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January 19, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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 ARQVIVE Organização da Sociedade Civil em Benefício da Memória Nacional

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CARTAA ABERTA AOS ADMINISTRADORES CART ADMINISTRA DORES PÚBLICOS À iminente desmemória: um plano sinérgico para elaborar estratégias a fim de preservar o patrimônio documental de interesse público  

O patrimônio arquivístico de uma administração pública consiste no conjunto orgânico e indivisível de

documentos de diversas configurações que q ue testemunham as atividades exercidas pelo órgão no cumprimento cumprimen to de suas funções. O documento que deve ser custodiado de forma permanente é aquele que em determinado momento do ciclo de sua vida supera o caráter operacional, excede a própria funcionalidade, a causa primeira de sua existência e a própria usabilidade ao adquirir uma dimensão que ultrapassa o valor jurídico-administrativo original. Em síntese, o documento arquivístico permanente possui um valor cultural, científico, histórico, ao tempo que mantém, para sempre, ainda que de distintas formas seu inato caráter probatório. Com esses valores agregados, que suplantam os originais, jurídico-administrativos, o documento de arquivo transforma-se numa matéria prima para o processamento informacional e para a aquisição de conhecimento. Em outras palavras, de uma fase ativa e intermediária interm ediária passa ao seu auge, ao ser transmitido e recebido como patrimônio, iniciando sua fase reativa , ou seja, na dupla função de capital informacional e recurso memorialístico, o documento de arquivo, principalmente ao final de seu ciclo, é aquele que reforça e promove a identidade cultural, a coesão social e configura a própria memória coletiva.  

Observa-se Observ a-se cotidianamente que uma parte considerável do patrimônio documental sob responsabilida-

de da administração pública está exposta a uma série de situações que q ue configura, fatalmente, fatalmente, um risco de perda imediata e irreversível. Isto é, boa parte da memória memór ia da administração admini stração pública que, ao ao fim e ao cabo, conforma a própria memória social, está conscientemente esquecida, putrefazendo-se nos locais mais absurdos imaginá veis das edificações públicas. Infelizmente, este cenário de irresponsabilidades e descaso com a sociedade não é pontual; ele se replica, banalizado -com raríssimas rar íssimas exceções- nos n os âmbitos municipal, munic ipal, estadual e nacional. As inteligíveis razões desse funesto panorama são encontradas na ausência ou omissão das legislações em vigor; na ausência de órgãos efetivamente fiscalizadores; na ausência ou lacunas de mecanismos de gestão

 

documental; na ausência ou mau uso dos recursos humanos, financeiros e materiais disponíveis; ou mesmo, mesm o, no efeito conjugado de todos estes fatores citados c itados e aliados, talvez, à profunda e arraigada visão extrativista, que se fundou, em parte, no próprio processo civilizatório civilizatór io brasileiro e é continuada de forma mesquinha mesquinh a e ignóbil por boa parte dos responsáveis pelas coisas públicas. O patrimônio arquivístico está em risco, por um lado, porque as administrações públicas oferecem muito menos que a mínima atenção aos arquivos. Muitas vezes, intencionalmente. E, por outro, porque os arquivos públicos e os sistemas de arquivos ainda não possuem a capacidade técnica, financeira e política de implementar políticas arquivísticas e não há atualmente alguma instituição que se encarregue de fiscalizar esse patrimônio que é, sem dúvida, um complexo capital memorialístico memor ialístico e informacional. inf ormacional. Ainda, a própria sociedade civil não está atenta ao valor dos documentos de arquivo, além daqueles que pontual e individualmente asseguram seus direitos. Talvez Talvez um organismo organis mo público como o responsável pelo controle das d as contas públicas, públicas , como os  Tribunais  T ribunais de Contas, juntamente com o Conselho Cons elho Nacional de Arquivos, os arquivos públicos, as associações profissionais, as universidades, a sociedade civil organizada, as Assembléias Legislativas Legisl ativas e outros atores relacionados devessem se engajar na reflexão conjunta de encontrar soluções so luções emergenciais e esboçar um planejamento à questão com a maior radicalidade possível. Primeiramente, talvez, deve-se refletir sobre o papel de cada uma dessas instituições na demanda urgente de proteção desse patrimônio cultural, cultur al, a fim de desenhar um plano emergencial de sensibilização e conscientização dos sujeitos sociais que albergam arquivos de interesse in teresse público, ao tempo em que sejam redigidas ou revisadas leis e normativas para, logo em seguida, prover, prover, por meio de orientações técnicas técnic as e metodológicas metodológic as (e a mínima capacitação de seus recursos humanos), formas factíveis de proteção dos conjuntos documentais. Além, obviamente, do reforço dos meios de fiscalização. Em verdade, o primeiro passo é esse: cada equipamento da administração pública deve d eve ser orientado a assumir sua responsabilidade, sob rigorosa penalização.  

O patrimônio documental arquivístico (ou simplesmente cultural, se tratado de forma mais abrangen-

te) é um testemunho tangível da d a experiência humana em sociedade. soci edade. Ele existe de forma interconecta e interdependente em inúmeros contextos, notadamente, com outras configurações documentais como objetos (em sua maioria documentos museológicos), impressos (em sua maioria documentos bibliográficos) e também junto ao patrimônio intangível, às manifestações folclóricas, lingüísticas e o conhecimento tradicional que acabam por materializar-se, configurando novos documentos. Vulgarmente, a expressão patrimônio cultural evoca quase que de imediato o patrimônio arquitetônico, as edificações e os equipamentos urbanos considerados históricos ou mesmo os objetos contidos nos museus. A noção de patrimônio cultural ainda inclui produtos culturais diversos, como determinados ecossistemas, ambientes naturais, sítios arqueológicos etc. Assim, vale lembrar que todas essas formas patrimoniais derivam, têm origem e/ou originam (ou coexistem) com os documentos

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tradicionalmente considerados arquivísticos. Gaba-se da restauração de prédios históricos (como as belas edificações da UFRGS, por exemplo), mas de que valem v alem os continentes restaurados se não temos seus conteúdos? O contexto de apreciação e entendimento de qualquer obra obr a é ressaltada com a inserção em seu contexto e com a conectividade de variados documentos que foram espontaneamente criados para o desenvolvimento de tal obra. Sejam considerados de arquivo, de bibliotecas, de museus, eles são bens materiais (ou imateriais), patrimônio cultural. Assim sendo, o documento de arquivo deve ser considerado como um recurso polivalente que necessita ser estimado e receber um tratamento tr atamento sério, adequado, por meio do corpus cor pus teórico e metodológico metodológi co da ciência arquivística. arquivístic a. E, sempre, desde a produção, produç ão, para que se garanta, desde seu princípio, seus valores e funções f unções e seja efetivamente transmitido, recebido e acessível às futuras gerações. Para tanto, com todo o disposto acima, observa-se que as iniciativas, do próprio poder público e/ou da sociedade civil organizada, devem buscar, de forma sinérgica e globalizada, afora a promoção do debate, a geração de instrumentos de ação para que instituições-chave sejam peças multiplicadoras e responsáveis pelos seus respectivos setores que contenham arquivos. Uma análise introdutória consistiria em conhecer a natureza e o estado de conservação do patrimônio; um recenseamento do patrimônio documental que merece ser protegido. Talvez, inicialmente, naquelas instituições que já albergam documentação de notório interesse público.  

O patrimônio arquivístico consiste em documentos das mais variadas configurações, suportes e forma-

tos, sendo os mais comuns os documentos textuais, mapas, desenhos arquitetônicos, fotografias, microfilmes, filmes, vídeos, registros de áudio, entre outros, tanto em meio analógico analóg ico como digital. A real importância desses documentos -sempre é bom ser redundante- vem do d o fato de que eles afirmam a identidade coletiva e representam, em suas possibilidades semânticas, cada contemporâneo seu, permitindo conhecer a cultura e a realização da construção histórica. Os documentos que um dia auxiliaram a determinar atos políticos ou foram prova de determinadas ações civis ou, ainda, aqueles documentos que testemunham decisões, decis ões, julgamentos, avaliações, os que descrevem os fazeres e procedimentos da vida em sociedade ou os direitos e deveres dos cidadãos, são todos documentos que facilmente podem extrapolar o interesse pessoal, local e geracional. São heranças que devem ser protegidas e seguramente disponibilizadas às gerações que ainda estão por vir. Ou seja, os documentos aparentemente banais, administrativos, de hoje, podem ser a relíquia histórica, históric a, uma peça fundamental para se entender o processo social ou um agente para (re) projetar, projetar, reformar, reformar, aperfeiçoar o processo civilizatório civiliz atório em um amanhã qualquer. Dentro da administração pública estadual, por exemplo, particularmente creio que a responsabilidade pela proteção da documentação deveria estar eqüitativamente compartida entre atores públicos que tivessem como finalidade, entre outras:

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- a responsabilidade pelo estabelecim estabelecimento ento de políticas de gestão documental; - a responsabilidade pela aplicação dessas políticas de gestão; - a responsabilidade pela orientação no processo de gestão; - a responsabilidade pela fiscalização do patrimônio documental das idades corrente e intermediária; - a responsabilidade pelo mapeament mapeamentoo dos documentos de valor arquivístico; - a responsabilidade pela fiscalização das condições de guarda e acesso dos arquivos permanentes.

  Parece natural pensar que, entre os órgãos do Estado, os que melhor se adaptam a estas tarefas, sejam as seguintes instituições: institui ções: o Arquivo Público Estadual, o Tribunal Tribunal de Contas do d o Estado, a Secretaria de Administração e o Ministério Público. Provavelmente deveria estar sob o encargo da Direção do Arquivo Público Estadual a responsabilidade exclusiva de autorizar autor izar o recolhimento, a destruição ou a alienação dos d os documentos produzidos em organismos estaduais, incluindo o gabinete do governador, além da instrução e acompanhamento dos programas de gestão documental. Apenas um órgão composto por profissionais graduados em ciências da Informação, Infor mação, especificamente arquivistas, tem a capacidade técnica para desempenhar des empenhar tal função.  

O Tribunal de Contas poderia fiscalizar a execução das políticas e orientações para a gestão dos docu-

mentos, as condições de guarda e, principalmente, a completude e organicidade da documentação arquivada em sua fase ativa e semi-ativa. É importante que todos os administradores reconheçam o valor da conservação dos documentos e da gestão da informação arquivística nos processos de tomada de decisão governamental e na prestação de contas e serviços. A implementação de uma política de gestão documental não pode obviamente deixar de focalizar de forma privilegiada os meios eletrônicos como meio habitual de criar e administrar as informações governamentais -incluindo os sistemas e demais recursos periféricos-, impondo políticas diferenciadas quanto ao ciclo de vida, a autenticidade, integridade, clareza, permanência, etc. Assim sendo, reitero, é inevitável a necessidade de intervenção arquivística antes mesmo da criação do documento. E, claro, é bom lembrar que deve-se respeito à legislação, em especial, à Lei n° 8.159, de 8/01/1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, detalha questões de preservação e acesso, tais como as encerradas no artigo 1°: “É dever do poder público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação.”, bem como no artigo 25: “Ficará sujeito à responsabilidade penal, civil e administrativa, na forma da legislação em vigor, aquele que desfigurar ou destruir documentos de valor permanente ou considerado como de interesse público e social.”   Embora pareçam óbvias as razões da obrigação de salvaguarda da documentação pública, há uma paralisia geral nas engrenagens públicas em relação ao tema. Sabe-se que uma correta gestão de documentos é

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excelente para os cofres, essencial para a modernização da administração e sua adequação às necessidades da chamada sociedade da informação, do conhecimento, ou como denomina ironicamente Alfons Cornellà, “sociedade da infoxicação”. Apesar de todo cenário real ser catastrófico, c atastrófico, há dentro dos governos boas iniciativas em relação ao tema - como o trabalho desenvolvido pela equipe do Arquivo Público do Estado, os esforços do Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, do Arquivo Municipal de Caxias do Sul e do Tribunal Tribunal de Contas do Estado, apenas para citar alguma instituições. Isto posto, é imprescindível a mudança de postura frente à documentação pública (ou de interesse público), a sua preservação, ao conceito de acesso e ao uso dos bens arquivísticos. Considerá-los como um direito cidadão, um direito humano, uma responsabilidade pública.

Porto Alegre, outono 2008.

 José Cláudio Teixeira Teixeira Jr Presidente 

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