a outra é MICHELE, 18 anos, carioca, corpo perfeito, loira, queimada de sol. GISELE, 60 ANOS, gerente do local, está sentada numa mesa ao fundo. Ela fuma um cigarro e toma um uísque. MANDRAKE (V.O.) ...lugar discreto, elegante, ideal para um milionário afogar o ganso. Lá, ele ficava sempre com a mesma prostituta e depois de um tempo, ironia do destino, acabou se apaixonando por Pâmela... Pamela e Baby cruzam olhares denunciadores. Gisela observa ao fundo. Ele olha chapado para Pamela, apaixonado.
25 INT. SUNSHINE GIRLS/ QUARTO - DIA O quarto tem uma luz baixa. Papel de parede, uma grande cama, um frigobar velho e um pequeno armário com um cadeado. Parecem estar apaixonados um pelo outro. Eles têm os rostos colados, olham-se com candura e nem parecem fazer amor. MANDRAKE (V.O.) ...e parece que ela por ele também. Uma incrível estória de amor. CORTA PARA: Baby e Pamela estão sentados na cama, conversando e rindo. Pamela diz algo engraçado e ri, envergonhada. Baby a abraça, feliz. Ela lê trechos do livro a Filosofia segundo o Ursinho Pooh para Baby, que está deitado no colo dela, apaixonado, feliz. MANDRAKE (V.O.) Baby passou a ir lá três vezes por semana. Depois, todo dia, até se tornar o maior e melhor cliente de Pâmela. CORTA PARA: Baby dá um colar para Pamela. Ela, comovida, derrama-se em lágrimas. Ele também. Eles se abraçam. MANDRAKE (V.O.) Mas ele queria ser o único. Tudo ia bem até que uma dia... 26 INT. SUNSHINE GIRLS/QUARTO - NOITE Baby olha apaixonado para Pamela, que olha para Baby e começa a contar algo de uma maneira frágil porém sedutora. PAMELA (convincente, colocando a mão no peito) Há muito tempo que eu estou com isso encalacrado aqui dentro. Eu preciso te falar, não acho justo esconder isso de você. BABY (desbundado, aflito) Fala, fala, claro... PAMELA Eu te amo você sabe disso. BABY Então, vamos nessa!
Pamela começa a soluçar baixinho e esconde seu rosto. BABY (confortador) O que foi? Conta pra mim. PAMELA Eu sou menor de idade. O Miro já está de olho em você, a gente se vê todo dia, acho que ele está com ciúmes. CLOSE de Baby. BABY Quem? 27 INT. SUNSHINE GIRLS - NOITE MANDRAKE (V.O.) Miro era o brutamontes dono da Sunshine e namorado de Pâmela. Pelo jeito está mais preparado para ser dono de uma academia de jiujitsu do que realmente trabalhar com mulheres... MIRO, 35 anos, uma cara dura e mal encarada, está com Pamela no balcão do bar da Sunshine Girls, fumando um cigarro. Ele toma um uísque e tem alguns amigos à sua volta. Eles riem. O tipo mignon de Pamela contrasta com o grande porte de Miro. Pamela diz alguma coisa no ouvido de Miro que gargalha exageradamente. De repente Miro desfere um tapa em Pamela que gira meia volta e quase cai no chão. Os amigos de Miro riem sem graça, sem entender o gesto do amigo. Depois Miro a abraça de forma dominadora, podemos ver então melhor o rosto de Pamela com uma mancha roxa. 28 INT. ESCRITÓRIO/ SALA DE REUNIÕES - DIA Mandrake, Baby e Wexler estão em volta de uma mesa. Estamos no meio de uma pausa da conversa. Baby está compungido. BABY ...o cara resolveu ter ciúmes, nunca vi isso. Aumentou o cachê dela e proibiu que fizesse programa fora. Eles exploram essa menina. MANDRAKE Eles quem? BABY O Miro e a Gisele, uma puta velha, literalmente, a cafetina da parada, a RP do Miro.. Essa menina caiu numa armadilha. WEXLER
Como é que você sabe disso? BABY Ela me contou toda sua vida. Com quinze, dezesseis anos, ia sempre à praia com a tia em Copacabana. Um dia um cara se apresentou como empresário alemão e prometeu mundos e fundos para ela ser bailarina na noite de Berlim. Ela topou, claro. Chegando lá deu tudo errado, o cara queria que ela fizesse programa, ela não topou e ficou abandonada sem dinheiro. Segundo ela, o Miro foi o salvador da pátria, deu dinheiro, pagou a viagem de volta e agora ela deve uma grana pra ele. WEXLER Quanto? BABY Parece que são trinta mil dólares. Esse Miro é um filho da puta, e eu fico louco só de pensar que ela está vivendo com esse cara. MANDRAKE Mas você não está indo lá quase todo dia? O cara deve estar com ciúmes. Puta também tem namorado, casa, tem filho... BABY (enfático) Cara, eu estou apaixonado por essa menina e ela por mim também. Eu quero pagar os trinta mil dólares que ela deve para o Miro e foda-se o resto... MANDRAKE Mas ele quer receber a dívida? BABY Se ela quiser pagar e sair... MANDRAKE Porque você mesmo não tira a garota de lá então? BABY Eu tive um problema com o Miro, não posso mais voltar lá. 29 EXT. SUNSHINE GIRLS/ PORTA - NOITE Flashback: Miro está chutando Baby, que está humilhado no chão,tentando se defender dos chutes. Pilão observa, ao fundo. 30 INT. ESCRITÓRIO/ SALA DE REUNIÕES - DIA Mandrake, Wexler e Baby continuam a conversa. BABY
A gente ficou muito junto. Caralho isso nunca tinha acontecido comigo e foi logo acontecer com uma... (tenta achar a palavra) Uma... MANDRAKE Profissional. BABY (olhando torto para Mandrake) É, isso. Enfim, o cara soube e ficou puto. Eu ainda tentei falar com ele, disse que pagava a dívida que ela tinha com ele, mas ele não quis nem saber, disse que se eu voltar lá... 31 EXT. SUNSHINE GIRLS/ PORTA - NOITE Flashback: Pilão está arrastando Baby para fora da Sunshine e o joga na calçada. Depois chegam Miro e Célio e começam a chutálo. 32 INT. ESCRITÓRIO/ SALA DE REUNIÕES - DIA Mandrake, Wexler e Baby ainda em reunião. MANDRAKE (sem paciência, interrompendo) O que você quer que a gente faça? BABY Que os senhores convençam aquele cara a liberar a menina... MANDRAKE (irônico) O Miro? BABY Os senhores são advogados, especialistas, não são? Eu estou com medo desse cara...tenho que confessar isso. MANDRAKE Mas e a menina, quer largar essa vida? BABY Ela quer, mas tem medo. Não quero que ela trabalhe mais com isso, cada dia que passa fico louco pensando nela na cama com aquele cara. (pausa) Pago o que aquele viado quiser pra liberar a Pamela. (pausa) (inseguro) Vocês têm um plano, não tem? Mandrake e Wexler trocam olhar cúmplice. 33 INT. SUNSHINE GIRLS/SALA - DIA Câmera está ao lado do telefone que fica na recepção da Sunshine Girls e toca
insistentemente. ALGUMAS MENINAS são vistas ao fundo. Em primeiro plano vemos CÉLIO, 30 anos, magro, aparência frágil. CÉLIO (atendendo o telefone) Sunshine bom dia. Quem quer falar com ela? Um momento. Célio sai do balcão e vai chamar Gisele. Durante esse tempo ouvimos o papo entre KAREN, 20 anos, usa óculos, bonita, olhos depravados, e YOLANDA, 22 anos, baiana, morena. YOLANDA E aí, vai passar a páscoa lá em Paracambi? KAREN Eu?, Quem dera...vou ter que filmar em Araruama lá pra Buttman. Dez dias. Olha o nome do filme, O Senhor dos Anais. É mole? Fala Sério. Gisele chega e atende o telefone. GISELE Alô? 34 INT. ESCRITÓRIO/ SALA DE MANDRAKE - DIA Mandrake ao telefone. Wexler, trabalhando no computador, escuta o papo. MANDRAKE Oi Gisele, você não me conhece, quem fala aqui é o Paulo Mendes, sou amigo do Orlandino. (pausa, escuta) Está bem, mandou um abraço para a senhora. Pois é, eu estou precisando da sua ajuda... ultimamente me deu uma vontade de conhecer uma garota nova, sem experiência, sabe como é que é, carne nova, durinha... Reação de Wexler, estranhando. MANDRAKE E se for estilo mignon melhor ainda... 35 INT. SUNSHINE GIRLS/SALA - DIA Gisele ao telefone. GISELE Aqui tem muitas garotas, o senhor quer que mande no seu apartamento ou vai vir aqui?
36 INT. ESCRITÓRIO/ SALA DE MANDRAKE - DIA Mandrake ao telefone. MANDRAKE Prefiro ir aí, um amigo me indicou a Pamela, acho que ela tem o que eu procuro. Ela está disponível? 37 EXT. SUNSHINE GIRLS - DIA Mandrake entra pela porta da Sunshine Girls observando o HOMEM NEGRO e forte da portaria, de terno e óculos escuros, e Pilão, gordo e parrudo, de uns quarenta anos, com uma revistinha em quadrinhos. 38 INT. SUNSHINE GIRLS/ SALÃO - DIA Assim que entra no salão da Sunshine Girls, Mandrake encontra Célio com um microfone nas mãos, vestido com uma calça jeans justa e uma camiseta. Ele comenta o show que é feito por LINDA, 22 anos, corpo bonito, aparência fatal, em cima do palco. Alguns clientes estão sentados espalhados pelos sofás com algumas das meninas. Música ambiente. CÉLIO Dá só uma olhada no jeitinho que ela fica de costas. Imagina você pilotando essa máquina. Mandrake observa a performance de Linda. CÉLIO Essa menina é uma iguaria, olha o peitinho dela, isso...esse é o famoso peitinho tamanho boca. PV Mandrake - Vemos os peitinhos de Linda. Mandrake senta-se numa mesa. UMA garçonete, 35 anos, adiposa, vestida pateticamente num maiô, aproxima-se de Mandrake com uma bandeja na mão. GARÇONETE Deseja alguma bebida? MANDRAKE Queria falar com a Gisele. Diz que é o Paulo Mendes, amigo do Orlandino. Mas enquanto isso me traz um Periquita. GARÇONETE (rindo) Trabalho só com a bebida moço. MANDRAKE
Não criatura, Periquita é vinho tinto, você não tem? GARÇONETE Ih, vinho tinto só tem o Marcus James. Vai querer uma taça ou uma garrafa? MANDRAKE Não precisa. Me traz uma cerveja e chama a Gisele. GARÇONETE Ah, claro, já vou chamar. A garçonete sai. O show continua. Vemos através do PV de Mandrake. O desempenho final de Linda, que desce do palco girando as pernas na frente do corpo, como um cata-vento, e exibindo a genitália desnuda. CÉLIO É isso aí então, vamos aplaudir a Linda. Palmas que ela merece. Todos batem palmas, inclusive andrake. A garçonete chega com um balde de cerveja. Mandrake bebe uma long neck no gargalo. CÉLIO Isso tudo aí que vocês viram é a Linda. Imagina essa mulher na sua frente falando "vem, me fode", pode ser incrível não? Linda sai do palco, cruza com UMA NOVA DANÇARINA que sobe no palco. Linda passa pela mesa de Mandrake. Neste momento chega a garçonete de volta. Ela cochicha alguma coisa no ouvido de Mandrake. Mandrake sai. 39 INT. SUNSHINE GIRLS/SALA - DIA Mandrake está numa sala onde estão MICHELE, 18 anos, carioca, corpo perfeito, loira, queimada de sol, que lê o livro "A filosofia segundo o ursinho Puf", KAREN, 20 anos, usa óculos, bonita, olhos depravados, YOLANDA, 22 anos, baiana, morena e LORENA 18 anos, morena, índia. Mandrake e as meninas ficam em silêncio durante algum tempo. Mandrake observa as meninas. GISELE (O.S.) Paulo Mendes? Mandrake vira-se e encontra Gisele. MANDRAKE Gisele? GISELE Primeira vez aqui na casa?
MANDRAKE (olhando à sua volta) Primeira de muitas. Mandrake e ela sentam-se em duas poltronas e ficam de frente para as meninas no sofá. GISELE Um amigo do Orlandino é um amigo da casa. Gosto muito desse homem, generoso, fiel...vocês devem ser muito amigos, o Orlandino só indica esse lugar para pessoas muito especiais... Ela encara Mandrake com certa volúpia. Mandrake retribui com um sorriso. GISELE (para uma das meninas) Yolanda, fica de pé. Yolanda fica de pé e aproxima-se de Mandrake, que a olha por alguns segundos. YOLANDA (sedutora, com sotaque forte, nordestino) Tudo bem? MANDRAKE Você é baiana? YOLANDA De Feira de Santana, como foi que você descobriu? MANDRAKE Música. GISELE Ela é exatamente o que você quer. Mandrake olha por mais algum tempo para Yolanda. Depois se aproxima de Gisele e fala ao seu ouvido. MANDRAKE (para Yolanda) Com licença. (sussurrando ao ouvido de Gisele) Eu não gosto de baiana, o sotaque, você sabe...e a Pamela? GISELE A Pamela infelizmente não está disponível hoje...mas olha o material, separei o que temos de melhor... MANDRAKE (sussurrando) Meu amigo me disse que a Pamela é realmente especial. Ela vai demorar?
GISELE (seca e educada) Não, ela não está disponível. MANDRAKE (espirituoso) O.K. o que eu posso fazer né? Vou com a baiana mesmo. Mandrake dá uma pausa, olha as meninas, comparando-as. Por último fixa seu olhar em Michele. MANDRAKE (para Yolanda) Pode sentar meu anjo. (para Michele) Acho que eu vou apostar na que gosta de literatura. Vamos. GISELE Mas ela não é exatamente inexperiente. MANDRAKE (abraçando Michele, mostrando o livro na mão de Michele) Com esse jeitinho de garota de colégio? Mandrake puxa Michele para um dos quartos. 40 INT. SUNSHINE GIRLS/ QUARTO - DIA O quarto é pequeno. Cortina, tapete, colcha, abajur e toalha. Mandrake deita na cama enquanto Michele começa a se despir. MANDRAKE Aqui só tem vocês? MICHELE Ficou com tesão em alguma outra...Gosta de variar, né? MANDRAKE Gosto. MICHELE Todo homem é igual. MANDRAKE É verdade. Você é uma mulher inteligente. MICHELE Sou. Mas não entendo o que um homem bonito como você vem fazer aqui. MANDRAKE
Aqui só vem homem feio? MICHELE Não, mas quando um cara bacana como você vem aqui é porque quer alguma coisa diferente. MANDRAKE Então, talvez eu queira alguma coisa diferente... MICHELE Aí vai depender da sua dotação... MANDRAKE Física ou financeira? MICHELE (beijando Mandrake na boca e pegando no pênis de Mandrake por cima da calça) Os dois...Gostei de você, tesudo. A gente pode se encontrar no meu apartamento. MANDRAKE Mas você não trabalha aqui todo dia? MICHELE Claro que não, a carga horária não pode ser grande se não já viu, né? Patrão quer todo mundo como se fosse zero bala. MANDRAKE Mas são todas exclusivas do local? MICHELE Nem todas. Eu sou. Se o Miro souber que eu estou costurando pra fora... MANDRAKE E aquelas três que ficaram na sala? MICHELE O que que tem? MANDRAKE Elas são exclusivas? MICHELE Não, só uma delas, a baiana. MANDRAKE (bem humorado) Quantas vocês são afinal?
MICHELE Oitenta. MANDRAKE (intrigado) Oitenta? MICHELE É mulher pra caralho, né? MANDRAKE É. E uma tal de Pamela, você conhece? MICHELE Tá a fim de mandar a princesinha, né? Essa daí, esquece. Tá fora do circuito. MANDRAKE Fora do circuito por quê? MICHELE Não sei. Ela é a comida do patrão, sei lá, vai ver o homem quer casar com ela, se apaixonou, vai saber... A Gisele faz um mistério em cima dessa menina. MANDRAKE Como ela é? MICHELE Ela é linda. MANDRAKE Linda. Só isso? MICHELE Tem um corpo maneiro, mas o forte é o rosto. Piranha é assim, ou é gostosa ou é bonita. Se fosse gostosa e bonita, não seria piranha. A Pamela, logo no dia em que chegou, o Miro deu a trava, só deixa ela trabalhar quando ele está viajando. MANDRAKE O Miro conheceu ela aqui, na Sunshine? MICHELE Ih...que é isso cara, que interrogatório é esse, você é cana? MANDRAKE (sedutor) Você acha que eu tenho cara de cana? MICHELE Não, não tem. (abraçando e beijando Mandrake) Mas porque que você quer comer
a Jessy se você está aqui comigo? MANDRAKE Jessy? MICHELE É o nome verdadeiro da Pamela, Jessica. MANDRAKE E o seu verdadeiro? MICHELE Eloína, você gosta? MANDRAKE Gosto. Pausa. Mandrake e MICHELE/Eloína ficam algum tempo se olhando. Michele se aproxima de Mandrake e começa a lhe acariciar o peito. MICHELE Eu não gosto. Você não vai tirar a roupa? Mandrake abraça Michele, a esta altura já sem roupas. 41 EXT. CENTRO DO RIO - DIA Mandrake caminha pelas imediações da Sunshine girls. MANDRAKE (V.O.) Fiquei naquele quarto meia hora, tempo de otário, para não deixar ninguém desconfiado. 42 INT. BAR VILA REAL - DIA Mandrake está com Wexler no Vila Real. Na mesa estão seus amigos, MARCELO, 40 anos, ZÉ CARLOS, 35 anos, cabelo encaracolado, magro e astuto, FLÁVIA, 40 anos, bonita, homossexual, veste-se e porta-se como homem, e JÚNIOR, 28 anos, o caçula arrumadinho e soturno. ZÉ CARLOS Olha, já peguei muitos casos estranhos no meu escritório, mas tirar uma piranha de um puteiro... MANDRAKE (para todos na mesa) Eu entendo o cara. Já vi isso antes. Todo mundo acaba um dia se apaixonando por uma prostituta. Quem é que nunca se apaixonou por uma?
Câmera passeia pelos advogados assumindo o PV de Mandrake. WEXLER Eu nunca. MARCELO Nem eu. ZÉ CARLOS Quase... JÚNIOR Nunca. FLÁVIA Eu, pensa bem. Câmera termina em Mandrake. Todos olham para Mandrake. MANDRAKE Pires, um chope. Alguns riem. Mandrake tem o rosto levemente contrito, aparentando desconforto. Pires chega com o chope de Mandrake e alguns acepipes. Flávia tira dois charutos do paletó, cantarola uma música clássica, e segura os robustos como baquetas de um maestro, em frente ao rosto de Mandrake, seduzindo-o. MANDRAKE (carinhoso) Ô meu amor, eu estou com o estômago vazio. E também com essa dor terrível nas costas... dá pra levar pra viagem? Marcelo intromete-se no papo. MARCELO (pegando o charuto da mão de Flávia) Um robusto combusto pede a combustão de outro robusto. *(brincando com Flávia, acendendo seu charuto) Flavinha, meu amor, sabe porque os advogados são tão bons de cama, hein?, Hum? FLÁVIA You tell me. MARCELO Porque eles têm prática em foder com as pessoas. Flávia ri. Marcelo acende seu charuto e o de Flávia, os dois confraternizam.
43 EXT. PARQUE DA CIDADE/ ESTACIONAMENTO - ENTARDECER Mandrake salta do carro. 44 EXT. PARQUE DA CIDADE/ GRAMADO - ENTARDECER No centro do gramado, uma turma de MULHERES e HOMENS está numa aula de Yoga, repetindo os movimentos feitos pelo MESTRE. Algumas PESSOAS assistem à distância. Mandrake se aproxima e se junta aos que assistem à aula. PV MANDRAKE: MULHER, 30 anos, executa um movimento sensual no Yoga. MANDRAKE (V.O.) Sempre vivi cercado de mulheres. PV MANDRAKE: outras duas MULHERES em outro movimento. MANDRAKE (V.O.) Eu não desprezo a questão ética, mas ter várias mulheres não deixa minha consciência pesada. PV MANDRAKE: outra MULHER fazendo movimento contorcionista. MANDRAKE (V.O.) É fácil racionalizar, defender que o ser humano deve ter a liberdade de amar mais de uma pessoa. PV MANDRAKE: vemos BERTA BRONSTEIN, 35 anos, bela e sofisticada, concentrada na aula. Fica observando Berta. MANDRAKE (V.O.) (mudando o tom) Berta. Berta Bronstein. Ela era linda como um cavalo. Era a única mulher que me fazia sentir, ainda que por um instante, vontade de ter uma companhia feminina permanente. Os dois trocam um olhar. CORTA PARA: Os alunos recolhem suas bolsas e se preparam para ir embora. Berta vai até Mandrake, os dois se olham carinhosamente. 45 EXT. CLUBE MARIMBÁS/ RESTAURANTE - NOITE Mandrake e Berta jantam juntos no restaurante. Vista para o mar. Tomam vinho. Berta, linda e contida, ri de algo que Mandrake disse. Ficam em silêncio por alguns instantes, olhando-se.
BERTA E você, como anda o mercado para um advogado especializado em casos de extorsão? MANDRAKE Aquecido. É o crime mais antigo do mundo. BERTA Não é mais antigo que assassinato, roubo, prostituição... MANDRAKE Bem mais. Há indícios de que Adão foi aprimeira vítima de chantagem, ainda nos Jardins do Éden. Pagou com uma das costelas. BERTA Um caso de jurisprudência bíblica. E depois ainda foi expulso. MANDRAKE Você está linda. Berta fica olhando para fora, distante, sem olhar para Mandrake. BERTA Esse restaurante tem uma vista maravilhosa. MANDRAKE Tem mesmo. Passa o fim de semana comigo. Ela hesita antes de responder. Uma nuvem negra passa por sua cabeça. BERTA Não posso, tenho que trabalhar, ainda não organizei a minha vida... as aulas no Instituto começam na segunda. Mandrake se encosta na cadeira. Berta observa Mandrake enquanto ele olha desesperançoso para o mar. BERTA Você está muito mal acostumado. Cansei Mandrake. Não estou a fim de pesar o ambiente, mas não sei se esse é o tipo de vida que eu quero levar. 46 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ SALA - NOITE Mandrake e Berta, num plano médio à pouca luz, trepam escorados na parede. BERTA
(ofegante) Você ficou com saudades de mim? MANDRAKE (ofegante) Fiquei. BERTA (ofegante) Ficou com saudades do meu corpo? MANDRAKE (ofegante) Sempre. BERTA (ofegante) Você gosta dele, acha ele bonito? MANDRAKE (ofegante) Acho, muito. BERTA (ofegante) Por quê? MANDRAKE (ofegante) Porque você tem os olhos grandes e as costelas aparecendo. (beijando Berta no pescoço) Eu te amo tanto, não posso ficar tanto tempo sem te ver... BERTA Tudo mentira, você devia ser ator sabia...porque que você não faz um curso de interpretação? MANDRAKE (ofegante) Com a vida de cachorro que estou levando... BERTA (ofegante) Você trabalha demais... MANDRAKE (ofegante) O que eu posso fazer? BERTA (ofegante) Você devia tirar umas férias, a gente podia viajar... me come porra, isso, vai, humm, gostoso, me fode vai... CORTA PARA: SUPERCLOSE de um rei preto sob um ataque das peças brancas. Mandrake serve-se de vinho e olha o tabuleiro. Berta dorme no sofá. Mandrake faz um movimento de roque, trocando a posição do rei com a da torre, protegendo-o no canto do tabuleiro.
CORTA PARA: Mandrake anda pela sala, ansioso. Olha pela janela. Volta e serve-se de mais vinho. Pega o celular no bolso do paletó e começa a fazer uma ligação. BERTA (ajeitando-se no sofá) Cara, você não para quieto. Sossega leão. MANDRAKE (com o celular ao ouvido) Desculpa, meu amorzinho, eu tenho que falar com o Raul. 47 INT. PRÉDIO/ HALL DE SERVIÇO - NOITE Raul e DOIS POLICIAIS À PAISANA, estão naquela posição clássica de invadir um apartamento. Dois policiais, ladeando a porta, seguram armas, Raul em frente tem uma pistola automática que segura na mão direita, enquanto conta de um até três com a mão esquerda. Raul está então no número dois da contagem quando seu celular começa a tocar. Susto geral. Raul atende o telefone. RAUL (sussurrando) Oi, agora eu não posso falar, estou no meio de uma operação... Ouvimos ruídos vindo de dentro da casa. Neste momento os policiais saem de perto da porta e alertam Raul sobre o perigo iminente. 48 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ COZINHA - NOITE Mandrake, de cueca samba-canção, fala ao telefone enquanto abre uma garrafa de vinho do Porto. MANDRAKE Eu só queria umas informações sobre uma casa noturna no centro do Rio... 49 INT. HALL DE SERVIÇO DE UM PRÉDIO - NOITE A porta do apartamento é aberta e se inicia um tiroteio curto e canhestro entre os policiais e a turma da casa. Raul larga o telefone e começa e atirar. DETALHE do celular caindo aberto no chão. 50 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ COZINHA - NOITE Mandrake está com o telefone nas mãos e ainda chega a ouvir o início do tiroteio pelo fone do aparelho. MANDRAKE (certa aflição) Raul!, Raul! Caralho, e agora? (escuta) Raul!
Mandrake continua ouvindo os ruídos do tiroteio saindo do telefone. 51 INT. PRÉDIO/HALL DE SERVIÇO - NOITE CLOSE do celular de Raul jogado no chão com o tiroteio fora de quadro. Cartuchos de balas caem, vazios, ao lado. Podemos ouvir mal a voz de Mandrake saindo do celular, chamando Raul. De repente um tiro explode no celular. 52 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ SALA - NOITE Mandrake ouve um forte ruído e afasta o telefone do ouvido, preocupado. Desliga o aparelho. Não sabe o que fazer. Pega duas latas de sardinha e começa a abrir uma. O telefone toca e ele atende. 53 INT. APARTAMENTO DO DETIDO - NOITE Raul e os policiais têm a situação sob controle. Vemos DOIS GAROTÕES algemados e um grande carregamento de contrabando. RAUL (ao celular) Porra você ligou na hora do pênalti, cara. 54 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ SALA - NOITE Mandrake, com o telefone sem fio colado ao ouvido, chega com a garrafa de Porto e o prato com as sardinhas. Berta está deitada no sofá de calcinha e camiseta, folheando um livro. Na mesinha ao lado do sofa um queijo da Serra. MANDRAKE Raul, eu preciso da sua ajuda num caso. Milionário apaixonado por uma escortgirl... Reação bem-humorada de Berta. 55 INT. APARTAMENTO DO DETIDO - NOITE RAUL (enquanto examina um dos produtos apreendidos) Gostei do início...entendi...eu passo na tua casa. Raul desliga o telefone e vira-se para os Garotões. RAUL E aí? 56 EXT. RIO DE JANEIRO - NOITE Imagens de Copacabana à noite.
57 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ SALA - NOITE CLOSE do prato de sardinhas. Mandrake e Raul conversam, bebem vinho e comem à mesa de jantar. Berta dorme no sofá, com uma manta cobrindo o corpo. Os dois falam não muito alto. RAUL Foi expulso da polícia. Hoje em dia é dono de mais da metade dos puteiros da cidade. Anda armado, é metido com contrabando de arma, piranhagem, máquina de pôquer, a porra toda, não te mete com esse cara não, deixa ele quieto... MANDRAKE (pegando uma sardinha do prato) Agora não dá mais, já peguei o caso. Berta abre um olho de preocupação em relação ao que ouve. RAUL Você sabe o que esse cara fez uma vez? Lembra daquela cabeça cortada que acharam na pedra do Arpoador? Reação de Berta. RAUL Um dia o Miro descobriu que a mulher dele tinha um caso com um surfista local. Descobriu quem era e mandou cortar a cabeça do cara. MANDRAKE (surpreso) E mandou colocar na pedra do Arpoador? RAUL É claro, aonde o cara pegava onda. BERTA Como assim? E vocês falam isso com a maior banalidade do mundo? RAUL (cordial) Berta... BERTA Oi, Raul, desculpa. (para Mandrake) Você vai pegar esse caso? MANDRAKE Ué? Berta, eu vivo disso. É o meu trabalho. BERTA (levantando-se indo para a cozinha) Encarar um decapitador. Achei que você era advogado.
RAUL (pega uma sardinha) Quem é o seu cliente? MANDRAKE Luis Antônio Machado, conhecido como Baby Machado. O cara se apaixonou por uma das meninas da Sunshine. Quer tirar a menina de lá de qualquer maneira... RAUL Ué, porque não tira? O cara é rico, ela é uma puta, gosta de dinheiro, casamento perfeito... MANDRAKE Aí é que tá o problema, a menina parece que é a namoradinha do Miro, deve dinheiro pra ele, e o meu cliente, obviamente, está com medo do Miro. RAUL Ih...caralho...Mandrake, cai fora, explica a estória pro teu cliente, diz que não dá pra negociar com o Miro. MANDRAKE Mas é isso que ele quer que eu faça. E eu achei que nós podíamos resolver bem esse caso. RAUL Nós? MANDRAKE (cínico e amigável) É, você não vai deixar seu amigo topar com o Miro de frente. Além do mais achei que você andava meio duro, enfim, se não quiser, não tem problema... RAUL (irônico, embarcando no cinismo) Não, não...tudo bem, não vou deixar você sozinho com o Miro. Nesse momento Berta entra na sala trazendo uma outra garrafa de vinho tinto e ouve o que Raul acaba de dizer. BERTA (Beijo carinhoso na cabeça de Raul) Obrigado Raul. Porque se deixar com esse cara aí, ele só entra em furada. Parece que tem atração pra isso. MANDRAKE (carinhoso e cínico) Te amo Bertinha. BERTA (para Raul) Cadê sua taça?
RAUL (apontando a mesa) Acho que eu deixei ali na mesa. Berta se afasta para pegar a taça de Raul, quando este inclina-se para Mandrake num tom confidente. RAUL ...você ainda sabe atirar? MANDRAKE Prefiro não usar, mas ainda sei segurar uma arma. (rindo com olhar cúmplice para Raul) Se quiser pode deixar uma na minha mão. RAUL (feliz) Ah, garoto! 58 EXT. RUA DO CENTRO - DIA Mandrake anda por uma rua do centro em direção ao seu escritório. 59 INT. ESCRITÓRIO/ RECEPÇÃO - DIA Mandrake chega ao seu escritório e vê Dona Marisa conversando com UM HOMEM, de 35 anos, rosto padrão, vestido de paletó. Ele entra na sala. 60 INT. ESCRITÓRIO/ SALA - DIA Mandrake chega na sala e encontra Wexler em frente ao computador. MANDRAKE Wexler, quem é esse cara que está aí fora com a Dona Marisa? WEXLER (levemente irônico, sem tirar os olhos do computador) É um candidato a nosso secretário. MANDRAKE Como assim? (pausa, sem entender) Não Wexler, secretário homem não rola. Tem que ser uma secretária. Ouvimos uma batida antes de vermos Dona Marisa entrando. MARISA Doutor Luis Antonio chegou. Mando ele entrar? WEXLER
(cansado e impaciente) Luis Antonio? MANDRAKE (bem humorado) O Baby. 61 INT. ESCRITÓRIO/ SALA DE REUNIÕES - DIA Mandrake, Wexler e Baby estão em volta da mesa. BABY E aí, alguma novidade? MANDRAKE (apertando uma bola terapêutica) Tem uma Jessica, acho que é ela. BABY A Pamela? MANDRAKE Pamela, Jessica, Amanda...enfim, a moça por quem você está...apaixonado. Jessica e Pamela são a mesma pessoa. BABY Mas, você viu a Pamela? MANDRAKE A Jéssica? BABY É, a Jessica. Você está me irritando. Viu ou não viu a Pamela, eu digo, a Jessica? MANDRAKE Mais ou menos. BABY Como mais ou menos? MANDRAKE (evasivo, irônico) Assim, mais ou menos, quer dizer ela não estava lá, mas obtive algumas informações importantes com uma outra atendente do local. Parece que agora ela está fora do circuito mesmo. Pelo menos foi o que disse a garota que eu comi. BABY Comeu? Como assim? MANDRAKE
Não foi a tua Jessica, quer dizer, Pamela, não se preocupa. Foi a Michele, que é Eloína. BABY O que você vai fazer? MANDRAKE Não sei. BABY Você gosta de me torturar. MANDRAKE (sem ênfase) Ahh, vai se foder. BABY Que isso?! Reação de Wexler. MANDRAKE (tom sério e irônico) Eu digo, vá ter relações sexuais consigo mesmo. BABY Eu quero essa garota. MANDRAKE Você vai ter a garota, cara. Calma. BABY Calma, você só sabe dizer calma. MANDRAKE Calma. BABY (desabafando) Você alguma vez amou na vida? Mandrake começa a rir. BABY Você é uma pedra, um gelo. Vai morrer sem amar, que nem o Superhomem. MANDRAKE (sério, olhando nos olhos de Baby) Eu amo sete mulheres. Sete. Conta de mentiroso. Amo sete mulheres. Uma delas é negra e outra é japonesa.
BABY Não acredito. MANDRAKE Não acredita em quem? Na crioula ou na japonesa? Reação de Wexler escutando a conversa. BABY Não acredito que você consiga amar alguém. MANDRAKE Amo mesmo. Amo qualquer mulher que vá pra cama comigo. Enquanto dura o amor, amo feito um louco. Silêncio na sala. WEXLER Isso é verdade. Mandrake olha para Baby sem pena. Depois para Wexler que acena sugerindo compaixão por Baby, que retira um grande envelope de uma pasta e coloca na mesa. MANDRAKE O que é isso? BABY Os trinta mil dólares. MANDRAKE Eu vou apanhar a garota. Fica tranquilo. Vá para o seu jantar, eu vou tomar conta de tudo. Baby sai. WEXLER (irônico) E aí, agora você tem algum plano? MANDRAKE (fazendo uma ligação) Tenho. 62 EXT. SUNSHINE GIRLS/ RUA - NOITE Mandrake chega na porta da Sunshine girls e entra. 63 INT. SUNSHINE GIRLS/ SALÃO - NOITE
Mandrake anda pelo salão escuro. Poucas pessoas e UMA MENINA NO QUEIJO. Chega no balcão. Também no balcão VITOR, 40 anos, muito forte, careca, queimado de sol. Yolanda aparece. YOLANDA E aí, gostoso, se amarrou na casa, né? MANDRAKE Gostei. (para o garçon) Uma cerveja. (para Yolanda) Quer beber alguma coisa? YOLANDA (para o garçon, de bate-pronto) Um Manhattan. MANDRAKE Você viu a Pamela por aí? Mandrake nota que Vítor o observa de forma interessada. YOLANDA Acho que ele gostou de você. A Pamela agora só no palco, né. Só na punhetinha. MANDRAKE Nem se eu pagasse o que ela quisesse? Nesse momento entram na Sunshine, Miro, Pamela e Pilão, na frente, abrindo caminho, como se fizesse isso sempre que Miro chega na casa. Eles passam por onde estão Mandrake, Yolanda e Vítor. Mandrake e Miro trocam olhares. PV Mandrake - Pamela em close, linda. YOLANDA (O.S.) Aí ela. Agora virou a primeira dama da Sunshine. E ainda fica gastando a maior onda. Agora só com o patrão. Puta gosta de dinheiro, né, por isso que o patrão não deixa ela ver ninguém. MANDRAKE Tá certo. (cínico e sedutor) E você Yolanda? YOLANDA (apontando) Agora não posso, estou com um cliente na frente. Vemos um CARA GORDO, 45 anos, branco, flácido e suado, tomando uísque e olhando um show de striptease. YOLANDA
Olha que azar. Um homem bonito como você. (apontando o gordo)O consolo é que ele paga mais. MANDRAKE Será? Hoje foi meu dia de pagamento. YOLANDA Advogados têm dia de pagamento? MANDRAKE Como é que você sabe que eu sou advogado? YOLANDA (aproximando seu rosto de Mandrake, quase beijando-o) Porque aqui só vêm advogados. Eu só não sei se você está a serviço ou a prazer. MANDRAKE Depois eu te falo. Vai lá que o meu colega está te esperando. O gordo levanta um copo e faz um brinde à distância ao advogado. MANDRAKE (levantando o copo para o gordo, rindo dissimuladamente) Otário. 64 EXT. SUNSHINE GIRLS/ PORTA - NOITE Mandrake está saindo da Sunshine quando Vítor, o cara que estava no balcão da boate, o aborda. VÍTOR (forçosamente polido) Posso ter um minuto da sua atenção? MANDRAKE Desculpa, mas não vai dar meu amigo... Estou em outra. Prefiro as damas. VÍTOR (confessional para Mandrake mudando de tom, mostrando mochila) Então se gosta de dama, tá falando com a pessoa certa. Posso te mostrar só piranha classe A. Onde é que está teu carro? Mandrake encara Vítor, pensativo. MANDRAKE Tem a Pamela? 65 INT. CARRO DE MANDRAKE/ GARAGEM DO CENTRO - NOITE
Mandrake está com seu carro estacionado numa garagem do centro. Olha em volta com certa inquietação. Troca de CD no aparelho do carro. Depois de algum tempo VITOR, 40 anos, muito forte, careca, queimado de sol, carregando uma pequena maleta, bate no vidro do carro. Mandrake abre a porta do carro, Vítor entra. VÍTOR (abrindo a maleta e tirando um laptop) Vou te mostrar cada coisa aqui que tu não vai acreditar, só vou te mostrar coisa alto nível...Aqui ó... (abrindo janelas de programas de fotos) ...tu vai ver isso aqui meu Irmão... Começamos a ver algumas fotos de algumas mulheres, todas com o rosto visível. VÍTOR (mostrando uma das mulheres) Olha só o rabo dessa aqui brother, encarar uma mulher dessas não é qualquer um não cara, e ainda é gata, olha só o rostinho dela, é por isso que é caro né meu irmão, tu come um avião desse e quer pagar quanto? MANDRAKE Qual é o cachê dessa daqui por exemplo? VÍTOR Depende. Três horas, mil. Se for pra passar a noite, dois mil. É melhor passar a noite. Agora, é só princesinha de academia né meu irmão. (passando por outras fotos) Olha essa daqui, olha o tamanho dela, essa tem que encher a pica Viagra, se não vai ficar devendo...cada cachorra nesse book, impressionante... (mostrando uma das mulheres) ...ó essa potranca aqui...peguei na semana passada, nossa senhora...Eu não sou que nem Barman não brother, aqui a gente trabalha com as putas e come as putas, só não pode apaixonar... Vítor fica pensativo e chateado enquanto abre um arquivo no laptop onde aparece uma foto de uma mulher, morena, cabelos compridos, cara de menina e olhos depravados. VÍTOR (emocionado) Fiquei apaixonado por ela, Vanessa. Essa mulher me deu um nó, meu irmão. Esse é o problema, essas piranhas sabem fingir, tu tem que saber que o que elas querem é dinheiro. Mandrake e Vítor ficam em silêncio olhando para a foto da mulher durante alguns instantes. MANDRAKE E a Pamela? Um amigo meu saiu com ela. Disse que é a melhor.
VÍTOR Tá a fim da Pamela mesmo, né? (abrindo um novo arquivo no laptop) Deixa eu ver, acho que tenho ela aqui num arquivo... (procurando no laptop) Olha ela aqui. (abre o arquivo com fotos de Pamela, linda, vestida com rendas, seios de fora) ...é gostosa também, faz o estilo falsa magra, cara de princesinha, mas nego diz que é lenhadora, boquete sem camisinha, anal e o caralho.. . Mandrake olha com cuidado a foto na tela do laptop. MANDRAKE (V.O.) Aquela menina era realmente um espetáculo. Entendi porque o Baby tinha ficado louco por ela. Eu também fiquei com ela na cabeça. VÍTOR Quer um conselho? Deixa quieto. Essa mulher vai te dar dor de cabeça. Mandrake observa as fotos de Pamela. Vítor fecha o laptop e sai do carro antes que Mandrake dê a partida no carro. Ele volta. VÍTOR (desconfiado) Peraí, você não é o maluco que ficou apaixonado pela Pamela? MANDRAKE Não, sou o advogado dele. VÍTOR Porra, não vai me arrumar confusão com o Miro. O cara travou a mulher. MANDRAKE Fica tranquilo, eu nem sei o teu nome. Vitor bate a porta e deixa Mandrake pensativo. Depois de um tempo ele faz uma ligação do celular. 66 INT/EXT. CARRO MANDRAKE/ ATERRO DO FLAMENGO - NOITE Mandrake dirige o carro no aterro. Seu celular toca. 67 EXT. AVENIDA RIO BRANCO - NOITE Raul e Mandrake estão andando na Cinelândia. MANDRAKE (V.O.) Conheci o Raul no jardim da infância e dividíamos os mesmos brinquedos. Depois, na adolescência, namoramos as mesmas meninas...ficamos acostumados a isso, dividir as coisas entre nós...até que um dia aconteceu o inevitável, eu comi a Lígia.
68 INT. BAR VILA REAL - NOITE Raul e Mandrake já estão no meio do jantar e da conversa. Duas garrafas de vinho tinto na mesa, vazias. RAUL (meio bêbado) Aquilo foi uma facada. Até hoje sinto a cicatriz nas minhas costas. A Lígia foi o amor da minha vida...filho da puta. MANDRAKE Vocês já tinham terminado, Raul. RAUL Isso era o que ela te dizia. Vadia, mentirosa. MANDRAKE Foi uma traição com dignidade, respeitabilidade e amor, você sabe disso...mas não vamos desviar o assunto. RAUL (bêbado e carinhoso) Qual assunto? Você apaixonado por uma puta? Vou te enfiar uma porrada. Mandrake ergue a taça com vinho para Raul. MANDRAKE (cínico, sedutor) Eu não disse isso Raul.Tim tim. Amigos. Raul olha Mandrake por um tempo, depois sorri, bêbado, para o amigo e levanta sua taça também. RAUL (sem ênfase) Filho da puta. Não perde o amigo e também não perde a mulher do amigo, você é um gênio. MANDRAKE Não fala assim Raul, você é o meu melhor amigo. RAUL Você não tem amigo, tem amiga. MANDRAKE Isso é verdade. Eles bebem mais vinho e Mandrake acende um charuto. Raul come uma torta.
MANDRAKE Vai me ajudar ou não vai? RAUL (engraçado, bêbado) Será que o Baby já pensou que ele quer casar com uma mulher que todo mundo já comeu... esse cara não vai conseguir sair na rua, tá fodido. Os dois ficam se olhando algum tempo e começam a rir. RAUL Olha, sai desse caso. O Miro não é boa gente... 69 INT. SUNSHINE GIRLS - NOITE Miro está numa máquina de video-game de última geração com uma loiraça estonteante ao lado. Enquanto joga, bebe uísque e olha o seu salão. PV Miro - Vemos a casa em funcionamento. Garçonetes carregando garrafas de Black Label e meninas dançando nos queijos. MANDRAKE (V.O.) O Raul tinha mais informações sobre o Miro. Ganhou dinheiro e com um olho nos empresários ricos do centro que ficam se esbarrando de robe nas termas da vida, criou a Sunshine Girls, um lugar discreto, sem sauna, sem robe, só bebidas importadas e garotas selecionadas. 70 INT. SUNSHINE GIRLS/ QUARTO - NOITE Música. Miro está num dos quartos da Sunshine Girls. Vemos, de forma elíptica, Miro observando candidatas a escortgirl. Uma faz um striptease, outra em diversas posições na cama e a terceira trepa com ele. MANDRAKE (V.O.) Ele gosta tanto do que faz, que é ele quem seleciona as garotas pessoalmente. 71 EXT. SUNSHINE GIRLS/RUA - NOITE MANDRAKE (V.O.) Algumas ele namora. Vemos Miro saindo da Sunshine abraçado a Pamela. 72 EXT. SUNSHINE GIRLS/ SALÃO - NOITE
Música ambiente. Uns dez clientes e quinze escorts. Mandrake e Raul estão sentados numa das mesas, observando as mulheres, procurando por Pamela. De repente as luzes se apagam e a música pára. Vemos então um pequeno tablado improvisado de palco e luzes iluminando uma cortina que se abre. Entra uma música cafona, romântica. Inicia-se um cover de uma modelo, seminua, entre pedaços de sedas e plumas. Mandrake percebe que é Pamela, com um hematoma no rosto. MANDRAKE (a Raul, baixo) É ela! Os dois assistem ao show. Miro, numa mesa perto do palco, toma uísque ao lado de ORLANDINO, 40 anos, cearense, alto e moreno, vestido de forma vulgar, com colares e pulseiras. O show termina, Pamela sai por trás do palco. Mandrake se levanta e vaiatrás da prostituta por uma porta lateral. 73 INT. SUNSHINE GIRLS/ VESTIÁRIO - NOITE Mandrake entra no camarim improvisado, um local apertado com um pequeno espelho e alguns escaninhos. Encontra Pamela tirando a maquiagem na frente do espelho. PAMELA Quem é você? MANDRAKE Eu sou amigo do Baby. Vim te levar embora. PAMELA (rindo de forma cansada) Que me levar embora. Se toca. MANDRAKE Eu sou advogado do Baby. Ele pediu pra eu te levar. PAMELA Você está maluco, o Miro está aí. MANDRAKE Eu trouxe o dinheiro. PAMELA (levemente aflita) Me dá então, que eu dou pra ele. Gisele entra no camarim. GISELE
(falsamente educada, sem olhar para Pamela) Dr. Paulo, que prazer, o senhor aqui? Mandrake tenta dizer algo mas Gisele continua. GISELE Sabe quem está na casa hoje e quer muito falar com o senhor? MANDRAKE (dissimulado) Não, quem? Pilão e Célio aparecem na porta, atrás de Gisele. GISELE O Orlandino. Ele está no privê e lhe chamou para tomar um drink. Vamos? 74 INT. SUNSHINE GIRLS/ BANHEIRO - NOITE Raul está no banheiro da Sunshine, urinando. 75 INT. SUNSHINE GIRLS/ SALÃO - NOITE A presença ostensiva de Pilão e Célio fazem Mandrake e Pamela seguirem Gisele para a sala privê. Procura por Raul e não acha. Câmera corrige e mostra Raul saindo do banheiro, sem porém, dar tempo de ver Mandrake e Pamela saindo pela porta dos fundos. 76 INT. SUNSHINE GIRLS/ PRIVE - NOITE Mandrake, Gisele, Pamela, Miro, Célio, Pilão e Orlandino estão no meio do sala. Orlandino está segurando um copo de uísque, já bêbado. Miro vira-se para Pamela e desfere um forte tapa em seu rosto, derrubando-a no chão. ORLANDINO (para Mandrake, babando) Te conheço de onde, meu irmão? Vem aqui na minha boate, diz que é meu amigo... MANDRAKE (abraçando Orlandino) Orlandino, que é isso cara, tá me estranhando? Devia estar de porre...porra passei um dia inteiro com você em Parintins naquele barco... Reação de Pamela ao improviso de Mandrake. Orlandino se afasta do abraço de Mandrake, desconfiado. MANDRAKE ...tem que parar de beber Orlandino... (Mandrake tira o copo da mão de Orlandino)
...me dá aqui um abraço cara, porra, um tempão que não te vejo... Reação dos demais à performance de Mandrake. Reação de Orlandino e Miro intrigados. Pausa geral, Mandrake dá uma gargalhada, pega o copo de Orlandino em cima da mesa e dá um grande gole. Se aproxima de Orlandino e começa a dar tapas carinhosos em suas costas e continua rindo. Orlandino, bêbado, retribui os tapas carinhosos em Mandrake que vão aumentando de intensidade e Orlandino começa a rir também. Eles olham para os outros presentes que olham para a cena. Miro sorri para Mandrake, e Pamela, com uma mancha roxa na cara, ri da atitude de Mandrake. Pilão começa a rir também junto com Mandrake, Orlandino e Miro. Depois de um tempo Mandrake e Orlandino estão se abraçando. CORTA PARA: Mandrake é socado por Orlandino. Pamela é estapeada por Miro. MANDRAKE (V.O.) Eu acho que o Orlandino não acreditou muito na minha estória. E eu não devia ter acreditado na estória da Pamela. Célio procura os documentos no bolso de Mandrake e acha sua carteira e o dinheiro. Gisele abre o envelope e tira o pacote.Mandrake está sentado, machucado, e Miro e Orlandino conversam com ele. Mandrake, numa postura desafiadora, parece dar explicações. Miro bate no rosto de Pamela com o pacote de notas. MANDRAKE (V.O.) A dívida com o Miro era mentira e ela nunca tinha trabalhado na Europa. Ela queria sugar todo o dinheiro do Baby Machado e se ver livre do Miro. Mas isso ia ser difícil. Se livrar do Miro. Orlandino olha os documentos de Mandrake em sua carteira. Vê as carteiras da OAB, identidade, Clube do Vasco, uma foto da Berta. Orlandino desfere um soco em Mandrake e depois dá um gole de uísque. Depois outro soco e outro gole. Orlandino está cansado e suado, babando. Sente dor na mão que socou Mandrake. Miro assume seu lugar e continua socando Mandrake que está surpreendentemente sereno e confiante. MANDRAKE (V.O.) Aquela turma era tinhosa. O Orlandino não devia gostar de advogados, suas porradas eram mais fortes que as do Miro. É engraçado, mas só quem tomou porrada na cara sabe, depois do quinto, sexto soco, você acostuma. Tanto faz se o cara vai te encher de porrada ou não. De repente uma porta é aberta e Raul surge empunhando uma pistola. Tem todos na mira do revólver. Vai revistar os presentes achando uma arma na cintura de Pilão. Raul olha sem jeito para Mandrake, que se levanta da cadeira. Mandrake dá um gole no uísque, pega as pedras de gelo, enrola num guardanapo de pano e
coloca no rosto. Começa a sair com Pamela e Raul, que aponta a pistola para os outros. Ao passar pela frente de Orlandino, Mandrake dá um soco em seu rosto, fazendo-o cair no chão, depois faz o mesmo em Miro, sem esquecer de pegar o paco de dólares da mão do cafetão. Mandrake olha para todos e sai da sala. MANDRAKE (V.O.) Mas eles não contavam com a presença do Raul. Grande Raul, nunca me deixou na mão. A sua chegada foi oportuna. O Wexler tinha razão, aquele não era um bom caso e aquela turma não era boa, mas para um advogado o crime sempre compensa. Pamela pelo jeito não queria ficar mais na Sunshine Girls, mas aquela talvez não tenha sido a melhor maneira de pedir demissão. 77 EXT. CARRO/RUA - NOITE Mandrake e Pamela no carro de Wexler. PAMELA (marcas roxas no rosto) Esse carro é seu? MANDRAKE Não, é do meu sócio. PAMELA Logo vi. É carro de coroa, né. MANDRAKE É. PAMELA Pra onde você está me levando? MANDRAKE Pra minha casa. O Baby vai passar lá mais tarde. PAMELA (irônica) E aí você vai entregar a mercadoria. MANDRAKE É mais ou menos isso. 78 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ SALA - NOITE Mandrake e Pamela entram no apartamento. Mandrake tranca a porta e guarda as chaves no bolso, enquanto ela se senta num sofá. Mandrake vai até o telefone e liga para o celular de Baby. MANDRAKE
Chegamos. Ele desliga o telefone, sem deixar Baby dizer qualquer coisa. MANDRAKE Senta. A gente tem muito o que conversar. PAMELA Eu quero ir ao banheiro. CORTA PARA: Mandrake em pé em frente ao espelho, examina os ferimentos na sua cara. Pamela está sentada no vaso. PAMELA Dá licença? MANDRAKE (olhando seu rosto machucado no espelho) Desculpe, mas vou ficar aqui. Esse banheiro tem uma tranca por dentro e eu não quero perder você de vista. Eu não vou te olhar, não se preocupe. PAMELA Eu fico com vergonha. MANDRAKE Azar. PAMELA Então não abre o olho. Ela se senta na privada. Ouve-se o barulho dela fazendo xixi. PAMELA Você está olhando. MANDRAKE (de olhos fechados) Não estou. Anda logo. Ela continua fazendo xixi. Câmera em POV de Pamela, observando Mandrake pelo espelho do banheiro. Pamela dá a descarga. CORTA PARA: Mandrake e Pamela estão de volta na sala. MANDRAKE
Qual é o seu nome? Eles se entreolham em silêncio. MANDRAKE Não mente. PAMELA Vandete. O telefone toca, Mandrake atende. MANDRAKE Onde é que você está? 79 INT. LOCAL INDEFINIDO - NOITE Baby numa cabine telefônica. BABY No consulado da Índia. A garota está aí? (escuta) Graças a Deus! Ela está bem? Falou de mim? 80 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ SALA - NOITE MANDRAKE Nós conversamos pouco. Mas foi o bastante. Ela é uma vigarista, está atrás do seu dinheiro. (escuta) Ela vai falar contigo. Mandrake dá o telefone a Pamela, forçando-a a falar. PAMELA É verdade. Desculpa. Eu estou arrependida, você é muito bom comigo, mas é que eu preciso do dinheiro, entende... Pamela devolve o telefone a Mandrake. PAMELA Ele quer falar com você. 81 INT. LOCAL INDEFINIDO - NOITE Baby no Consulado. BABY (falando baixo) Eu amo essa mulher, entendeu, não me interessa o que ela é.
82 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ SALA - NOITE Mandrake ao telefone. MANDRAKE Ela estava te enganando... 83 INT. LOCAL INDEFINIDO - NOITE Baby no Consulado. BABY Não tem a menor importância. Quero que você faça tudo que nós combinamos. 84 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ SALA - NOITE Mandrake ao telefone. MANDRAKE Bom, o dinheiro é seu... Mandrake desliga o telefone. MANDRAKE Ele está vindo pra cá. Pamela e Mandrake ficam se olhando em silêncio. Há uma certa eletricidade entre ambos. PAMELA Não sei, mas acho que pela primeira vez na vida estou sentindo vontade de trabalhar de graça. Reação de Mandrake. FIM Capítulo VIII AMPARO Livremente inspirado no personagem "Mandrake", de Rubem Fonseca Roteiro de José Henrique Fonseca, Tony Bellotto e Felipe Braga 1 EXT.APIÁRIO-DIA
Ouvimos em primeiro plano o zumbido ensurdecedor de um enxame de abelhas. Vemos em CLOSE, sem reconhecer a príncipio do que se trata, a imagem distorcida de alguns favos de mel cercados por abelhas. A mão enluvada de JACKSON, 27 anos, guia turístico e apicultor, coberta de abelhas, pega um dos favos. Agora vemos Jackson por inteiro, sem que lhe reconhaçamos as feições, pois está paramentado como apicultor, protegido das abelhas que o envolvem. Ele vira o rosto encoberto e levanta o braço que segura o favo, acenando na direção de alguém que o observa de longe. Visto dessa maneira, o homem parece um astronauta, coberto por centenas de abelhas agitadas e barulhentas. Ele balança o braço, brandindo o favo como se fosse um troféu. O som das abelhas continua alto e intenso. Por trás da nuvem formada pelas abelhas, percebemos AMPARO, 24 anos, venezuelana deslumbrante, acenar sorrindo. Ouvimos a voz de Mandrake em off. MANDRAKE (V.O.) Dizem que as mulheres não foram feitas para serem compreendidas, mas para serem amadas. 2 INT.APIÁRIO/GALPÃO-DIA Amparo e Jackson - ainda com a vestimenta de apicultor, carregando o favo de mel - entram num galpão desorganizado, porém charmoso, onde pranchas de surfe, pneus velhos, ferramentas e potes de mel convivem em harmonia. Jackson coloca o favo sobre uma mesa grande de madeira, tira a capa que cobre o rosto e encara Amparo. Ficam assim por alguns segundos, olhando um ao outro com intensidade e tensão. Depois beijam-se vigorosamente. MANDRAKE (V.O.) Se compreender uma mulher linda já é difícil, muitas vezes amá-la é impossível... 3 INT.COPACABANA PALACE/CORREDOR-DIA Imagem estática do corredor vazio do Copacabana Palace. Som de música ambiente, soft e impessoal. Abre-se uma porta e vemos entrar no corredor um GARÇOM de 26 anos, sério e compenetrado, mas um pouco cômico, carregando uma bandeja com uísque e cigarros. Ele se encaminha lepidamente para um dos quartos. De repente, ouve-se o barulho de objetos sendo jogados e quebrados dentro de um dos quartos. O garçom percebe que os sons vêm do quarto para onde se encaminha. Ele pára, indeciso, checa a comanda sobre a bandeja e se certifica de que o quarto é aquele mesmo. O quebra-quebra cessa e o garçom decide bater na porta. Antes que o faça, a quebradeira recomeça com maior intensidade. O garçom interrompe o movimento, nervoso, e se encaminha até um interfone na parede do corredor. Pega o telefone, ajeita-o no pescoço e, com a mão livre, tecla um número.
GARÇOM (tenso, após alguns instantes) Meireles? CORTA PARA: O garçom e MEIRELES, mäitre, 50 anos, imóveis e indecisos em frente ao quarto. Objetos continuam sendo quebrados dentro do quarto. Meireles toma coragem e bate na porta. A quebradeira cessa de repente. Ouvimos, de dentro do quarto, a voz de PEPE LÉON, 26 anos, cantor pop-star colombiano, mistura de Ricky Martin com Juanes. PEPE (O.S.) (impaciente e nervoso, com sotaque) Quem é? MEIRELES (cortês e profissional) O pedido do room-service, senhor Léon. PEPE (ríspido) Pode deixar no chão. E se manda. MEIRELES (polido) Pois não, senhor. Meireles faz um gesto impaciente para o garçom, para que deixe a bandeja no chão. O garçom obedece e os dois saem rapidamente. Por alguns instantes o corredor permanece vazio e ouvimos novamente a música suave. Pepe abre a porta. Ele está nu, abatido e nervoso. Olha para os lados, paranóico, certificandose de que os garçons já saíram. Abaixa-se para apanhar a bandeja. Nesse instante, abre-se a porta do quarto em frente. Sai de lá um HÓSPEDE, um senhor de 70 anos, vestido com elegância britânica, carregando um poodle. O homeme encara com estranheza aquele jovem nu, ajoelhado a sua frente. O poodle late. O telefone, dentro do quarto de Pepe, começa a tocar. Ele larga a bandeja no chão e volta correndo para dentro, esquecendo-se de fechar a porta. 4 INT. APARTAMENTO DE MANDRAKE/ SALA - DIA Celeste, em pé, segurando uma vassoura, fala ao telefone. A mesa está posta para o café. CELESTE (aparentando tranqüilidade e um certo sadismo) Já disse, minha filha, ele é casado. Muito bem casado. Quer fazer o favor de parar de ligar para o meu marido? Eu sou asmática! Celeste desliga o telefone com veêmencia e um sorriso de satisfação, e volta ao seu trabalho. Mandrake entra na sala com aparência de quem acabou de acordar. CELESTE
Bom dia doutor. MANDRAKE Bom dia, Celeste. Você estava brigando com alguém? CELESTE (indiferente) Não. MANDRAKE (irônico) Você é asmática? CELESTE Tive de inventar uma desculpa, né doutor? Essas moças estão muito abusadas. MANDRAKE Qual delas? CELESTE (varrendo) Mariazinha. Já ligou umas dez vezes. Já nem sei mais o que dizer pra ela... MANDRAKE Sabe sim. CELESTE Eu posso dizer que sou sua mãe. (parando de varrer, olhando para Mandrake) Uma mãe doente, o que o senhor acha? MANDRAKE Asma? CELESTE Não, tem que ser uma coisa pior. (depois de pensar um pouco, pronuncia as sílabas com cuidado, não querendo errar) Es-qui-zo-fre-nia. MANDRAKE De onde você tirou isso? CELESTE Li numa revista. Tem uma atriz que está es-qui-zo-frê-ni-ca. Linda essa palavra, não? Celeste continua falando e vai até à cozinha enquanto Mandrake senta-se para tomar café. CELESTE (O.S.) Es-qui-zo-frê-ni-ca. Bom nome para dar para uma filha.
MANDRAKE (servindo-se de café, falando para si mesmo) Esquizofrênica Mendes. Esquizofrênica Vieira. Esquizofrênica... Bronstein. Celeste volta com um bolo pequeno e humilde. CELESTE Eu fiz um bolo. O senhor ainda está de dieta? MANDRAKE (pegando o bolo das mãos de Celeste) Eu de dieta, Celeste? CELESTE Não sei, depois que a dona Berta começou a trazer aquela coisas esquisitas pra cá... MANDRAKE Quando a gente ama uma mulher, faz alguns sacrifícios... Mandrake parte duas fatias do bolo e entrega uma para Celeste. MANDRAKE ...na frente delas, pelo menos. Os dois comem com apetite. 5 INT. UNIVERSIDADE/ SALA DOS PROFESSORES - DIA Berta está numa mesa na sala dos professores, com um livro de matemática aberto à sua frente. Ela está com o olhar perdido, olhando distraidamente para a janela. PATRÍCIA, uma professora colega de Berta, está andando pela sala, servindo-se de café de uma garrafa térmica, ao mesmo tempo em que fala com Berta. PATRÍCIA (sem olhar para Berta, mas falando com ela, enquanto serve-se de café) ...então eu disse pro Osvaldo, que absurdo, que coisa cafona um homem dizer que não gosta de teatro! De todos os namorados que eu tive, nenhum suportava ir ao teatro! Qual será o problema que os homens tem com o teatro? (olhando para Berta) O Mandrake também não gosta de teatro? A Professora percebe que Berta não presta atenção ao que ela fala. PATRÍCIA Berta?
BERTA Desculpe, eu estava longe... PATRÍCIA Eu estou te achando meio distraída hoje. Aconteceu alguma coisa? BERTA Nada. Não estou me sentindo muito bem... PATRÍCIA Por que você não vai embora? BERTA Ainda tenho uma aula... PATRÍCIA Uma só? Eu te substituo, na boa. Vai descansar, você não está legal. BERTA Obrigada, amiga. 6 INT. APIÁRIO/GALPÃO - DIA Close da boca de Amparo. Vemos apenas sua boca carnuda, lambuzada de mel, sussurrando ao telefone celular. Ao fundo, ainda ouvimos o zumbido das abelhas. AMPARO (ao telefone, sensual e ambígüa, levemente embriagada, ou em êxtase sexual) Pepito tu sabes que yo te amo... Pepito... mira, és una ciudad riquíssima, magnífica... vai dar um passeio, relaxa, sai do quarto...(começa a gargalhar de repente) Ai! No vuelvo...hoy, no vuelvo, Pepito... Imagens fragmentadas de Amparo nua, rindo ao telefone, e do braço de Jackson, ainda com a roupa de apicultor, que a envolve. Ela está sobre a mesa de madeira, mas não percebemos com nitidez o cenário. Durante a cena, Amparo fala ao telefone enquanto Jackson derrama mel sobre diferentes partes do corpo dela. Barriga, seios, coxas. Amparo continua falando ao telefone, emitindo pequenos frêmitos, enquanto Jackson lambe o mel que derrama sobre Amparo. A cena é toda filmada em planos fechados sem que se defina com nitidez os rostos e corpos dos atores. AMPARO (ao telefone, encantadora, sussurrando) Pepito...me voy...hasta la vista... (começa a cantarolar) Están a nubes chorando Por un amor que morréu Están as ruas molladas
De tanto como chovéu... Amparo larga o telefone e entrega-se às carícias de Jackson. CORTA PARA: 7 INT.COPACABANA PALACE/QUARTO DA SUITE DE PEPE-DIA Pepe Léon está sentado no chão, ao lado da cama, nu, ao telefone. O quarto está numa total desordem, com televisão ligada, restos de comida e garrafas vazias espalhados entre pratos e abajures quebrados. Ele está irritadíssimo, gritando ao telefone. Há um prato ao seu lado, com várias carreiras de cocaína e um canudo feito com uma nota de dinheiro enrolada. PEPE (histérico) Amparo! Onde você está? Amparo! Não desliga, piranha! Amparo! Ouvimos o sinal do telefone, confirmando que a ligação foi desligada do outro lado da linha. Pepe arremessa longe o telefone e começa a chorar, de uma maneira histérica e afetada. Depois, pega o prato com a cocaína e cheira uma linha. PEPE (cheirando o pó, com os olhos marejados) Hija de perra! Pepe escuta batidas discretas na porta. DIEGO (O.S.) (falando baixo, mas veemente) Pepe! Pepito! Abre a porta! [...]
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