10-Textos CERU Serie2

July 29, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Textos

=?-'"  C E R U PESQUISA   EM CIENCIAS SOC SOCIAI IAIS: S: OLHARES DE MARIA ISAURA PEREIRA DE QUEIROZ

Celia Toledo Lucena M aria Christina Christina Siqueira de Souza Souza Campos Zeilaa de Brito Zeil Brito Fabri Dem artini Organizatloras

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PESQ UISA EM CI CIENCI ENCIAS AS SOCIAIS: OLHARES DE MARI MARIA A ISAURA ISAURA PE REIRA D E QUE QUEIIROZ

 

EDITORA HUMANITAS

Presidents

Mario  Miguel Gonzalez

Vice-Presidente

Marco Aiirelio Werle CONSELHO EDITORIAL

Titulares

Antonio Dimas d e Moraes Beatriz Perrone Perrone Moises Berta Waldman Beth  Brait Jose Jeremins de  Oliveira Filho Sueli Angelo Furlan Valeria d e Marco Vera Lucia Amoral Ferlini

Suplentes

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UNIVERSIDADE   DE SAO  PAULO FACULDADE  DE   FILOSOFIA, LETRAS  E  CIENCIAS HUMANAS

Diretor

Gabriel Cohn

Vice-Diretora

Sandra Margarida Nitrini

Sollcita-se Sollci ta-se ppermuta ermuta Endereco para correspondenci Endereco correspondenciaa Colecao  Textos - FFLCH/USP Av.  Prof. Luci  Luciano ano Gu Gualberto. alberto. 315 sala 20 05508-010 - Sao Paulo -  -   SP SP - Brasil Tel: (11) (11) 3091-3 3091-3784 784 / Tel Telefa efax: x: ((11 11)) 3091 3091-3735 -3735 e-mail: [email protected]

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Foi feito o deposito legal Brazil Impresso no Brasil /   Printed ut Brazil MarQG 2008

 

Coleção TEXTOS Série  2 Número  10 2008

PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS: OLHARES DE MARIA ISAURA PEREIRA DE QUEIROZ

Célia Toledo Lucena Maria Christina Siqueira de Souza Campos Zeila de Brito Fabri Demartini

Organizadoras

 

Copyright 

© 2008  do  CERU.

Direitos  de publicação  d a  Editora llumanitas Proibida a reprodução parcial ou integral desta obra por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por processo xerográfíco, sem permissão expressa do editor (Lei n". 9.610, de 19.02.98).

L26p LUCENA, Célia Célia Toledo; CAMPOS. M. Christina Siqueira  de Souza; DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri. orgs. Pesquisa em Ciências Sociais: olhares de Maria Isaura Pereira de Queiroz / Célia Toledo Lucena; M. Christina Siqueira  de Souza Campos; Zeila de Brito Fabri Demartini, orgs.   São Paulo  : CER  CERU. U. 2008. 2008 . 208 p. ; 22 cm.  (Textos. Série 2 ; n. 10). ISBN 978-85-7732-O62-2 Periodicidade: irregular 1. Pesquisa  em Ciências Sociais 2. 3 .  I. Lucena.  Lucena. C. Toledo  II. Campos. M. Christina Siqueira  de Souza  III. Demartini. Zeila de Brito Fabri  IV. Coleção  Coleção

(Preparada po CERU)  porr Eleni Steinle de Moraes - Bibliotecária do CERU)

EDITORA HUMANITAS

Editor

Responsável

Prof. Dr. Moacir Amãncio Coordenação Editorial e Diagramação M' M'..  Helena G. Rodrigues - MTb n. 28.840

Revisão

Célia Toledo Lucena / M. Christina Siqueira de Souza Campos

Editora afiliada:

Associação Brasileira de Editoras Universitárias

 

SUM R O

Apresentação

7

Célia T Lueena; M Christina S. S. de S. Campos; Campos; Zeüa de B. F. Demartini

ARTIGOS DE MARIA ISAURA PEREIRA DE QUEIROZ O pesquisador, o problema da pesquisa, a escolha de técnicas técn icas:: alg alguma umass refle reflexõ xões es (1992 (1992))

15

Relatos or orais ais:: do "in "indiz dizível" ível" ao "d "diz izíve ível" l" (1988)

35

Históriass de vida e depoiment História depoimentos os pesso pessoais ais (1 (1983) 983)

79

Pesquisa individual, pesquisa em equipe: irmãs inimigas ou ínti íntimas mas cola colabora boradora doras? s? (1 (1983) 983)

99

Análise Anális e de do docum cument entos os em Ciência Ciênciass Sociais (s.d (s.d.) .)

119

Enigmass de um Enigma uma a defini definição ção do "ser brasi brasileir leiro" o" (1980 (1980))

147 14 7

literatu ratura ra com como o fon fonte te de dado dadoss pa para ra a Soc Sociol iologia ogia (1 (1976) 976) A lite

157

Escravos e mobilidade social vertical em dois romances brasileiros brasile iros do Século XIX (1976)

163

Normas Norm as par para a Apresentação de Trabalho Trabalhoss

200

Sobre o CER ERU U

202 20 2

 

 PRESENT ÇÃO

Do enorme acervo de Maria Isaura Pereira de Queiroz, uma pequena parte está aqui reunida, com o intuito de atender a estudantes, pesquisadores e estudiosos em metodologia de pesquisa, principalmente princi palmente na área da s ciências ciências socia sociais. is. Diante de inúm eros ensaios e estudos sociológicos, resultados de pesquisa, a escolha paraa compor este lliivro par vro seguiu a seguinte segu inte direção: bu sc scar ar artigos que enfatizam o como "fazer pesquisa", tarefa bastante difícil, principalmente entre os estudantes universitários. São oito oito os textos escol escolhidos hidos pa ra in integrar tegrar esta coletânea, escolhidos seja por sua importância, seja por sua atualidade ou, ainda, por seu ineditismo: "O pesquisador, o problema da pesquisa, a escolha de técnicas: algumas reflexões", de 1992, "Relatos orais: do 'indizível' ao 'dizível'", de 1988, "Histórias de vida e depoimentos pessoais", de 1983, "Pesquisa individual, pesquisa em equipe: irm ãs inimigas ou ou íntim as colaborado colaboradoras?", ras?", de 1983, ""Anál Análiise de docum entos em Ciências Soci Sociais ais", ", texto texto iinédito nédito e sem data , "Enigmas de uma definição do 'ser brasileiro'", de 1980, "A literatura como fon fonte te deal dados dad os p arema adois Soci Sociol ologi ogia", a", 1976, e "Escravos obili obilidada-de social soci vertical rom an ance cessdebras brasileiros ileiros do séculoeX XImIX" X", , tam também de 1976. Embora muitos desses textos tenham sido escritos há bastante tempo, não perderam sua atualidade  atualidade   e jovens pe squisadores , ao tomarem contato com esses escritos, se admiram com a clareza da linguagem e a maneira como Maria Isaura aborda questões fundamentais que atormentam pesquisadores iniciantes. Na sua pena, essas questões acabam por parecer simples, fazendo-nos pensar

 

Coleção  TEXTOS.  Série Série 2, n. 10

por que nã o fomos fomos capa zes de escrever escrever algo algo seme lhan te. Também a lógica da exposição e a fundamentação de tudo que é analisado cham am a atenção pa ra a riqueza de sua s contribuições e a grande experiência de quesociológica dispõe eme pesquisa, bem como francesa de sua formação metodológica. Assim,a base não só o iniciante tira proveito de suas reflexões como também o pesquisador mais experiente, pois a leitura desses textos dá ensejo a um aprofundamento metodológico. M ar aria ia Isa ura sem pre se debruçou sobre a real realidade idade brasileira brasileira procurando conhecer aspectos ainda pouco estudados ou, na sua percepção, que mereciam ser observados a partir de novos olhares. Foi a partir do olhar constituído pelas contribuições da Sociologia, da Antropol Antropologi ogia, a, d a H ist istória ória e tamb ém da L iteratura que estudo u o m andon ismo , as relações entre escravos e senho res rurai s, as relarelações sociai sociaiss nos b airros r ur ais, os movimentos messiânicos, o carcarnaval, a religiosidade popular e outros muitos temas (universidade, produção acadêmica etc). Sua autoridade científica a levou a não pou par esforços esforços no desv endam ento dos problem as de invest investigaç igação, ão, tendo recorrido a fontes de pesquisa muitas vezes não usuais no momento em que as utilizou. A relação entre as explicações teóricas das Ciências Sociais e a realidade realidade empírica pes qu isada é aspecto fundam fundam ental da proposproposta metodológica de Maria Isaura, mas sempre com uma orientação que stiona dora : as teorias devem devem sem pre servir servir ao pesq pesquisado uisado r como como hipóteses de trabalh o; n un ca deve devem m cercear seu olhar, impedi impedi-l -loo de apreender na realidade pesquisada (atual ou pretérita) todos os elemen tos que permitam expl explicá icá-la -la,, e não a pe na s os que anterior anteriormen men te foram aventados pelas primeiras. A preocupação com a discussão das propostas teóricas, especialmente daquelas produzidas em con tatos não brasileiros, bras ileiros, a partir das d as especific especificidades idades de noss a realireali-

 

APRESENTAÇÃO

dade,  é talvez a contribuição mais importante da vasta produção intelectual de Maria Isaura. Seja quando discute aspectos mais metodológicos como os que são abordados nos textos selecionados para esta publicação, seja seja e stud and o te m as como o coro coronel nelis ismo, mo, o messianismo, a escravidão, o carnaval etc, torna-se evidente seu interesse em refletir sobre a condução da pesquisa; sua postura é, antes de tudo, a postura de uma investigadora que sempre quis ir além dos modismos de cada momento, preocupando-se "apenas" com o desvendamento da realidade social. Para tanto, poderiam e deveriam ser trab alh ad ados os fontes fontes e dados de naturezas diversas, desde que sempre fossem verificadas as condições de sua produção, suas subjetividades e intencionalidades.  A crítica às fontes e a atenção do pesquisador em relação às especificidades das mesmas pode ser percebida em toda sua obra, assim como as possibilidades que são colocadas pelos dados que se complementam. Para Maria Isaura, as técnicas da entrevista e do uso do gravador, a coleta coleta e a análise d as histórias-de-vida e dos depoime de poimentos, ntos, as investigações sobre a m a  m emória individua individual,l, a transm issão de conhecimentos e a troca de experiências experiências no contato entre na rrado r e pesquisador são questões instigantes para o estudioso. Isso, evidentemente, após a formulação de seu problema de investigação, a defin def iniç ição ão dos d os objeti objetivos vos e a escolha escolh a de su a trajetória de investigação. O uso do gravador, ao lado das d em ais técnica s, como a fot fotoografia, o cinema e a televisão, nas décadas que se sucederam à Segund a Guerra Mundial, Mundial, baseav a-se n um a crença ingênua de que os meios mecânicos possibilitariam um grau muito elevado de objetividade, com a mínima interferência da subjetividade do pesquisador. En tretanto, para M ari ariaa Isa ura c ada u m a da s técnicas suscita refl refle-

xões espe especí cífi ficas cas à med ida que são em preg pregada adass no decorrer das pes -

 

Coleção  TEXTOS. Série 2, u. 10

quisas. O u quisas. O  uso so do gravador exige exige algu ns cuida cuidados, dos, que vao bem al além ém do momento da coleta da entrevista, a transcrição da fita, constituindo, então, um documento escrito. O pesquisador, munido de um grava gravador, dor, pa ssa a ser o fabri fabricante cante de documen tos. Nessa tarefa tarefa alguns requisitos são necessários para a transmissão se conservar fiel à gravação. A nar narrativa rativa oral, um a vez vez tran scr scrita, ita, transforma transforma-se -se em texto escrito com similitude a qualquer documento escrito. Porém, para Maria Isaura, a tarefa não se encerra aí, o pesquisador precisa e nc ncara ararr ou tra fase, ou seja, seja, o aproveitamen aproveitamento to do nov novoo documento oriundo da fita gravada, que é a interpretação ou análise do material coletado. Cada história de vida ou depoimento pessoal fornece oportunidade ao pesquisador de estudar o fato social no seu interior, na fonte. font e. Segundo a professora, professora, 'Toda a h istória de vida vida tem tem de ser um depoimento, isto é, não apenas um relato cronológico de acontecimen tos, m as trazer em si a riqueza riqueza de sentimentos, opi opiniõ niões es e atituatitudes da pessoa que a relata... relata...""   (1953, p. 14)1. Dessa mane maneira, ira, a históde vida se defi ririaa  de  vida   se  define ne com o o rel  relato ato de um narra narrador dor sobre sua exis existênc tência ia através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu." (1988, p. 20) 2 . Ao ressaltar a riqueza dos conteúdos a serem encontrados nos depoimentos pesso ais e histórias de vida vida,, Maria Maria Isaura cham a a atenção para a importância da formulação do problema, antes do início da pesquisa.   Sem uma questão precis precisa, a, que depoimento depoimento buscar? Sendo assim , sua s ua utilização está ligada ao problema enun enunciado ciado pelo investigador, "somente através da análise, isto é do desdobraSociologia, São

Paulo, v. 15, n. 1, p. 8-24, mar. 1953 Relatos orais: do "indizível" ao "dizível". In: SIMSON, OR.M. von (Org.).   Experimentos com histórias com  histórias   d e  vida:  Itálla-Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais/ Vértice, 1988, p.   14-43. 10

 

APRESENTAÇÃO

mento dos tópicos que contém, poderá ser aproveitada a informação nele encerrada" 3 . Ao abordar a questão da análise nas Ciências Sociais, tema sobre o qual ministrou um curso no CERU em 1992, torna-se mais clara cl ara a nature za de sua s preocupaç ões co com m a s relações relações entre teoria teoria e empiria, reveladas na forma cuidadosa como vê o trabalho dos sociólogos evidenciadas no texto "Análise de documentos em Ciências Sociais". Para Maria Isaura, a crítica às fontes e a forma como se conduz a análise das mesmas, com base em rigoroso trabalho de comparação, é que podem levar o pesquisador à observação das questões investigadas, conforme cita em pequeno trecho do artigo:   De acor  acordo do com com esta e sta perspectiva, a an álise perm ite infini infinitas tas indagações dirigidas aos documentos - desde que estes sejam suficientemente ricos para servirem a uma grande quantidade de pesquisas. Empregando um vocabulário atualmente em moda, múltiplas são as leituras que qualquer documento permite, porém a atitude dos estudiosos diante dele são apenas duas: tomá-lo em sua peculiaridade e levantar os problemas que ele encerra, ou então efetuar a leitur lei turaa depoi depoiss de formuladas formuladas as questões que julgam interessa ntes, na suposição de que ele ele encerra elem entos que perm item esclarecêlos. Estas atitudes se aplicam a todos os tipos de documentos, sejam eles escritos ou gravados" 4 . Não ape nas o depoimento, a análise e a ver verif ific icaçã açãoo dos dad dados os serão ser ão orient orientados ados pelo pelo problema. problema. A lg lgumas umas sug estões são apo ntad as como procedimentos ao pesquisador, como a anotação das perguntas que fe fez e em que m omen omento to as a s formulou, formulou, assim como as fugas do 3 4

  Trec Trecho ho do do texto inédito "Análise "Análise de docum entos em ciências sociais", sociais", publicado nesta coletânea. coletânea.   Trecho Trecho do mesmo texto inédito.  

 

Coleção  TEXTOS.  Série Série 2, n. 10

informante sobre determ inad as q uestões, pois as omissões são si informante siggnificativas para o problema estudado. Ainda sobre a duração da entrevista, chama a atenção para o fato de não existir uma receita pronta, própria experiência que deve indicar, variando de isa pes-a quisadoré aa pesquisador, de informante informante a informante e de pesqu pesquisa. Nesse sentido, lembra ainda que o pesquisador, ao utilizar o relato, o fará de acordo com suas preocupações e objeto de estudo, ficando sacrificadas as intenções do narrador. Durante a entrevista o narrador fica livre para expor suas lembranças, mas quem com anda a atividade atividade da coleta coleta é o pesqu isador. U m a  ve vezz exist existindo indo narrad or e ouvinte ouvinte,, a transm issão do saber se instala. Aquel Aquele que ouve sempre é um intermediári intermediário, o, acrescenta sempre sua própria interpretação ao narrar aquilo que ouviu. Em seu texto "Relatos orais: do indizível ao dizível", Maria Isaura faz um a crí crític ticaa dizendo dizendo qu e o "re "rela lato" to" pass ou a ser deno minado "his "histótória oral", oral", provocando o seu reapa recim ento e a ampliação de discu ssões sobre as técnicas de coleta do material. Segundo Maria Isaura, "'História oral' é termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos fatos não registrad os por outro tipo de docu m entação,  ou cuja docum entação se quer completar" completar" (1988, p. 20)5. Sendo assim, a "'história oral' pode captar a experiência efetiva dos nar rado res, m as recolhe recolhe destes tradições e mitos, narra tivas de fificção, cren ças existentes no grupo, assim co como mo relatos que contadores de história, poetas, cantadores inventam num momento dado." (1988, p. 19).6 5

  Re latos ora is: do "Indizí "Indizível" vel" ao "di "dizíve zível". l". In: mentos com histórias de vida:   Itália-Brasll. Vértice, 1988, p.  14-43. 6   Rela tos orai s: do "indizível" "indizível" ao "diz "dizível ível". ". In: mentos com histórias de vida:   Itália-Brasil. Vértice, 1988, p.  14-43.

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SIMSON , OR.M. von (Org.). (Org.).  ExperiSão Paulo: Revista dos Tribunais/ SIMSON, OR.M. von (Org.). (Org.).  ExperiSão Paulo: Revista dos Tribunais/

 

APRESENTAÇÃO

Se os textos sobre os relatos orais são originais e instigantes,   também é preciso lembrar que Maria Isaura refletiu sobre a literatura como fonte para a investigação sociológica: em seus primeiros estudos, recorreu a essas fonteso para a discussão de situações pretéritas, estimulando também seu uso nas pesquisas de seu s orientand os. O interesse de Maria Maria Isaur a pela literatura e, em particular, pela literatura brasileira, a levou a escrever dois textos desta coletânea, já mencionados acima. O primeiro, "A literatura como fonte de dados para a Sociologia", discute justamente a utilização da literatura como fonte de dados por cientistas sociais já desde os fins do século XIX. Mostra as fases em que esse tipo de estudo esteve mais em voga ou, ao contrário, em decadência, esta em decorrência da maior valorização dos métodos quantitativos. Entre outros, são destacados os textos de Chevalier, na França, e, no Brasil, as obra o brass de diversos histo riado riadores res e soci sociólogos ólogos,, como Roger Roger Bastide, Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Lourival Gomes M achado, Gilda de Mell Mello e So Souza uza  e del  delaa própria. M ar aria ia Isau ra p ublicou diversos trabalhos analisando a relação arte/sociedade, seja para ampliar o conhecimento de problemas mais profundos, seja para propiciar uma visão mais clara da realidade de diversos grupos sociais era épocas passadas. Textos visando esse último objetivo,,  segundo a pesqu isadora, são men os com uns, pois são difí vo difíce ceis is de analisar. Ela própria classifica seus diversos textos sobre literatura nessa segunda categoria. O segundo texto mostra-se como um excelente exemplo de análise sociológica de obras literárias, no caso os conhecidos romances   A escr  escrava ava Isaura", de B ernardo G uim arães, e "O "O tronco tronco do ipê",  de José de Alencar. Sua análise focou a mobilidade interna da cam ada dos escravos no século século  XIX, amp liando os estud os de Emíliliaa Viot Viottiti da C osta e Florestan Fe rna nd es a esse resp eito. O texto texto de 13

 

Coleção TEXTOS. Série  Série 2,  2, n. 10

Maria Isaura Maria Isaura,, além além da análise cl clara ara e fundamentada, fundamentada, te tem m o mérito mérito de trazer à memória o sabor das falas e descrições dos próprios autores. Essas falas ilustram suas reflexões a propósito das relações entre senhores e escravos e a estrutura social vigente, bem como com o sobre sobre as condições em que se verifica verificava va a mobilidade mobilidade social. Suas conclusões salientam a heterogeneidade da camada escrava, assim como a dos homens livres, igualmente dispostos em segmentos hierarquizados, de tal forma que Maria Isaura considera possívell falar ve falar em continuidade continui dade entre ent re essas es sas camadas camadas,, havendo freqüent freqüenteemente ascensão e rebaixamento de indivíduos. Falamos mais acima a respeito dos orientandos Falamos or ientandos de Mari Maria a IsauI saura, que atingem grande número, pois a "mestra", como a ela carinhosamente se referem, era uma orientadora exigente, mas incansável, sempre atenta aos menores detalhes para que os trabalhos sob sua orientação pudessem ser os melhores possíveis. Esses orientandos e seus auxiliares de pesquisa são hoje pessoas atuantes em renomadas instituições de ensino superior no país. Merece especial destaque aqui o CERU - Centro de Estudos Rurais e Urbanos -   que ffo oi fundado por ela e por um pequeno grupo grupo de professores professores da USP co com m o intuito de desen desenvolver volver pesquisas pesqui sas no cam campo po das das Ciências Ciências Sociais, com o rigor rigor cie cient ntífic ífico o necessário necessário,, mas sem dogmatism dogmatismo o nas nas abordagens metodológicas. É o que o conjunto de trabalhos aqui reunidos evidencia e disponibiliza para um público mais amplo. Célia Toledo Lucena Maria Christina Siqueira de Souza Campos Zeila de Brito Fabri Demartini Organizadoras

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O PESQUISADOR, PESQUISADOR, O PROBL PROBLEMA EMA DA PESQUISA, A ESCOLHA REFLEXÕES DE TÉCNICAS: ALGUMAS Maria Isaura Pereira de Queiroz"  concentração ração do interesse interesse do pesquisador em determinados A concent problem as, a perspectiva em que se colo coloca ca para formulá-l formulá-los, os, a escolha dos instru m ento s de coleta coleta e análise do material não são nu nc a fortuitos; todo estudioso está sempre engajado nas questões que lhe atraíram a atenção, está sem pre engaj engajado, ado, de ffor orma ma profunda e m uitas vezes vezes inconsciente, naquilo que executa. Al Aléém de su a posição diante do obj objet etoo a estu dar, urge considerar também o mom ento histórico-científico em que se encontra, a maneira de compreender as ciências ciências no mu ndo intelectual de que ffaaz parte . Du as p erspecti erspecti-vas se reúnem sempre: o ser pensante é sempre único, sua individualidade é patente; seu modo de conhecer e, portanto, sua imaginação, sua interpretação, seu julgamento de valor são sem dúvida inteiramen te pess pessoais oais.. No en entan tan to, o indivíduo só existe eem m coleti coletivi vi-dades de que é parte inseparável; inseparável; é eem m s u a soci sociedade edade e no seu grupo que adquire su a m aneira de considerar a ciê ciência ncia,, a s técnicas de QUEIROZ, M. I  Isaura saura Pereira d  de. e. O pesquisador, o problema da poesquisa, a escolha de técnicas: algumas reflexões. São Paulo: CERU, 1992. p. 13-29. (Coleção Textos, série 2, n. 3). •* Professor Professoraa Emérita Em érita da Universidade de São Paulo - De Departam partam ento de Soci Sociol ologi ogiaa da FFLCH/USP - Centro de Estudos Rurais e Urbanos / CERU.

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Coleção  TEXTOS. Série 2, n. 10

que dispões são as que neles aprende. Mesmo quando inova, suas criações estão delim itadas pelo que neles existe. Todo indivíduo indivíduo encerra uma parte que é particularmente sua e uma parte que foi insuflada insufl ada pe pello seu meio; pa rtes que sem pre se interpenetram, mas que ora estão era harm onia, ora em oposição. oposição. A existência dessa associação fundamental entre objetividade e subjetividade foi durante muito tempo desconhecida; supunhas e ,   isso sim, que eram contraditórias,  tã o  incompatíveis que em surgindo uma, a outra se apagava. Tal maneira de ver se estendeu aos procedimentos e técnicas qu e for foram am sendo em pregadas n as pesquisas. Duas ordens destas últimas foram tidas como fundamentalmen te opo stas, emb ora podendo ser utilizadas utilizadas na cole coleta ta e análi análi-se de quaisquer dados relativos às Ciências Sociais: as técnicas qualitativas e as técnicas quantitativas. Quando as Ciências Sociais foram tomando vulto, durante o século XIX, as técnicas qualitativas floresceram, se sobrepondo às quantitativas, que no entanto já começavam a ser utilizadas também. A maior ou m enor acuid ade co com m que os dad os eram col colhido hidoss e analisados, os comentários, as sugestões, pareciam depender diretamente das qualidades pessoais e da competência do pesquisador que,   por meio da observação direta, ou em depoimentos de inform ant es, ou em do cum entos variados, coligi coli giaapouco as informaç informações õesdede que, que necessitava. Porém tomava-se consciência a pouco estando cada cientista inserido numa fatia específica da realidade social, tendo sido educado de acordo com as normas nela existentes, esta circunstância pesava sobre sua captação dos dados, constituindo barreira para que fossem apanhados em sua veracidade. Dizia-se Dizia -se então que se as Ciências Sociais desej desejavam avam chegar à objeobjetividade das Ciências Exatas e Naturais, compondo também um co rp us de conhecim entos un iversais e indiscut indiscutíveis íveis,, seria seria necessário apelar para outras técnicas que libertassem o pesquisador das 16

 

O PESQUISA DO R, O PROBLEMA DA PESQUIS PESQUISA A

restrições a que o sujeitavam as qualitativas. As técnicas qualitativas apareciam como como o remédio ideal ideal:: acreditava-se que garan tiam a objetividade do que se desejava apreender resultando em conhecimentos válidos para toda época, lugar e faixa social. Seguia-se neste rumo o que afirmavam as Ciências Exatas e Naturais para as quais a obtenção de conhecimentos "científicos" devia deixar de lado procedimentos qualitativos e apelar para a expressão dos fenômenos em número e em intensidade. A passagem de um procedi procedimento mento a outro ocorrera havia mu ito te tempo mpo n as "ciê "ciênncias da verdade" e as distinguira do puro e simples empirismo, levando-as a resultados certos e seguros; esta passagem constituíra um a etap a n ecessária e deci decisi siva va do progress progressoo do saber 1 . O recurso aos questionários fechados , às estatístic as rcom codams su asuências porcentagen s, permitiria tamb émfe também àschados, C iências Soci Sociais ais fugir ugi infl influências da individualidade de cada cientista, uma vez que se passava a raciocinar sobre quantidades direta ou indiretamente mensuráveis. O termo "ciência" queria dizer conhecimento oriundo do raciocínio lógico e exato que permitia chegar às leis verdadeiras regendo os fenômenos, o que só era possível ao se atingir o grau de abstração característico do saber verídico e universal. Isto é, desde que eliminadas as qualidades dos fenômenos, que os diferenciam, atingir-se-á atingir-se -á o saber verídi verídico co e universal. A b us ca da  verdade  está, pois,  emb utida nesta m aneira de pensar, u m a ve são procura vezz que são das conclusões indep enden tes tanto d as opini opiniões, ões, qu anto do tempo tempo e do espaço. As ila ilações ções a que se chega e ram tidas como válidas pa ra

Conceitos e definições filosóficas e sociológicas contidas neste contexto seguem as concepções de LALANDE, 1980; deTHINES e LEMPEREUR, 1975; de FOULQUIÉ,, 1982; de MOR QUIÉ MORFFAUX, AUX, 1980; de GRESL GRESLEE et ai, 1990. A ordem d esta apreapre sentação fo foi organizada organizada de acor acordo do coma co ntribuição de cada obra para o trabalho.  7

 

Coleção  TEXTOS. Série 2, a.  10

todos e par para a sempre, libertadas libert adas da contingênci contingência a e atingindo atingindo um alvo alvo primordial: a  certeza.  Mostrava-se a ciência superior a qualquer outro modo de conhecer; dotada de pretensões nitidamente hegemônicas, o saber marcado pela objetividade desfrutava  do maior prestígio e sobrepujava amplamente aquele que era alcançado pela subjetividade, ou que nesta se banhava2. A utilização de questionários facilmente redutíveis a algarismos e porcentagens, o emprego de estatísticas pelas Ciências Sociais, parecia libertar a estas da individualidade de cada cientista com as circunstâncias de que ela estava embebida, uma vez que o raciocínio se operava sobre quantias direta ou indiretamente mensuráveis. A  quantidade sempre fora tida como detentora de elevado grau de abstração, uma vez que se apresentava destituída de quaisquer predicados: ela não dizia se o objeto era bom ou mau, se era branco ou negro. O que este tipo de saber tratava era de quantas unidades se compunha o fenômeno, com que intensidade se apresentava. Nas primeiras primeiras décadas do séc. XX,  observava-se já que as CiênCiências Exatas e Naturais não estavam mais tão certas e seguras em suas perspectivas e em seus resultados quanto se imaginara. Verificava-se pouco a pouco que as descobertas consideradas   científicas sofri  sofriam am também influências influências e limitações da coletividade a que que o investigador pertencia, assim como das próprias qualidades e preparo do mesmo; o conteúdo do seu saber, estava assim condicionado pela sua inserção numa sociedade, e também pelas circunstâncias de tempo e de espaço. A objetividade não podia ser, em seus resultados, resultado s, tão tã o indubitável indubitável quanto se acreditara, e as técnicas técnicas quantitativas titativ as não nã o fugia fugiam m às injunçõ injunções es de tempo, tempo, de espaço, de predicados predicados 2

  Pereira  de Queiroz, 1988,  p. 103.

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O P ES Q U I S A D O R ,  O  PROBLEMA DA PESQUISA

variados nas conclusões a que chegavam, reunindo-se neste aspecto às qualitativas. Admitia-se agora que em toda ciência, em todo conhecimento a ela ligad ligado, o, o fator fator qualidade vinha em primeiro primeiro lugar: era a  qualidade que fazia uma coisa se distinguir de todas as demais; que fazia as ciências e os conhecimentos terem suas características próprias. A  qualidade composta pelos aspectos sensíveis de uma coisa ou de um fenômeno naquilo que a percepção pode captar, constitui assim o que é fundamental fundamental em qualquer estud estudo o ou pesquisa, pois é o ponponto de partida para qualquer deles. Todo cientista, ao determinar o tema de sua pesquisam se encontra inserido num universo físico, social e intelectual que a delimita; é também por meio da percepção do que neste universo existe que que formula formula o que que pretende invest investigar. igar. Nesta fase primordial domina o diferenciável, isto é, aquilo que é plenamente qualitativo, qualitativ o, e não a uniformidade uniformidade quanti quantificável. ficável. Para poder operar neste nível mais alto, necessita o pesquisador de uma formação específica que lhe permita a tomada consciente de uma posição determinada no conjunto de conhecimentos que são os seus, oriundos de sua experiência, mas ampliada pelo saber já acumulado pelas ciências em geral e por sua ciência em particular. Deve ter dominado, por exemplo, a formação histórica e teórica das Ciências Sociais; conhecido as principais correntes de pensamento e os postulados de base de cada uma delas, dentro do universo sócio-econômico e histórico em que foram formulados; diagnosticado nostic ado sua pró própria pria posição posição nas na s diversas correntes corr entes de pensamento de sua disciplina; distinguido a variedade de técnicas que poderá lançar mão no decorrer do trabalho e as limitações de cada uma, a fim de escolher as mais eficientes na solução de seu problema. Os cientistas sociais, como quaisquer outros cientistas, devem portanto ter uma formação teórica específica.

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Coleção  TEXTOS.  Série Série 22,, n. 10

Como qualqu er ciência, Como ciência, a s Ciências Socia Sociais is possuem um  corp u s   de teorias pré-existentes ao pesquisador, que este necessita abarcar na maior amplitude possível, tanto no que diz respeito à compreensão das diversas posturas teóricas quanto tamb ém às teorias especifica especif icamente mente liga ligadas das ao fundamentais, problema q ue pretende estu dar . Trata-se de dois tipos de conhecimentos teór teóricos icos que se inserem n um contexto exclusi exclusivamente vamente qualitativo, qualitativo, qualque r que seja seja o tipo tipo de ciência ciência em em c au sa e qualquer que seja o titipo po de técn ica a ser em prega da. O primeiro primeiro deles, em inen inentem tem ente teóri teórico, co, liga-se liga-se à fifilosofi so fia, a, quer q uer sej sejaa e sta com preend ida como a ciência ciência geral geral dos princípios e da s ca us as, quer sej sejaa en tend ida como o es esfo forç rçoo p ara generalizar, aprofundar, refletir  e expl  explicar icar conjuntos de fenômenos; de fo forma rma algum a pode ser traduzido em termo s qualitativos. qualitativos. Trata-s e da reunião de síntese, que constituem sempre construções abstratas, isto é, despojadas de um a p arte de elementos espec específ ífic icos os p ara apresentar som ente os m ais gerais. No No caso particular da s C iênc iências ias Socia Sociais, is, dizem respeito principalmente a suas bases. Como exemplo, é de lem brar a afirmação afirmação de Du rkheim de que todo fato fato soci social al só é expl expliicável por outro anterior 3 ; a asserção se aplica a todos os fatos so qu aisqu er qu e sejam sejam o tempo e o lugar em em qu e se encontrem, ciais, qu ciais, quaisquer que sejam seu porte e forma. Significa que a sociedade, embora detentora de raízes biológicas e psicológicas, nelas não encontra a sua explicação e sim somente no próprio fato social. Este deve ser tratado como o das demais ciências para ser compreendid o . O estudo das coletividades se apresenta semelhante ao das dem ais ciências, e portant port antoo se insere no contexto co ntexto fifilos osóf ófiico a que est as pertencem . Apresenta, no en tanto , especif especific icidad idades, es, send o indispen-

Durkheim,  1960, p. 32.

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O PESQUISA DO R, O PPROBLEMA ROBLEMA DA PESQUISA PESQUISA

sável a definição de suas regras básicas também sob forma sintética,, de ca de que se ocupou o mestre nu m a de sua s obras fundam entais. O segund o titipo po de conhecimento te teóri órico co não atinge o mesm o grau do primeiro apresenta novas limitações, já quedeseabstração liga a determinado fatoporque concreto; seus conceitos e conclusões não se apl aplicam icam pois, iindistintam ndistintam ente, a qualquer dado do universo das Ciências Sociais.  À guisa de exemplo, é de lem brar o conjunt ju ntoo de teorias existentes sobre  o messianism o, fe fenômeno nômeno ao mesmo tempo sócio-econômico e político, porém e principalmente religioso; por ser este a sua ca racterísti racterística ca fundam ental, as teorias que del delee se ocupam são específicas a um único conjunto de fatos sociais bem determinados, não podendo ser estendidas a conjuntos que não 4

pertençam à mesm a quali qualifi ficaç cação, ão, por m ais próximos próximos que p areçam . Emb ora restritas a determinado s fenômenos, fenômenos, elas são aind a abs trações porque se aplicam a todos aqueles que pertençam ao âmbito em foc foco, o, desde desd e que ap apresen resen tem os aspecto s princip principais ais por elas ddef efiinidos. Tanto no que diz respeito ao, conjunto teórico fundamental, quanto ao tocante ao segundo conjunto, necessita o pesquisador conhecer sua própria posição diante deles, isto é, se os aceita integralmente, ou até que ponto com eles concorda, em que asp ectos os considera duvidosos. Como o conhecimento referente a este segundo conjunto é sempre lilimitado, mitado, encontra-se subo rdinad o ao primeiprimeiro ro,,  que se esten de a tod os os fa fatos tos sociais indis tinta m ente. en te. A fa faci cilili-dade maior ou menor do cientista em descobrir sua maneira de pen sar diante da s teori teorias as existentes, iisto sto é, em penetra r n a ob scuridade do que se encontra implícito nas posições que adotou, não

Pereira de Queiroz, 1976. 2

 

Coleção  TEXTOS. Série 2, n. 10

depende somente de qualidades pessoais e intransferíveis; depende e muito de um sólido preparo sistemático, de um amplo leque de conhecimentos nas disciplinas das Ciências Sociais. Caso contrário,   poderá posições contraditórias entre o primeiro segundo titipo po deadotar conh ecimentos conhecimentos teóricos. teór icos. O  O esclar  esclarecimento ecimento destaes oquesdestas tões,   que pertencem ao âmbito do que é qualitativo, deve ser preliminar até mesmo à formulação clara do primeiro projeto de pes qu isa (pois (pois podem haver m ud an ça s no decorrer da invest investiga igação) ção) e, portanto, à realização dela; prendem-se à formação do pesquisador e à necessidade de destrinchar a maior parte possív possível el da s ques tões teóricas subjacentes. A proposição das questões a serem estudadas, a coleta e a

análise dos dados, d ependerão em grande p arte do grau grau de assimiassimilação crítica das teorias pelo pesquisador - entendendo-se por assimilação crítica a reflexão aprofundada do pesquisador sobre os conjuntos de ab strações que já encon tra prontos ao ini inici ciar ar o trabalho.  Comparando os vários conjuntos existentes a respeito do problema que o interessa, adota os que lhe lhe parecerem parecerem mais adequado s aos se us propósit propósitos os e à su a própria vis visão ão da ciência ciência e do do m undo . Na verdade, estas última s determinarão sempre o caminho que ele ele resolverr seguir; eis por solve porque que a refle reflexão xão a respeito de su s u a própria pr ópria posição é indispensável. Não esquecer que os   corpus  teóricos não constituem conjuntos de verdades irrefutáveis; são aceitos   provisoriamente   e sua manutenção depende da continuidade das investigações.   Isto é, as conclusões destas são sempre comparadas com as proposições teóricas que o cientista aceitou de iníc início. io. Se concordantes,   fecha-se um círculo dos trabalhos, o que não elimina porém a possibilidade dele se abrir novamente mais tarde, por meio de outras pesquisas. Se discordantes, a pesquisa termina pela proposição de um novo problema que, porém, será esclarecido numa outra 22

 

O PESQUISA DOR , O PROBLEMA DA PE PESQUIS SQUISA A

investigação. Estas observações são válidas para todos os trabalhos,   quer utilizem técnicas qualitativas, quer se voltem para as quantitativas. técnicas qualit qualitativas procuram a mandos eirademais; de ser doa objetoAspesquisado, isto ativas é, tudo o que ocaptar diferencia Socio Soc iolo logi giaa já tem sido por isso cha m ada ad a de "ciênci "ciênciaa da s difer diferenças". enças". Por meio da separação das diversas partes que compõem um todo (quer (qu er este sseja eja um grupo ou u m a sociedade, que r est esteja eja constituído cons tituído por uma coletividade definida pelo pesquisador) é ele decomposto, para ser recomposto de acordo com as divisões do projeto previamente traçado. Assim por exemplo Roger Bastide estava interessado em em ve veri rifi fica carr se as formas de suicídios de bran cos co s e negros seriam 5

semelhantes no Brasil, de aque maneira se dava diferenciariam . Buscou primeiramente sabere se cultura negra lugar a uma propensão pen são ao suicídi suicídio, o, vveri erifi ficando cando que não ; os suicídios se tornam fre re-qüent qü entes es no Brasil devi devido do à escravidão. Dessa forma, forma, além além ddee pro cu curar rar conhecer um a característ característica ica da cultu ra negra, efe efetuo tuouu um a primeiprimeira divisão dos dados encontrados no Brasil antigo: a separação de livres e escravos. O esquema segundo o qual foram divididos os dados obtidos diziam respeito primeiramente a esta delimitação, à qual se seguia um a def defin iniç ição ão d as d iversas man eiras de auto-eli auto-elimiminação . Doi Doiss caminh os foram foram então d elineados: seguir as divisões já existentes na coletividade, isto é, segundo a cor, segundo o sexo, segundo a idade; conservando estas separações, verificar agora se haveria a utilização de formas diversas de suicídio de acordo com elas.  Neste trabalho de Roger Bastide, que é na verdade um roteiro das diversas indagações a serem efetuadas numa pesquisa, verifi-

Bastide,  s.d.

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Coleção  TEXTOS. Série 2, n. 10

ca-se que os instru m ento s fundam entais da abordagem abordagem quali qualitat tativa iva são a diferenciação e a comparação. A decomposição dos suicídios segundo a divisão sexual e pelas diversas modalidades de se tirar a vida, éAseguida diversos itens.  pe pesqu squ isapela de comparação Roger Bastidedospodia Roger perfeitamente perfeit amente perm anecer no âmbito da qualidade; no entanto, ele também fez uma tentativa para buscar a distribuição numérica dos mesmos, sempre segundo as divisões apresentadas pela coletividade brasileira, apesar das dificuldades encontradas para quantificações seguras; introduzia assim uma ordem estruturada pelo próprio pesquisador - a ordem da s qu antidad es - no interior interior do obj objet etoo da p esquisa. Pa ra que esta segunda abordagem fosse seguida, tinha sido necessário, porém, saber quais as qualidades principais do mesmo. Desta forma, um conhecimento qualitativo, por diferenciações internas apresentadas pela sociedade brasileira, orientara as indagações de Bastide, diferenciações que a sociedade possuía e não provinham da criatividade de um pesquisador. O conhecimento qualitativo da coletividade estudada havia precedido seu conhecimento quantitativo. Bastide definira primeiramente as diversas modalidades de suicídio de acordo com sexo, idade, situação social, etc, para ser possível em seguida utilizar a abordagem quantitativa, isto é, é, procurar saber q ua nta s vezes vezes oc ocor or-riam suicídios segundo a posição social, o sexo, a idade. Os dois titipos pos d abordagem se mostrara m aqui rigorosamente rigorosamente complement complementaares e convergiam para um melhor conhecimento do problema que se desejava desejava esclarecer. O conhecimento qualit qualitati ativo vo traça os contornos externos e internos da coletividade estudada; em seguida, a abordagem qua ntitativa desven da o nú núm m ero de veze vezess em em que ocorre ocorre o fenômeno e sua intensidade, segundo as divisões já efetuadas. A associação das duas abordagens possibilita um aprofundamento 24

 

O P E S Q U I S A D O R ,   O  PROBLEMA   DA PESQUISA

cada vez maior das facetas do objeto de estudo. No entanto, enquanto as técnicas qualitativas podem ser aplicadas sem qualquer utiliz uti lização ação das quantitativas, esta estass exigem sempre sempr e um empre emprego go prévi vio o das qualitativas qualitat ivas (def (defin iniçã ição o de conceitos conceitos e categorias a serem usausadas;  descrição das constata constatações ções efetuadas por mei eio o da observação direta; análise de documentos antigos ou do presente recente, etc); ao relatório resultante destas primeiras investigações são, em seguida, aplicadas as quantificações. A escolha das técnicas quantitativas - a preferência do pesquisador por estas supera hoje, e muito, a abordagem exclusivamente qualitativa - não elimina esta última, muito pelo contrário; o conhecimento qualitativo é imprescindível para que se realize em seguida um conhecimento quantitativo. Este último só pode ser tentado depois que uma primeira abordagem qualitativa foi efetuada, ou na própria pesquisa que se quer realizar, ou em pesquisas anteriores; assim, pode ela ser executada pelo próprio pesquisador, ou pode sete utilizar os resultados que já existam no arsenal dos conhecimentos sobre o problema, oriundos de trabalhos realizados por outrem. Roger Bastide, depois de apresentar suas conclusões específicas ao suicídio no meio brasileiro, comparou estes resultados com as concepções então aceitas na França, de que as características psicológicas seriam fundamentais para designar que indivíduos se matariam, numa coletividade; a classificação segundo tipos psicológicos - paranóicos, perversos, mitômanos, ciclotímicos e hiperemotivos - mostrando a ocorrência do fato somente nos dois últimos tipos de indivíduos, indicava que na Psicologia se devia buscar sua explicação última, e não na Sociologia. O estudo de Roger Bastide se opunha a esta asserção. Verificara ele, por exemplo, que

o suicídio   varia conforme  a  cor. O preto perm anece ligado  aos  seus antigos métodos,   os do tempo  da  escravidão; constitui assim  um gru25

 

Coleção  TEXTOS.  Série Série 2, n. 10

po à parte na comunidade brasileira O mulato, ao contrário, mais ambicioso, desejando separar-se radicalmente dos que são mais escuros do que   ele ,  tende a igualar-se aos brancos quanto às formas fatores   sociais presociais prede buscarsobre a morte. Pôdepsíquicos concluir eentão que   os fatores e que era válida a valecem os fatores inter-mentais regra de Durkheim, de que um fato social se explica sempre por outro fato social 6 . A visão quantitativa de um problema pesquisado e de seu universo se encon tra, assim, claram ente su bord inad a à vis visão ão quali quali-tativa, tati va, que tanto a precede precede quan to a segue. O cientis cientista, ta, chegando ao fim da exposição quantitativa, retorna à abordagem qualitativa. Comparando seus resultados com os de outros pesquisadores, os

quais compõem o acervo de conhecimentos a respeito do fenômeno e forma formam m um quad ro histórico histórico e teóri teórico co do mesm o, pro cura ati atingir ngir seu sentido oculto. Ao passar da constatação quantitativa para a busca do significado de suas conclusões, regressa o cientista ao âm bito do qualitati q ualitativo, vo, o que é imperativo e inevit inevitável ável se deseja deseja desven dar o incógnit incógnito. o. As técnicas quantitativas não são mais do que uma ordenação do qualitativo segundo a maior ou menor quantidade de elementos do fenômeno, segundo a maior ou menor intensidade com que este se apre senta . As técnicas qualitativas desvendam os predipredicados de um a sociedade e de su as divisões divisões interna s. Num e nou tro  a reflexão opera segundo divisões em partes, buscando-se vecaso, a caso, rificar entre elas as oposições e as correlações; ressalta-se assim a imp ortância do procedimento com parati parativo. vo. É por meio meio da s comparações que se pode chegar a desco bertas.  A utilidade d a quantif quantificaicação está no fato de que ela é um meio de ultrapassar unidades, Bastide,  s.d., p. 40. 26

 

O PESQUISADO R, O PROBLEMA DA PESQUI PESQUISA SA

reun indo-as reunindoas em coleti coletivida vidades des que ou já exis existem tem nu m conjunt conjuntoo maior (como   é  o caso da separação por sexos dentro de um grupo ou de (como um a sociedade, por exempl exemplo), o), ou são cria das pelo próprio pe squ squisaisador (como é o caso de uma da amostragem científica). A simples aplicação quantificação não permite passar da composição composiç ão de colet coletivi ividades dades a partir de unida des , nem da descrição das mesmas (por mais sofisticadas com a aplicação de fórmulas estatísticas cada vez mais rebuscadas) para a explicação e a interpretação, sem antes utilizar o crivo das comparações. Embora a ordem ord em intr introduzida oduzida pelo pelo pesquisador no universo dos dado s em estudo por meio da quantificação possa parecer a melhor maneira de se chegar ao conhecimento dos d os mesmos,  mesmos, ela somente nar ra ra o  o  que se encontrou; não desvenda por que motivos ou razões a coleção de indivíduos assim analisada age consciente ou inconscientemente; nada na da diz a respeito respeito dos interes ses que q ue a colet coletivi ividade dade manifesta; manifesta; na da exprime que constitua uma explicação. Possibilita, isso sim, a expansão das mesmas pesquisas em lugares diferentes e sem épocas diferen dif erentes tes,, m as não pa ssa de um a simples repet repetição ição das me sm as. A esse respeito, a pesquisa realizada pesquisa  realizada por Roger Bastide sobre os suicídios de negros no Brasil é novamente novamen te exem plar, pois mostra mo stra como o fenôme fe nômeno no se aprese ntou através do tempo, tempo, desde os dados que encontrou contr ou p ara o séc. séc.  XIX até os ano s de 1938-1940, os m ais recentes publicados pela Polícia no momento em que o estudo foi feito, também efetua, efetua, na med medida ida do possív possível, el, o co cottej ejoo e ntre dad os de cidade cidadess e de regi regiões ões diferentes diferentes.. Em am bos os casos, ca sos, a com c om paraçã paração, o, isto é, a aproximação entre dados para observar as convergências e diferenças de suas qualidades, a partir da constatação da existência de certa igualdade entre eles, constitui o instrumento da reflexão indispensáve dis pensávell para aprofundar o conhecimento. Durkheim já estabelecera que não existia, em Sociologia,   senão um meio de demons 

 

Coleção  TEXTOS. Série 2, n. 10

trar que um fenômeno é causa de de   outro,  outro,  e é compa rar os casos em que estão estão simultaneamente presentes ou ausentes ;  consagrava então o método comparativo como "o  único que convém à Sociologia 7 .

Adete Com paração para ção    é  uma avaliar um fenômeno, é,a rm inar o caráte r oumaneira o valor de delese, seja dele, sej a po r meio da ref refle lexão xão,isto , sej seja p o r  meio de cálculos. A passa gem do quantitativo ao qualitati qualitativo vo existe existe neste último caso, uma vez que a ligação entre os fenômenos compara do s se opera sempre em funç função ão de circun stância s qu e lhes são exteriores, como as de tempo e de espaço. A comparação vem em seguida à descri descrição ção (e a técnica quan titativa é eminentem ente descritiva) e precede à explicação; ela não é específica das Ciências Sociais,, é um procedimento indispensável em todas Sociais to das a  a s ciênc  ciências, ias, exisexistindo semp re nelas o problema da escol escolha ha dos critérios critérios com parativos,  que podem determinar o êxito ou o fracasso do trabalho; esta consideração já demonstra que tal maneira de agir  agir   s e  insere no âmbito da qualificação. A visão quantitativa de um problema p esquisado e de de seu universo está claramente subordinada à visão qualitativa;  qualitativa;   este caminho   é o mesmo seguido pelas Ciências Exatas e Naturais; tamminho bém existe nestas a exigência do cientista se tornar consciente de su a posição diante dos do s fundam entos es espec pecíf ífic icos os de su a ciência, ciência, alé além m dos d as c iências em geral, assim como do fa fato to de que estão e las em em grande parte determinadas pelo contexto histórico e sócio-cultural a que pertencem, se quiser aprofundar o saber. Toda pesqu isa leva leva em bu tidas em s ua for formulaç mulação ão as opiniões opiniões e as m ane iras de pen sar de quem a formulou formulou e de quem a realiz realizou, ou, as q uais pertencem ao reino reino do quali qualitat tativo, ivo, ao qual a quantidade se

Durkheim, 1960, p. 121 e ss. 28

 

O PESQUISADOR,   O  PROBLEMA DA PESQUISA

encontra subordinada.  A  quan  quantificação tificação ocorre n no o interior desse reino, no ,   quer se opere pelo pelo número númer o (pluralidade ( pluralidade de unidad uni dades es equivalentes),  pela ordem de grandeza (pequena (pequena ou grande quantidade), ou ainda pela intensidade (mais ou menos forte). Depois de dominar o que já foi realizado por trabalhos anteriores, assim como as diversas correntes de pensamento teórico que a eles se ligam, o pesquisador decidirá se vai responder às questões permanecendo no universo qualitativo, ou se buscará compreender as mesmas apenas através atrav és de uma abordagem quantitativ quant itativa. a. A esp especi ecific ficida idade de dos problemas, já esclarecidos e por esclarecer, pesará, sem dúvida, em sua decisão, assim como o destino que quer dar ao seu trabalho. As técnicas são maneir man eiras as de faz fazer er bem def defini inidas das e transmiss tra nsmissííveis,  destinadas a produzir determinados resultados considerados úteis; sua função não é diretamente explicativa; busca operar reuniões de dados segundo esquemas específicos, com a finalidade de analisá-los, isto é, de, por meio da decomposição do todo em seus elementos, chegar a um arranjo dos dados que não existia anteriormente; acredita-se que a nova disposição dos mesmos levará a um conhecimento de significados implícitos ou latentes. As técnicas são diferentes em sua maneira de ser e de agir, sendo indispensável conhecer com clareza os princípios que lhes são subjacentes, o que

as distingue umas das outras, bem como os limites da ação que podem desenvolver. Seja qual for a técnica empregada, seu campo de ação para coligir os dados é constituído pelos documentos, que são registros da realidade em determinado momento e em determinado local, fornecendo informações ou servindo de provas para informações já obtidas. Eles se apresentam em geral sob três formas: documentos escritos; documentos orais; documentos iconográficos. Em qualquer dos três casos, podem eles existir na coletividade estudada, ou po29

 

Coleção  TEXTOS. Série 2,11. 10

dem ser fabricados pelo pesquisador. Os primeiros, cuja vigência indep end endee do cientista, são con stituíd stituídos os por registros registros de varia s fon fon-tes históricas, por estatísticas, por quaisquer apontamentos a respeito realidade, efetuados seja, na atualidade ou no dapassado. Neste último por caso,quem paraquer dar que um exemplo, a descoberta de um conjunto de simples contas antigas referentes a uma fazenda faz enda p aulis ta d ur an te o séc. XI XIX, X, deu lugar, pela sua análise, a um a ob ra que esclarece esclarece vários aspectos do custeio custeio de um a propriepropriedade nessa época 8 . Também as estatísticas oriundas de recenseamentos administrativos, os registros paroquiais, constituem docum ento entoss não fabricados fabricados pelo pesquisador. Émile Durkheim (1850-1918) foi um dos primeiros sociólog sociólogos os a se valer valer des ta d ocu ocum m entaçã o, de9

monstrando sua importância para o estudo de coletividades . Além destes documentos que já existem em todo grupo ou sociedade, os cientistas sociais podem fabricar outros para o esclarecimento rec imento de problemas que estão estudan do. A construção consciente e especializada de instrumentos para a coleta de dados se inici ini ciou ou provavelmente provavelmente n a Fran ça, no séc. XIX, c  com om um grande nome - Frédéric Le Play (1806-1882); utilizou em suas pesquisas tanto a observação direta, técnica qualitativa por excelência, mas também criou questionários para análise específica dos orçamentos familiares das camadas operárias européias 1 0 . Este instrumento de pesqu isa foi por ele ele organizado e codi codifi fica cado do pa ra poder p oder ca pta r dado d ado s de cen tena s de famíl família ias, s, dad os que eram tornad os com parávei paráveiss por ser utililizado uti zado sempre o mesm o questionário; quantitativam ente analisados,  su a imp ortância descritiva descritiva ficou paten te na s mais de quare nta Pereira de Queiroz, 1965. Durkheim, 1897. LePlay, 1855. 3

 

O P ES Q U I S A D O R , O P R RO O B LEM A D A P ES ESQ Q U I SSA A

monografias que conseguiu realizar em diversos países europeus. Ultimamente outros tipos de documentação têm sido criados pelos pesquisad pesq uisadores ores - as fot fotogra ografi fias, as, o registro oral por meio meio do gravador, os documentários filmados, O emprego emprego destes docuetc. m entos, se seja jam m ele eless oriundo s ou não d a atividade do pesquisador, requer uma crítica rigorosa para que sejam apli aplicados cados com com segu rança. No caso de já exis existitirem, rem, padecem de dup la influência influência d a subjetividade: a de quem fez o doc um ento e a de quem vai empregá-lo. Urge, pois, saber quando, como e com que intuito foram fabricados; a melhor crítica está em sua comparação com co m do cum entos provenientes de o utra s fontes fontes e versand o sobre o mesmo dado, pois as convergências e as disparidades podem reforçar a confiança ou mostrar que as suspeitas estão a exigir novos cotejos. Quando o pesquisador é o "fabricante" do documento, é indispensável que efetue primeiramente uma auto-analise em relação ao problema investi investigado gado pa ra desven d esven dar os juízo s de valor e as limitações que possui e desconhece: verifica sua própria posição diante da questão que deseja investigar, não apenas para um autoesclarecimento do que lhe vai pel peloo íntimo íntimo,, ma s para par a informar informar aqu eles que se servirão de seu estudo, devendo esta informação constar da introdução do mesmo. Em seguida, é imprescindível também a comparação com documentos que não foram fabricados por ele e que sirvam de comprovantes para a pertinência do dado que captou. A tualmente, a "fabr "fabric icaç ação" ão" de um docum ento pelo pesq uisador utililiza uti za vári vários os ins trum ento s mecânicos o utrora inexistentes: a fot fotograf gr afia ia,, o fi fillme, e, mais rece ntem ente, o gravador que registra reg istra en trevistas, depoimentos, histórias de vida. vida. Cada um deles tem s ua s vantagens  e sua s limitaçõe limitações, s, que devem devem ser cuidad osam ente investi investigadas gadas antes de se escolher sua utilização; todos eles exigem imperiosamente a comparação com dados de outras fontes, tanto mais que 3

 

Coleção  TEXTOS.  Série Série 2, n. 10

se trata de técnicas ainda mal conhecidas e mal empregadas nas Ciências Sociais So ciais.. O gravador é o m ais comum ente adotado, n a crença de que com ele fica limitada a interferência do subjetivismo do 11 que o aprofundar de sua utilização permite cientista;com ledoclareza engano, verificar . Não se le leva va em em c onta, tam também bém , que os gravagravadores possuem "linguagens" que lhe são específicas, isto é, sistem as de sinais m ecânicos por meio meio dos quais são registrados, armazenadoss e retransmitido s d ado zenado adoss e re refl flexõe exões. s. Cada tipo tipo de com putador possui o seu "idioma", esta expressão sendo aqui utilizada de acordo com seu verdadeiro sentido: ao mesmo tempo linguagem particular e única na maneira de associar as palavras como veículo de comunicação, e linguagem cuja utilização é difundida somente en-

tre uns poucos. Os "idiomas" dos computadores são específicos a cada marca, o manejo de qualquer deles exigindo um aprendizado que impede su s u a utilização utilização por qu alquer indi indivíduo; víduo; como como todo idioma, idioma, tem su s u as limitações limitações ao ao expressar a s idéias. A com Aoo se lançar mão do computador como meio de análise e de expressão, é indispensável verificar o campo que ele aba rca e o que fica for oraa de se u alcance, qua is a s implicações explícitas e implícitas de suas demarcações. Uma vez verificadas suas restrições, também se terá uma primeira noção de quais outras fontes serão indispensáveis para suprir o que fica de sua extensão. A exigência se repete a cada investigação, pois cada que stão tem também seu campo espe especí cífi fico co de extensão, extensão, dem andan do maior ou m enor detalhe n a confec confecçã çãoo do dado e da an álise. Ressalta-se assim o papel fundamental da "linguagem" nas Ciências Sociais, um a vez vez que ela é um conjunto socialmente instiPereira de Queiroz, 1991. In: SIMSON, Olga R. M. von (Org.).   Experimentos com históri histórias as de vida:  ItáliaBrasil. São Paulo: Vértice, Vértice, 1988. p.   14-43.

 

O PESQUISAD OR, O PROBLEMA DA PESQUISA

tuído e está estável vel de sinais ou de símbolos verbais ou esc escritos, ritos, emp regados  intencionalmente  pa ra a com unicação direta entre o eg egoo e o outro, mas também para o registro de pensamentos, de sentimentos,   de aspirações. que seja de pesquisa utilizado, dará lugar Qualquer a um  discurso,   istoo é,instrumento  isto ao desenvolvimento dos pensamentos do pesquisador por meio de seqüências de palavras ou de proposi proposições ções que se encadeiam, de operaç operações ões m entais parciais que se articulam em conjuntos de frases. A reflexão e seus resultados caminham de um julgamento a outro, passando por vários julgam entos inter interm m ediários pa ra cheg ar à com preensão de al algo, go, isto isto é, ao conhecim conhecimento. ento. Caminho percorri percorrido, do, con struçã o, conclusões, pertencem ao reino do quali qualitativo, tativo, só pode podendo ndo ser ccom om unicados unica dos e co comm-

preendidos por mei meioo das pa lavras. O qualit qualitati ativo vo figura figura abe rtam ente no in iníc ício io do trabalho, quan do são ap rese nta da s as proposições proposições teóricas;   retorna ao primeiro plano no final, ao serem expostas as inricas; terpretações e as generalizações. O qualitativo está, além do mais, constantemente presente em todo o desenrolar do trabalho, uma vez que sem a palavra nenhuma transmissão de saber científico é possível. possí vel. Na verd verdade, ade, som ente o procedim ento qualitativo possibi possibilili-ta um aprofundamento real do conhecimento e um a acum ulação do saber, dois predicados fundamentais da ciência. Nunca é demais, portanto, sublinhar a necessidade de uma formação específica do pesquisador em Ciência Sociais, de uma ampliação constante de seu leque de conhecimentos, de uma reflexão crítica intensa tanto com respeito às teorias quanto no que diz respeito às técnicas e, mais ainda, relativamente ao trabalho de pesquisa que se dispôs a efetua efe tuar. r. E stas exigênci exigências as são ao mesmo tem po a s base s e os instrumentos que tornarão confiáveis os resultados da investigação.

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RELATOS RELA TOS OR ORAIS: AIS: DO INDI INDIZI ZIVEL VEL AO DI DIZI ZIVE VEL L *

Maria Isaura Pereira de Queiroz

Revalorização do Relato Oral Não faz muitos anos, o "relato", denominado agora "história oral" ora l",, fe fez seu reap arecim ento entr entree as téc nicas de coleta de ma terial empregadas pelos cientistas sociais com tanto sucesso que, por muitos deles, foi encarado como "a" técnica por excelência, e até mesmo a única válida válida par a se contrapor às qu antitativa s. E nqu anto estas ú ltimas - reduzindo a realidade realidade socia sociall à ari aridez dez dos nú m eros pareciam amputá-la de seus significados, a primeira encerrava a vivacidade dos sons, a opulência dos detalhes, a quase totalidade dos ângulos que apresenta todo fato social. Diz-s Diz -see reaparecim ento porqu e, do começo do século ao iníci inícioo dos anos 50, a "história oral" fora utilizada por sociólogos como W. I. Thom as (1863-1947) e F. Znaniecki (1882-1958) em su a pes pesqu qu isa conjunta, d atad a de 1918-1920; ou como como Jo h n D oll ollar ardd (19 1900 00)) que pretendeu traçar-lhe a s regras de apli aplicação; cação; e tam bém por antropó logos,  entre os qu ais Franz Fran z Boas (1858-1942), geóg geógra rafo fo alemão alem ão convertido vert ido à antropologia e natu ralizad o am ericano em 1886, que recorecolheu relatos e depoimentos de velhos caciques e pajés a fim de preservar preser var do desaparecimento a m emória da vida tribal. Estes ciencientistas sociais encaravam a história oral e principalmente a história de vida como um instrumento fundamental de suas disciplinas.

 

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Porém, enqua nto Boas a empregava Porém, empregava sem sem gran des discussões, tanto Dollard Doll ard quanto qua nto Thom as e Znaniecki alertavam alertavam pa ra a s difi dificulda culdades des que apresentavam. Para estes dois últimos, a história de vida mostrava apenas um aspecto parcial p arcial da realidade; assim sendo , não podia ser utiliza utiliza-da isoladam ente, m as devia ser com pletada e esclarecida por toda a sorte de dados colhidos segundo outras técnicas. O monumental trabalho que empreen deram sobre o campo nês da Polôni Polônia, a, imigran imigran-te e em seu país de origem encerra, com efeito, coletas realizadas por meio de instrumentos de pesquisa os mais variados. Quanto a John Dollard, sua preocupação era as implicações psicológicas das histórias de vida. de  vida. Considerava-as  Considerava-as como aptas apta s para pa ra se conhecer como como se desenvolvia um indivíduo em seu meio sócio-cultural; estariam, portanto, muito coloridas pelo subjetivismo do informante, o que detu rpar ia s ua n arrativa. Porém, Porém, pa ra estes auto res, o rel relato ato oral oral se se apresentava como técnica útil para registrar o que ainda não se cristalizara em documentação escrita, o não conservado, o que desapareceria se não fosse anotado; servia, pois, para captar o não explícito, quem sabe mesmo o indizível. 12 O grande desenvolvimento das técnicas estatísticas, em fins dos anos 40, relegou para a penumbra relatos orais e histórias de vida, que pareciam demasiadamente ligadas às influências da psique individual. A técnica de amostragem com a aplicação de questionário surgia agora como a maneira mais adequada de se obter dados inquestionavelmente objetivos. Pouco a pouco se percebeu, no entanto, que valores e emoções permaneciam escondidos nos próprios dados estatísticos, já 12

  Th om as e Znaniecki (1927), Dollar Dollardd (1935) (1935),, Bo as (1942) (1942).. 36

 

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que as definições das finalidades da pesquisa e a formulação das perguntas estavam profundamente ligadas à maneira de pensar e de senti sentirr do pesquisador, o qual tran sp un ha assim pa ra os dados, de maneiratos.perigosa invisível própriadepercepção eivid seus preconceitos. preconcei Os númporque eros p erdiam s u sua a auréola pu ra obj objet etiv idaad e ,  patentea ndo -se dotado s de vi viez ezes es anteriores ao mom ento da cocoleta,, escondido leta escondidoss na formulação do problem a e do do questionário ; ocultos,  pareciam inexistentes... Porém influenciavam o levantamento, desviando-o desvi ando-o m uitas veze vezess do rumo que devi deviaa seguir. O desenvolvimento tecnológico, tecnológico, colocando à disposição do cientista soci social al novos meios de cap tar o real, co como mo o gravador, reavivou reavivou novamente o relato oral. As fitas pareciam agora o meio milagroso de conservar à narração uma vivacidade de que o simples registro no papel as despojava, uma vez que a voz do entrevistado, suas entonações, suas pausas, seu vaivém no que contava, constituíam outros tan tos dad os preci preciosos osos para e stud studo. o. Sem Sem dúvida, O scar Lewi Lewiss (1970 (1970)) fo foi um pioneiro neste sentido. sentid o. Muito embora emb ora se considere con sidere hoje discutível a maneira pela qual agiu, ao colher as várias histórias de vida de mem bros ddaa fa famíl míliia Sanchez, m ostrou co como mo utilizar utilizar um nov novoo meioo de registro, recolheu precioso repositório de dad os, criou documei m entos cuja cuja expl exploraç oração ão é ainda possí possível, vel, ap apesa esa r da s dúvidas levantadas. Como que se redescobri redescobriuu nes se m om omento ento o relato oral e se aquilatou de maneira positiva sua grande importância.

Relato Oral e Transmissão de Conhecimento relatoo oral con stituíra semNo entan to, através dos séculos, o relat pre a maior maior font fontee h um an a de conservação conservação e difus difusão ão do saber, o que eqüivale a dizer, fora a maior fonte de dados para as ciências em  

 

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geral. Em todas as épocas, a educação humana (ao mesmo tempo formaçã for maçãoo dê hábito s e trans m issão de conhecimentos, am bos m uit uitoo interligados) se baseara na narrativa, que encerra uma primeira transposição: a da experiência indizível que se procura traduzir em vocábulos. Um primeir primeiroo enfraquecimento enfraquecimento ou um a primeira mutilação ocorre então, com a passagem daquilo que está obscuro para uma primeira nitidez - a nitidez da palavra - rótulo classificatório colocado sobre uma ação ou uma emoção. A transmissão tanto diz respeito ao passado mais longínquo, que pode m esmo ser m ititol ológi ógico, co, qu anto ao passad o m uito recente, recente, à experiência do dia-adia-a-dia. dia. Ela se ref refer eree ao legado legado do doss a nte pa ssa do s e também à comunicação da ocorrência próxima no tempo; tanto veic veicula ula noções adqu iridas diretam ente relatando, pelo narrador, pelo quetransmite pode ininclusive ser o agente daquilo que está quanto noções adq uiridas po r outro s meios que não a experiência experiência direta, direta, e também antiga s tradições do grupo ou da coletivi coletividade dade.. O relato oral oral está, pois, na ba se d a ob tenção de toda toda a sort sortee de informações e antecede a outras técnicas de obtenção e conservação do saber; a palav ra parece ter sido senão a primeira, pelo pelo menos men os um a d as m ais antigas técnicas utilizadas para tal. Desenho e escr escriita lhe sucederam. Quando o "homem das cavernas" deixou, nas pared es desta, figuras figuras que se supõe formare formarem m um sentido estavam estavam transmitindo um conhecimento que possuía e que talvez já tivesse recebido um nom e, estan do já designad o pela palavra palav ra (LER (LEROI OI--GOURHAN, 1964). O frut frutoo de su as experiências e desco berta s fica ficava va as sim concretizado concretizado e pa ssa va a os dem ais, inclusi inclusive ve aos póstero s. Mais Mais tarde a escrita, quando inventada, não foi mais do que uma nova cristalização do relato oral. Desde que o processo de transm issão do saber se instala, imimplica pli ca im im ediatamen te na ex istê istência ncia de um narra dor e de um ouvint ouvintee 38

 

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ou de um público. Ao se operar a passa gem do oral oral par a um si signo gno que o "solidifica", seja ele desenho ou escrita, instala-se novo intermediário entre narrador e público. O intermediário pode ser também um ouviu indivídu indi víduo que funci funcione onemesma como trans issordesenho dos conhecimentos que deo outrem. Da formamque e palavra escrita constituem uma reinterpretação do relato oral, também o indivíduo intermediário, por mais fiel, acrescenta sua própria interpretação àquilo que está narrando. O gravador parece, à primeira vista, um instrumento técnico próprio própr io para anu lar, ou pelo pelo me nos p ara diminuir o poss possíve ívell desvi desvioo trazido traz ido pela interm interm ediação do pesqu isad isador. or. Logo Logo se viu, no en tan tanto, to, que o poder da máquina não era tão absoluto, e nem mesmo tão grande quanto se havia suposto, uma vez que a utilização dos dados nas pesquisas exigia, em seguida, a transcrição escrita. Uma parte do regist registro ro se perdia n a p assagem do oral oral par a o texto, texto, e este ficava igualado a qualquer outro documento (PEREIRA DE QUEIROZ, 1983). A vantagem era conservar com maior precisão a linguagem do narrador, suas pausas (que podiam ser simbolicamente transformadas transform adas em sinais convencionais convencionais),), a ordem que qu e dava às idéias. idéias. O documento resultante era sem dúvida mais rico do que aquele registrado pela mão do pesquisador, mas apesar de tudo havia um empobrecimento empobreci mento qua ndo com parado co com m a fita fita gravada, e de novo novo o pesquisador se tornava um intermediário que podia deturpar de alguma forma o que fora registrado. A fita, fita, porém, não é passível passível de ser gu ard ad a indef indefini inidamendament e . Se repetidas veze vezess emprega das por um mesm o ou por sucessivos pesquisadores que quiserem evitar a transcrição escrita, logo se deteri dete riora; ora; obter dela dela cópias em qua ntida de le leva va a de spe sas apreci apreciááveis, embora concorra para conservá-la. Toda fita, mesmo quando utilizada utili zada com parcimônia, parcimô nia, ain ainda da a ssim é fr frág ágilil,, ex exig igee cuidad os espeesp e39

 

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ciais para m ai ciais aior or durabilidade, durabilidade, e armazenagem armazenagem bas tante cara. A única forma de se conservar o relato por longo tempo está ainda em sua transcrição. Volta-se ao que se acreditara evitar com o gravador, isto é, à intermediação entredeturpações o narrador dela e o público para a utilização do relato, e àsescrita possíveis decorrentes. Tal constatação contribui para desfazer nova ilusão: a de que se deveria conservar a narrativa o mais próximo possível de seu registro, evitando a intervenção do pesquisador e a ocorrência de cortes que prejudicariam o conhecimento integral do dado recolhid o .  Tropeça-se aqui com algo que parece obstáculo intransponível: a nítida distinção distinção entre narrad or e pesqu isador, qu e é fundam ental. O pesquisador é guiado por seu próprio interesse ao procurar um narrador, pois pretende conhecer mais de perto, ou então esclarecer algo que o preocupa; o narrador, por sua vez, quer transmitir sua experiência, que considera digna de ser conservada e, ao fazêlo,,   segue o pendor de sua própria valorização, independentemente lo de qualquer desejo de auxiliar o pesquisador. Procurará por todos os meios relatar, relatar, com de talhes e da fo forma rma qu e lhe parece parece m ais satisfatória, os fatos que respondem aos seus próprios intentos, e tudo istoo pode convi ist convirr ou não ao pesqu isador, o qual ten tará então traz trazer er o narrador ao "bom caminho", isto é, ao assunto que estuda. M ai aiss tarde , ao utilizar o relato, o pesqu isad isador or o fará de acordo com co m s u as preo cupações e não com as intenções do narrado r, isto é, as intençõ es do nar narrad rad or, serão forçosamente sacrificadas. Assim, o propósito de ste último fica fica sem pre em segu ndo plano plano,, desde o iní iníci cioo da coleta coleta de dados . Em primeiro primeiro lugar, porque n ão coinci coincide de nu nc a inteiramente com os propósitos do pesquisador; foram os desejos deste que deslancharam o relato, sendo então predominantes sobre o intento do narrador. Em segundo lugar, porque o pesquisador utilizará em seu trabalho as partes do relato que sirvam aos objeti4

 

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vos fi fixad xados, os, destacan do os tópicos tópicos que co nsiderará úteis e desprezando os demais. Noutras palavras, desde o início da coleta do material, quem comanda a atividade é odeterminou pesquisador, pois foi do devido a seus interesses toda específicos que se a obtenção relato. Durante a entrevista, portanto, por mais que se procure deixar o narrador como senhor do que está expressando, o pesquisador terá sempre um a posiç posição ão dom inante. Que este mais tarde recorte o material segundo suas finalidades, afim de aproveitá-lo da maneira que melhor convenha a estas, não estará senão seguindo a mesma linha de dominação tomada desde o início e agora reafirmada de maneira mais clara. Na verdade, a narrativa oral oral,, um a ve vezz trans crita, se tra transfornsforma nu m docum ento semelhan te a qualquer outro texto texto escri escrito, to, diante do qual se encontra um estudioso e que, ao ser fabricado, não seguiu forçosamente as injunções do pesquisador; de fato, o cientista social interroga uma enorme série de escritos, contemporâneos ou não, que constituem a fonte de dados em que apoia seu trabalho. Recortes  de jorn al rela relatitivos vos à atualidad e, d ocum entos h istóri istóricos cos de variado vari ado tipo tipo e de diversas épocas, correspondência hodierna ou pa ssada, registros registros os m ais dive diversos rsos - sem esquecer a s estatísticas estabelecidas pelos governantes ou por instituições específicas - foram re redigi digidos dos ccom om intenções que na da tin ha m a ver com com a pes quisa que decidiu fazer; e não é por esta  razão que devam ser afastados co como mo menos ú teis. PPeelo contrár contrário, io, cons tituem hoje, hoje, como como con stituíram no passado, a base mais sólida sobre a qual se erguerá o edifício da investigação. investi gação. É sobre ela qu quee se realizará  o procedimento primordial de toda pesquisa - análise. E análise, em seu sentido essencial, significa decompor um texto, fragmentá-lo em seus elementos fundam entais, ist istoo éé,, separa r clarame nte os diver diversos sos compo nentes, re4

 

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cortá- los, a fifim de utilizar cortá-los, utilizar som ente o que é compatível com com a síntes síntesee que se bus ca. A ss ssim, im, diante de stas considerações considerações,, o escrúpulo escrúpulo em relação aos recortes d as histó rias orais e à sua utilização parcial, se afigura nitidamente como um falso problema.

História Oral, História de Vida "H istóri "Hist óriaa oral" oral" é termo amplo amp lo que recobre um a qua ntida ntidade de de relatos a respeito de fatos não registra dos por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se quer completar. Colhida por meio de entrevistas de variada forma, ela registra a experiência de um indivíduo indiví duo ou caso, de diversos indiuma indivíduos víduos de um u m a m esm a colet coletiisovi-vi dade.só Neste último busca-se convergência de relatos bre um mesmo acontecimento ou sobre um período do tempo. A história oral pode captar a experiência efetiva dos narradores, mas tam bém recolhe de sta s tradições e mitos, narrativa narr ativa s de fificç cção ão,, crenças existentes no grupo, assim co como mo relatos que contadores de histórias,  poetas, cantadores inventam num momento dado. Na dado. Na verda verdade tudo quanto se narra oralmente é história, seja a história de alguém, seja a história de um grupo, seja história real, seja ela mítica.

Dentro do quadro amplo da história oral, a "história de vida" constitui con stitui um a espécie ao lado lado de ou tra s formas formas de inf informação ormação também cap c aptad tadas as oralm ente; porém, dada dad a su a especif especifici icidade, dade, pode igu igualalmente encontrar um símile em documentação escrita. Trata-se de tipos de documen tos próximos próximos u n s dos outros, m as que é necessário distinguir, pois cada qual tem sua peculiaridade de coleta e de finalidade. Assemelham-se às histórias de vida, as entrevistas, os depoimentos pessoais, as autobiografias, as biografias; fornecem 42

 

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todas elas materiais para a pesquisa sociológica, porém diferem em sua definição e características. A for forma ma m ais antiga e m ais difundida difundida de coleta de dado s orais, na ciência sociai sociais, s, é a entrevista; considerad a m uita s vezes vezes como como como suas ciências técnica s por excelência, tem sido, ao contrário, encarada desvirtuadora dos relatos. Nunca chegou, porém, a ser totalmente posta de lado, o que dem ons tra su a imp ortância. A entrevista sup õe uma conversação continuada entre informante e pesquisadora; o tema ou o acontecim ento sobre que q ue versa fo foi escolhido escolhido por este último por convi convirr ao seu trabalh o. O pe squisado r dir dirige, ige, pois, a entrevista; est estaa pode seguir um roteir roteiroo previam ente estabelecido, ou operar aparentemente sem roteiro, porém na verdade se desenrolando confor conf orme me um a sistematização sistematização de assu nt os que o pesqu isador como que decorou. decorou. A captação dos dado s decorre decorre de su a maior ou m enor habilidade em orientar o informante informante par a discorrer sobre o tema; tema; é esta que conhece o acontecimento, su as c ircun stânc ias, a condição atu al ou h istórica, ou por tê-lo tê-lo vivi vivido, do, ou por deter a respeito in infor for-mações preciosas. Elas ora fornecem dados originais, ora complem entam dad os já obtidos de ou tras fonte fontes. s. Na verdade, a en trevista está presente em todas as formas de coleta dos relatos orais, pois estes impl implic icam am sem pre num col colóqui óquioo entre pesquisado r e narrad or. vez, se defi define ne como o relato de u m A história de vida, por su a vez, narrador sobre sua existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adqu iriu. N arr arrati ativa va linear e individua individuall dos acon tecimentos que nel nelee considera si signi gnifi ficat cativo ivo,, atrav através és dela se delineiam a s relações com os mem bros de seu grupo , de sua profissã profissão, o, de su a cam ada soci social, al, de sua sociedade global, que cabe ao pesquisador desvendar. Desta forma fo rma,, o interesse deste último está em cap tar algo algo que ul tra pa ssa o caráter individual do que é transmitido e que se insere nas coletivi43

 

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dad es a qu e o narrad or pertence. Porém, Porém, o relat relatoo em si mesmo contém o que o informante houve por bem oferecer, para dar idéia do que foi su a vida e do que ele ele mesmo é. A vanços e recuo s m arcam as histó rias de vida; e o bom p esqu isado isadorr não n ão interfer interferee pa ra restabelecer cronologias, pois sabe que também estas variações no tempo podem constituir indícios de algo que permitirá a formulação de inferências; n a coleta de histó rias de vida, vida, a interferência interferência do pesqu isador seria preferencialmente mínima. O utro aspecto fundamen tal da história de vida é ser ela ela um a técnica cuja aplicação demanda longo tempo. Não é em uma ou d u as entrevistas qu e se esgota o que um infor informante mante pode contar de si mesmo, tan to m ais que a du ração delas é limitada limitada devido devido ao cansaço. Al saço.  Aléém de exigi exigirr muitos encon tros com o narrador, também se deve contar q uan to levam deve levam os relatos para serem trans critos. FinalFinalmente, uma das dificuldades consiste em se chegar a pôr ponto final nas entrevistas, pois  o  o.. nai rádo r em geral afir afirma ma que tem sempre novos detalhes a acrescentar.. Não quer perder seu papel de personagem... Toda história de vida vida encerra u m conjunto de depoimentos, depoimentos, O termo foi muito mu ito cedo defini definido do juridic am ente , si signif gnific icando ando interrogações com a finalidade de "estabelecer a verdade dos fatos". Perde, porém, esta conotação nas ciências sociais, para significar o relato de algo que o informante efetivamente presenciou, experimentou, ou de alguma algum a forma forma co nhec eu, podend po dendoo assim cer certitifi ficar car..   O crédito a respeito do que é narrado será testado, não pela credibilidade do narrad or, m as sim pelo co cottej ejoo de seu relat relatoo com com d ados oriun dos de ou tra s varia das fontes, fontes, que mo strará s u a convergênc convergência ia ou não. Desta forma, for ma, n as ciências sociais, o depoim depoimento ento perde seu sentido de "estabelecimento tabelec imento da verdade" para manifestar som ente o que o inf infor or-mante presenciou e conheceu. 44

 

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 difer ferença ença en tre histó ria de vida e depoim ento es tá nnaa for forma ma A di espec específ ífic icaa de agir agir do pesquisado pesquis ado r ao utilizar cad a um a de sta s técnicas,  du ran te o di diál álogo ogo com com o iinformante. nformante. Ao colhe colherr um depoimento, omaior colóquio colóqui é dirigido dirigido dire tammas ente en tenapelo pesq uisa r; ppode ode fa fazê zê-l o com ouo menor sutileza, verdade temdonas mãos o -lo fio da meada e conduz a entrevista. Da "vida" de seu informante só lhe interessam os acontecimentos que venham se inserir diretamente no trabalho, e a escolha é unicam ente efetuada efetuada co com m este critério. critério. Se o narrador se afasta em digressões, o pesquisador corta-as para trazê-la de novo ao seu assunto. Conhecendo o problema, busca obter do na rrad or o essencial, fugin fugindo do do que lhe parece supérfluo e desn ecessá rio. E é muito m ais fáci fácill a colocação colocação do pon to final final n este caso,   assim que o pesquisad or considere ter obti caso,  obtido do o que deseja. A obediência do narrador é patente, o pesquisador tem as rédeas nas mão s. A entrevista pode se esgotar esgotar nu m só encontro; os depoimentos podem ser muito curtos, residindo aqui uma de suas grandes diferenças para com as histórias de vida. Voltando Volta ndo novam ente à s histórias de vida vida,, embo ra o pesquisador subrepticiamente dirija o colóquio, quem decide o que vai relatar é o narrador, diante do qual o pesquisador deve se conservar tanto quanto possível, silencioso. Não que permaneça ausente do colóquio, porém suas interferências devem ser reduzidas, pois o importante é que sejam captadas as experiências do entrevistado. Este é quem determ ina o que é relevant relevantee ou n ão n arra r, el elee é quem detém det ém o fio cond utor. N ada do que relata pode ser co nsiderado supérfluo, pois tudo se encadeia para compor e explicar sua existência. Pode ser difícil fazê-la concluir, pois há sempre mais e mais acontecimentos, m ais e mais detalhe s, m ais e mais re refl flex exões ões que a memória vai resgatando. 45

 

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Vê-se, portanto, que estabelecer diferenças entre histórias-de vida e depoimentos pessoais não constitui exagero exagero de pesquisador demasiadamente escrupuloso. A escolha de uma ou outra técnica não pressu põe a pen as diferenças diferenças na m aneira de aplic aplicá-la á-las, s, m as inclusive, e, sobretudo, diferença nas preocupações do pesquisador com relação aos dados que pretende obter. Noutras palavras, as diferenças recaem sobre o tipo de pesquisa que se quer realizar, pesquisa esta que, na sua especificidade, deverá requerer a aplicação da história de vida, ou a coleta por meio de depoimentos. Dois exemplos podem esclarecer estas divergências. Quando se buscou conhecer como se desenrolava a existência cotidiana de indivíduos indiví duos de baixa renda, n a cidade de S. Paulo, du ran te as décadas de 20 eque 30,tivessem a técnicasido escolhida foi a ou dasjovens histórias de vida de indivíduos adolescentes naquele períod o ;  e, como se tratava de histórias histó rias de vida, não fora foram m elas limitadas lim itadas no tempo, mas, nas idas e vindas do narrador, chegaram sempre até os dias de hoje. No entanto, justamente porque se tratava de velhos, às vezes mesmo anciãos de muita idade, a atenção deles natu ralm ent e se vol voltou tou pa ra infância infância e mocidade, trazendo ao pesquisador aquilo que estava buscando (PEREIRA DE QUEIROZ et ai.,  1981).l3   No entanto, ao se estudar o carnaval da cidade de S. Paulo, tal co como mo se realizar realizaraa em variadas épocas até 30 /4 0, através de entrev en trev ista istass com velhos foliões foliões,, a técnica técn ica esco lhida foi foi a do doss depoimen tos. Tratava-se de conhecer n ão a seqüência d a vida vida dos mesmos,  porém as formas que hav ia tomado tom ado o fol folgu guee do no decorrer do tempo; para tanto , urgia conhecer tamb ém o que havia havia sido sido conta13

  É intere interessan ssan te ver verif ific icar ar que, a orientar esta pesquisa, não havia havia ainda a autora refletido suficientemente sobre a terminologia e a técnica que estava empregando do,,   tendo utilizado assim "depoimentos" como sinônimo de "histórias de vida". Na verdade, esta última técnica fo foi a empregada. 46

 

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do por pais e avós, além de saber como todos se divertiam durante as fo folilias as de Morno. Um aspecto e ra mesm o essencial: quais quai s os grupos e coletividades participantes, a que camadas sociais pertenciam, cia m,deixar quem eram os líderes líderesdonadiálogo organ ização organização da festa. festa. N ão era possível a iniciativa aos informantes; cabia ao pesquisador orie orientá-l ntá-loo de modo a colher a maior quantida de possível de material. 1 4   O pesquisador guiava, pois, a narrativa do informante. Como se verifica, na história de vida o colóquio é conduzido pelo pe lo narrador, que detém detém a condução do relato, relato, enqu anto nos depoimentos é o pesquisado r qu e aberta m ente o dir dirige ige.. Embora n a história de vida o pesquisad or se ab sten ha de inintervir e a maneira de se realizar caiba ao narrador, na verdade o pesquisador foi quem escolheu o tema da pesquisa, formulou as questões que deseja deseja escl esclarece arecer, r, propô s os problemas. O comando é dele,  muito embora procure não intervir durante a narração; não impõe, impõ e, portanto, os temas ao informante, informante, que os abord ará ou não, a seu critério. critério. No caso da pesquisa pesq uisa pa ra esclarecer o cotidiano paulispaulis tano de pessoas de baixa renda entre 1920 e 1937, uma das questões que o pesquisador tinha em mente era saber como os inform an antes tes haviam vivenciado vivenciado ocorrê ncias como as revoluções de 1924, 1930,   1932. Todavi 1930, Todavia, a, se o informante na da diz dizia ia a respeito, tam bém nada perguntava o pesquisador, não tentando "avivar a memória" de seu interlocutor. Ao con contrário, trário, a "fal "falha ha da m emória", en co contr ntrada ada em vários casos, podia ser reveladora da forma forma de participação d esta parcela de população em tais acontecimentos. Verificar também se a "falha" ocorria mais nos relatos femininos, e muito menos nos masculinos, também era al algo que não podia ser desprezado. 14

  A técn  técnica ica de depoimentos depoimentos fo foi abu ndantem nda ntem ente empregada por Olga Rodrigues Rodrigues de Moraes Mora es vo vonn Simson (1981), (1981), em sua s ua s p esqu isas sobre o carnaval paulista, ainda em curso. 47

 

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Além de distinguir histór Além histórias ias de vida e depoimen depoimentos tos pessoais, p essoais, é preciso ainda destacar a diferença para com autobiografias e biografias. Narrar sua própria existência consiste numa autobiografia, e toda história de vida poderia, a rigor, ser enquadrada nesta categoriaa tom ada em sentido lato. M as no sentido restrito a autobiogragori fia existe existe sem nen n en hu m pesq uisado r, e é ess a s u a forma forma es espec pecíf ífic ica. a. É o na narra rra do r que, qu e, sozinho, m an anipu ipula la os meios de regist registro, ro, quer seja seja a escrita, quer o gravador. Foi ele também que, por motivos estritamente pessoais, se dispôs a narrar sua existência, fixar suas recordações; deu-lhes o encaminhamento que melhor lhe pareceu e, se utililizou uti zou o gravador, não nã o raro ele mesm o efetua em segu ida a tra ns crição, ou pelo menos a corrige. Na autobiografia não existe, ou se reduz ao mínimo, a intermediação um pesquisador; o narrador se dirige diretamente ao público, e dea única intermediação está no registro escrito, quer se destine ou não o texto à publicação. A biog biografi rafia, a, por su s u a vez, vez, é a histó ria de um u m indivíduo redigida por outro. Existe aqui a dupla intermediação que a aproxima da história de vi vida, da, consu bstan ciada na p resenç a do pesquisador pesquisador e no no relato escrito escrito que sucede suce de à s entre vistas . O objet objetiivo do pesqu isador é desvendar a vida particular daquele que está entrevistando ou cujos documentos está estudando, mesmo que neste estudo atinja a sociedade em que vive o biografado, o intuito é, através dela, explicar os comportamentos e as fases da existência individual. A individual.  A finali finalidade é sempre um personagem, isto é, uma pessoa encarada em suas ações e em suas qualidades, naquilo que faz e diz através do tempo, em variadas situações e circunstâncias. Busca-se conhecêlo através d a suce ssão de s ua s co ndu tas e segundo dois pri princí ncípios pios fundamentais, que orientam tanto as entrevistas quanto o relato posterior: poster ior: o personagem sempre se revel revelaa em seu s comportamentos que compõem um todo integrado, de tal maneira que este todo não

 

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poderia ser dividido sem se encontrar imediatamente destruído; o personagem é um indiví indivíduo duo especial e par particula ticula r, diferente diferente de todos os outros, dos quais se destaca. Uma ve vez esta s são ao as escrever-lhe carac terísticas de um épersonagem a finalidade dez que um biógrafo, a história, oposta à de, um pesquisado r ao utiliz utilizar ar a técnica de histó rias de vida. O primeiprimeiro fará ressaltar em seu trabalho os aspectos marcantes e inconfundíveis do indivíduo cuja existência decidiu revelar ao público. O segundo busca, com as histórias de vida, atingir a coletividade de que seu informante informan te faz faz parte , e o enc ara, pois, como como mero re prese ntante d a mesm a através do qual se revel revelam am os traços d esta. M es esmo mo que o cientista social registre somente uma história de vida, seu objetivo é captar o grupo, a sociedade de que ela é parte; busca encontrar a coletividade a partir do indivíduo. O biógrafo, mesmo que retrate retr ate a sociedade de que seu p ersonag ersonagem em participa, o faz com o intuito de compreender melhor a existência do biografado. Uma segunda diferença, agora na maneira de serem utilizadas biogra biografi fias as e histórias de vida, se depreende aqui tam bém . J u s tamente porque se trata de um indivíduo considerado em sua integralidade, a biografia não pode ser decomposta em elementos ou utiliza utilizada da em fragmentos, fragmentos, sob pen a de se perder com pletamente o sentido de que se procurava: o desenvolvimento da personalidade, isto é, do "eu" único e permanente que, embora evoluindo através do tempo, mantém certa linha constante que o distingue dos demais. É este o caso da biogra biografi fia, a, m as tam bém da util utilizaçã izaçãoo d a história de vida pela psicologia, mesmo quando trata das relações entre um indivíduo e sua sociedade. Por isso, quando apenas parte dela é utilizada, pode induzir a graves falhas na análise e na compreensão do que se quer estudar.

 

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Esta exigência não tem   razão  de ser quando se trata de um estudo sociológico ou antropológico. Neste caso, o aproveitamento da biografia ou da autobiografia se faz no sentido de buscar como estão ali operantes do indivíduo isoladamente, com seu grupo, sua sociedade. Não as se relações trata de considerá-lo nemcom de compreendê-lo em su a un icidade; o que se quer é captar, através de seu s com portam entos, o que se pa ssa no interior interior das col colet etivi ividade dadess de que qu e participa . O indivíduo indivíduo nã o é mais o "único"; "único"; el elee agora é um a pessoa indeterminada, que nem mesmo é necessário nomear, é som ente u nida de dentro da coletivi coletividade. dade. Todav Todavia ia,, em seu anonim ato, contém o indi indivíduo víduo nu m micro microcosmo cosmo a s configura configurações ções que su a cocoletividade abarca, ao ordenar umas em relação às outras unidades, de que se compõe o grupo. O recorte do material não somente se toma viável, agora, como até mesmo imperioso, pois são facetas do mesmo que serão utilizadas. Embora colhidas com finalidades muito diferentes, autobiografias e biografias são perfeitamente utilizáveis pelos cientistas sociais como material de análise. Ambas, principalmente se bem feitas,   podem constituir excelentes repositórios de dados que, no feitas, entanto, devem ser verificados e completados por informações de outras fontes. Pode-se dizer que autobiografias e biografias, desse ponto de vista, estão em convergência com histórias de vida e depoimentos pessoais para o esclarecimento de um dado ou de um momento histórico; porém não se confundem com estes. Também devem ser manuseadas com muito cuidado. Justamente por se tratar da análise de uma personalidade, não raro encarecerão o que é peculiar ao indivíduo estu da do . O ra, o que o soci sociól ólogo ogo trab alha vai à direção do que é coletivo, isto é, do que é geral, não se detendo nos p articularism os. S ua dir direção eção é opo sta à dos biógr biógraf afos os e dos psicól psicólogos. ogos. 5

 

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Histórias de Vida: Características Quando John Dollard examinou os critérios que tornariam aceitáveis históriasjustamente de vida como de estar dadoslidando para o sociólogo, astropeçou com fornecedoras o problema de com co m o desenvol desenvolviment vimentoo d e um indi indivíduo víduo dentro de d etermin ada sociedade e, portanto, de estar abarcando o comportamento deste, e não diretamente os dados sobre a coletividade em foco. E quando, no período período em que publicou pu blicou seu lilivro vro,, outros outro s cien tistas sociais co cogi gi-taram do aproveitamento deste tipo de material, assim como dos depoimentos orais, pareceu a muitos deles que a interferência da subjetividade do narrador falseava de maneira perniciosa as entrevistas. Franz Boas, porém, colhendo os relatos de anciã os da s tribos no rte-am ericanas, não se deixou deixou deter por este a specto. Tenci Tencioonava reconstruir, através do que reunia, reun ia, a organização organização deliqüescente dos grupos a fifim de compreendê-los. O que lhe cham ou a atenção foi a relativa independência de certos fatos culturais, que os fazia persistirr mesm o qu and o desorganizado persisti desorganizado o grupo em que haviam p reviamente existido. Descobria assim a condição   sine qua non  para que a história de vida e os relatos relatos o rais sobre o pas sado pu dess em ser utilizados: valoresestes são encontrados na memória dos maiscomportamentos velhos, mesmo equando não vivem mais na organizaçã organi zaçãoo de que haviam haviam partici participado pado no passa do, e assim se pode conhecer parte do que existira anteriormente e se esmaecera nos em bates do tem tem po. Realmente, Realmente, se a memória de determina dos valovalores e com portamen tos se desf desfiz izess essee co com m o desaparecim ento da s organizações sociais, então seria impossível a utilização dos relatos orais em em geral, geral, e da s histórias de vida em em p articular, na análise de coletivida colet ividades des e socied ades. 51

 

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Muito ante an tess de Doll D ollard ard e de Boas, Boa s, os sociólo sociólogos gos Th Thom om as (americano) e Znaniecki (polonês) haviam utilizado história de vida em seu célebre célebre trabalho sobre os campon eses poloneses que permaneciam ci am em s ua pátria e os que haviam haviam emigr emigrado ado para os Estados UniUnidos.   Porém, as preocupações de Dollard não haviam constituído dificuldades difi culdades pa ra am bos bos,, que consideraram consider aram , ao contrário, contrário, a história de vida como excelente técnica de coleta de material. Chamaram a atenção aten ção,, todavia, para pa ra o fa fato to de não poder ela ser utilizada utilizada sozinha numa pesquisa, pois não fornece base empírica suficiente para se levantar inferências; deve, portanto, ser sempre completada por material colet coletado ado de outra m aneira. De fat fato, o, estes auto res trabalharam com grande cópia de documentos escritos, como por exemplo, apermanecido correspondência entre(THOMAS os imigrantes imigrantes e se us pa rentes haviam na Polônia e ZNANIECKI, 1927).que haviam A constatação destes dois cientistas sociais, proveniente da experiência que realizaram, chama a atenção para um aspecto que foi em seguida retom ado por m uitos ou tros pe squisadores: o da necessidade de um a com plementação proveniente proveniente de ou tras font fontes. es. A justifi just ificati cativa va deles era de que nu nc a se poderiam poderiam obter grande grandess quanq uantidades de histórias de vida sufi suficie cientes ntes pa ra d ar em basam ento empírico satisfatório e amplo que permitisse chegar a conclusões. Na verdade, todo registro de uma história de vida, mesmo quando hoje é feito por intermédio do gravador, desliga-a do contexto em que se deu a entrevista; e esta falha é mais ma is grave grave se a entrevista teve teve lugar fora dos lugares em que o informante habita ou trabalha. De fato, nem a escrita do pesquisador, nem o gravador registram o local onde se p as sa o col colóqui óquio, o, ou o lo local cal onde o informante informante hab habita, ita, am pu tand o o ma terial de um a preciosa preciosa   mésse que pode encerrar detalhes primordiais. A falha é muito mais importante na coleta de histórias de vida do que nos depoimentos orais; a focalização destes 52

 

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sobre determinado ponto, su a concen tração sobre um dado preciso, preciso, exclui a utilização de elementos circundantes, que, pelo contrário, seriam esclarece dores no caso de histórias de vida, como comprovantes,Naouverdade, como demonstradores contradições. é específico dasdeciências sociais necessitar sempre o pesquisador de dados colhidos de fontes as mais variadas, quando quer abarcar de forma ampla a realidade que estuda. A unanimidade a esse respeito tem sido constante (POIRTER, CLAPIER-VAL VALLLADO ADON N e RAYB RAYBAU AUTT, 1983); 198 3); mesm o aqu a qu ele eless que q ue se m anifes anifes-taram de modo muito entusiástico a respeito das histórias de vida reconheceram que a utilização somente delas resultava em trabalhos limitados. A maior dificuldade estava em que a coleta de uma história de vida é de du ração lon história longa; ga; as entrevistas não podem ultrapassar certo lapso de tempo porque são cansativas, devendo ser empregadas com intervalos. Para os idosos, a quantidade de colóquios deve ser grande quando se revelam bons informantes, a fim de se coletar o maior núm n úm ero possí possível vel de informes. Este alongam ento no tempo tempo é acrescido acrescido por um a transcrição (que consome h ora s e  sendo trab alho sa e aborreci aborrecida), da), assim como por um a an álise horas, sendo horas, forçosamente demorada. Desta forma, é muito difícil conseguir m uitas histórias h istórias de vida que forneç forneçam am ba se empírica sufic suficiente ientemente mente larga para se chegar a algum g rau de certeza, larga certeza, a não ser por m eio de uma pesquisa que demore vários anos. O meio de se fugir a este obstáculo estava estava em em ju n ta r à técnica em pau ta um a coleta coleta de dados utilizando outros procedimentos. Mesmo Mes mo a utilizaç utilização ão de depoim entos orais, cuja obtenção o btenção é m ais breve, bre ve, apo nta p ara dificulda dificuldades des inerentes à próp ria natu reza do informe. fo rme. N unca é dem ais lem brar o belo trab alh alhoo de Germ aine Till Tillio ionn (1973) sobre os campos de concentração nazista em que esteve detida durante a Segunda Grande Guerra, e que teve como uma das 53

 

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fontes de dados, além da vivência da autora, uma larga coleta de depoimentos orais. Seu intuito era d esvendar o destino dado a priprisioneiras que periodicamente eram retiradas do campo. Verificou que depo imen tos eemque su a própria p rópria recorde ação recordação do que fora vive fora vivennciado cia doossedepoimen orientavam direções diferentes diferentes não raro contraditório. Resultavam do fato de que, individualmente, haviam os informantes captado som ente um a parcela da realidade realidade de Ravensbrück, Ravensbrück, e a narrativ nar rativ a de ca da aco ntecimen ntecimento to era diversa diversa ou conf confor orme me ca da indiindivíduo víd uo se encontrasse n um a ou n ou tra situação, ou ou de acor acordo do com com a sensibilidade e a experiência passada de cada um. Verificou assim a au tor toraa a impossibilida impossibilidade de de base ar su a análise - que deseja desejava va socio socio-lógica - simplesmente nos relatos de seus companheiros e em sua experiência pessoal. Organizou experiência Organizou então en tão um u m a coleta coleta  de de dados  dados muito mais ampla, a fim de que da complementação e do cotejo entre eles, se reformulasse uma imagem do campo de concentração cuja confiabilidade fosse muito maior do que a que resultava dos depoimentos. Há qu e se observar, observar, no entan to, qu e a necessidade de se acrescentar outras fontes às histórias de vida não invalida a possibilidade de util utiliza ização ção de um a ún ica d entre elas, pa ra o conhecimento conhecimento de prob lem lemas as de um u m a colet coletivida ividade. de. É certo certo que toda to da pe squ isa sociol sociológi ógi-ca, quer utilize técnicas como a história de vida, quer outras técnicas diversas (inclusive e principalmente as quantitativas), ganha novas dimensões, maior profundidade, maior envergadura, desde que acomp anha das e complementadas por outras m aneiras de co co-leta. let a. Poré Porém, m, um a únic a história de vida vida,, desacom pan had a de captações com plem plementares entares de m aterial, desde que convenientemente anaan alisada, pode ser da maior importância impo rtância par p araa a defi definiç nição ão de problem as de um a col colet etivi ividade dade,, principalmente se o pesquisad or não conhece bem a esta; e, caso já possua uma visão da mesma e dados em quantidade apreciável, serve ela para um refinamento das observa54

 

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ções e das inferências, assim como para um controle. Certamente um a só hist história ória de vida não esgotará todos os aspectos e nem todas as interpretações dos fenômenos que se pretende esclarecer, mas sempre levanta ainda, relevante de novas questões acerca das aquais não do se havia cogitado ou série fornece perspectivas respeito que já se conhecia. Histórias de vida de indivíduos de camadas sociais cia is diversas a res respeito peito de um mesmo m omento ou acontecimento acontecimento são, por exemplo, preciosas co como mo fontes fontes de dado s e controle. O levantamento levantam ento ddaa história de vida tem tem sido ora remetido p ara o início da pesquisa, a fim de se formularem questões pertinentes cujaa investigação cuj investigação seria efet efetuada uada por mei meioo de eemprego mprego de ou tra s técnicas ora é empregado como elemento de controle para certos resu ltados obtidos obtidos através de outros procedim entos. Num e nou tro caso, chega-se por meio dela aos valores inerentes aos sistemas sociais em que, vivem os informantes, que dados como os estatísticos certamente não fornecem. No entanto, uma vez captada e analisada um a história de vida, apr aprese ese nta ela informaçõe informaçõess cuj cujaa amplitude am plitude pode ser em seguida pesquisada por meio de amostragem estatística e utilização de questionários. A diversidade de modos de emprego das histórias de vida e dos orais mostra dostodos dadososque captam soea este depoimentos respeito, atualmente, maisa riqueza ou menos cientistas ciais são concordes. Não se nega mais também, que mesmo uma única história de vida possa ser objeto de um estudo sociológico aprofundado e frutífero. Todo fenômeno social é total, dizia Mareei Mauss nas décadas de 20. O indivíduo é também um fenômeno social soci al.. A spec spectos tos impo rtantes de su a sociedade sociedade e do seu grupo, comportamen tos e técnicas, valor valores es e id ideol eologi ogias as podem podem ser ap anh ado s através de sua história. 55

 

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Na verdade, tudo quanto recolhe o cientista social se compõe de histórias, ou de parte de histórias de indivíduos, ou pode nelas ser transformado. No entanto, encontrar histórias de vida a partir de material colhido em pesquisa não pode ser confundido com a técnica empregada para registrar a realidade, isto é, com modos de agir peculiares à coleta de material. De quase todos os documentos podem pode m ser se r extraíd ex traídas as histórias hi stórias de vida vida;; mas ma s isto não quer dizer dizer que o cientista social esteja a todo o momento utilizando a técnica das histórias de vida. Técnica é procedimento ou conjunto de procedimentos, de modos de fazer bem definidos e transmissíveis, destinados a alcançar determinados objetivos; como todo procedimento, é ação específica, sistemática e consciente, obedecendo a determinadas normas e visando determinado fim; é conservada e repetida se sua eficiência for comprovada pelos resultados obtidos. Toda técnica é mecanismo de captação captaçã o do real, em sociol sociologia, ogia, e não pode ser confund confundida ida com o material reunido, isto é, com os dados. A captação de dados nas ciências sociais pode servir para a construção de biografias, porém, não é esse o trabalho do pesquisador. A atividade que este desenvolve no tempo e no espaço se destina a resolver questões propostas por relações existentes no interior de coletividades. Para

ele,   o levantamento de dados é o prime primeiro iro momento momento de um um process processo o que se desenrola em várias fases, isto é de modificações em seqüência, se escalonando a partir do projeto de trabalho, passando pela coleta do material, pela sua análise, até chegar ao término com o relatório final ou a publicação do livro. A coleta do material através de histórias de vida limita-se a um momento específico da pesquisa e não perdura pela totalidade da realização desta, nem é representativa da totalidade da mesma. 56

 

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O material levantado é, por sua  vez, um conjunto de informações reunidas de acordo com um ponto de vista e um sistema conjunto empírico que deve, em seguida, ser trabalhado por outros procedimentos a descrição, a análise, o se levantamento de inferência infer ências, s, a comp co como mp reensão, a explicação, explicação, os quais suce dem como fases diferentes e inconfundíveis.  inconfundíveis.   O m  material aterial um u m a vez vez recol recolhido hido permanece igual a si mesmo no tempo e no espaço, desde que conservado com o devido cuidado. Ao correr dos anos, encerrará sempre as mesmas informações, servindo para outras pesquisas que levarão a confi confirmações rmações ou a novos conhe cimen cimentos tos c comprovações. FruF ruto de procedimentos do pesquisador, não pode ser confundido com as técnicas utilizadas para a coleta, e nem com qualquer momento da pesqu isa. A técni técnica, ca, como se vê, na da mais é que a ferr ferramenta amenta destinada a desencavar desencavar o dado. A história de vida, como qualquer outro procedimento empregado n a coleta coleta de dad dados, os, é, pois, um ins instrum trum ent ento, o, não é nem colet coleta, a, nem produto final da pesquisa; ela recolhe vm material bruto que necessita ser analisado . Porém, Porém, o material bruto, um a vez vez registraregistrad o ,   permanece inerte e imutável através do tempo, tendo as mesmas características de persistência e identidade que possui qualquer documento e, como estes, durando através das idades desdeoutro que convenientemente armazenado. O início da utilização das histórias de vida como técnica de coleta em regiões diferentes mostrou convergências interessantes. Nos Estados Unidos, o desaparecimento de tribos indígenas levou ao emprego emprego de variad as formas de história h istória oral, com com o objet objetiv ivoo de se conservar conse rvar pel pelo menos a lem brança de sua organiz organização ação e costum es. Na Europa, e principalmente principalmente n a França, a transformação do esti estilo lo de vida dos cam pon eses a partir p artir de fin finss do séc. XI XIX X fomentou tam 57

 

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bém a-c a-col olet etaa de relatos orais, de depoimentos p essoais, de histórias de vid vida, a, visando visando re gistrar as m an eira s de agir agir e de pen sar exist existenentes nu m a organização social social que se apagava. A qu ase inexis inexistênci tênciaa de documentos escritos, assim como de outras formas de conservação de informações, determinou o desenvolvimento de técnicas que permitissem o armazenamento de dados do passado e também de costumes que, ainda existentes, iam pouco a pouco caindo em desuso. Em m uitas reg regiõe iõess da Franç França, a, por exemplo, exemplo, vi viver veram am os camponeses, até a década de 20, em estruturas sócio-econômicas e culturais que persistiam havia longo tempo. Continuavam muito importan tes os liames liames do paren parentesco, tesco, a s alianças matrimoniais matrimo niais tradicionais; tradicionais; valorizava-se a experiência dos mais velhos, sempre respeitados; na infra-es infra -estrutu trutura ra m aterial do cotidi cotidiano ano inexistia inexistia água águ a corrente, luz el eléétrica, estradas asfaltadas; e apesar da leitura e da escrita se terem difundido desde a segunda metade do séc. XIX, a transmissão de conhecimentos por via oral e pela experiência direta continuava de grande rel relevânci evância, a, sob a orientação dos m ais velhos velhos que detinham o saber prático referente às atividades agrícolas e aos ofícios. A reformulação da infra-estrutura material, a expansão dos meios de com unicação unicação,, determ inou a utili utilização zação crescente da escrita esc rita como veí veícul culoo de registro e transm issã o de conhecim entos; os livro livross fora fo ram m sub stituind o cada vez vez mais os ens inam entos dos velho velhos. s. A transmissão oral perdeu paulatinamente importância; com ela decaiu a influência dos idosos, cujos conhecimentos não eram mgis tão adequados ao novo contexto sócio-econômico que emanava das grandes aglomerações urbanas. Na antiga sociedade camponesa, continuidade e preservação haviam constituído valores muito impor tantes pa ra a orientação orientação dos comp ortamentos; na sociedade sociedade que agora despontava, a atenção de adultos  adultos   e  jovens focalizava modifi58

 

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cações e transf cações transformações ormações co como mo atributo s fundam entais de um a vida vida que se queria moderna. O desaparecim desaparecim ento de sistem as e valore valoress que aco m panhav am a estrutura de uma sociedade "tradicional", a anulação da própria lembrança deles, parecia iminente. Os anciãos seriam as últimas testem un has ainda existentes de um est estililoo de vid vidaa que se des desfa fazi zia, a, e esta constatação levou cientistas sociais franceses a se interessarem re m pela história oral oral em em tod as as su as formas. Da década de 50 em diante, foram elas complementadas por filmes, por audiovisuais, por video videocassetes. cassetes. Tratav Tratava-se a-se de res resgu gu ard ar falas, falas, opiniões, aspecto físico, gestos dos idosos, além dos discursos, pois também constituíam algo do passado. A organização de arquivos e museus foi muitas vezesentos paralela técnicas, vam docum sobreàosutilização antigos mdestas antigos odos de vida. que armazenaNo enta nto , par a a s ciências sociais, sociais, o imp ortante n ão é nem armazenar documentação, nem reconstituir antigas sociedades ou épocas, mas atingir um problema de estrutura social por meio de mec ânicas específi específicas cas de coleta de dado s. Th Thom om as e Znaniecki, dos primeiros a utilizar histórias de vida, pretendiam esclarecer questões liga ligadas das à integração integração de im igrantes eu rope us e de de ou tras pro proveveniéncias, que a partir de meados do séc. X  XIIX passaram a chegar em grande quantidade aos Estados Unidos. Procuravam, por meio da história oral, conhecer as mudanças ocasionadas na sociedade de chegada e na s pró prias sociedades de orig origem em deco rrentes da partida dos que migrava migravam. m. Tratava-se de um problema contem porâneo e não mais de uma tentativa de recuperação do passado. Mais tarde, também Oscar Lewis se preocupou em conhecer as relações familiares de indivíduos de baixa renda no México, sobre os quais ou escasseavam ou inexistiam inexistiam dado s. O simples arquivamento do material, nestes casos, passa a constituir um derivado 59

 

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interessante, porém o objetivo principal é outro. Para esclarecer a que stão escolhida pelo pelo pesq uisado r n ão é necessário recorrer recorrer a pessoas idosas; torna-se primordial destaca r informantes cujos cujos relat relatos os cubram o campo investigado. Em se tratando de Oscar Lewis, foi imprescindí impres cindível vel entrevistar tamb ém jovens, p ara se perceber, perceber, no interior da família, como se estabeleciam as relações entre diversas faixas de idade. Conhecer o relacionamento no interior da constelação familiar se tornava possível através das narrativas de pais, de filhos, de parentes que com eles convivessem. Todavia, enquanto Thomas e Znaniecki utilizaram os relatos orais como documentos iguais a quaisquer outros, Oscar Lewis ficou de tal modo fascinado pela riqueza das histórias de vida que julgou não necessitar o sociólogo de análises e inferências; bastava que toma sse conh ecimento do material empíri empírico co em em seu estado "natural". Não desenvolveu, pois um estudo, mas quis levar de maneira direta aos interessados o conhecimento de seus dados, realizando tão somente a transcrição das fitas gravadas; efetuou, isso sim, uma limpeza e ordenação dos relatos para compreensão mais fácil e amena por parte do leitor. E quase transformou seu material em literatura... O respeito à integridade das histórias de vida não foi somente praticado por O scar Lewi Lewis; s; vários pesquisado res tam bém hesitaram em aproveitar pa rtes do m aterial colhido, colhido, como como se o desv irtuassem se não o conservassem em sua inteireza; apresentaram, portanto a história ou as histórias colhidas, tanto quanto possível, em sua totalidade. Não se dava conta de que relato escrito ou fita gravada constituem registro semelhante a qualquer outro dos habitualmente analisados. Se não se furtavam a utilizar destacadamente umas das outras, as respostas a um questionário, não havia razão para não recortarem, das histórias de vida, as passagens que diziam di60

 

RELATOS   ORAIS:  D O " I N D I Z Í V E L " A O " D I Z Í V E L "

retamente respeito ao que estavam estudando. Tal utilização nao implicava impli cava em em m utilações do m aterial; relato escrito ou fit fita gravad gravadaa permaneciam intactos para serem empregados por outros pesquisado res. Desde que a história de vida ou os relatos orais nã o tin ham sido colhidos meramente para serem arquivados, urgia analisar os dados neles neles encontrados, escolhe escolhendo-os ndo-os na m assa b rut a do material coletado. A massa bruta completa ficaria arquivada, à disposição de outros cientistas para novas pesquisas, em absoluto não se perderia. Utilizada como instrumento de coleta de dados em ciências sociais, a história de vida deve forçosamente ser analisada e, portanto, fragmentada.

Histórias de Vida na Pesquisa Brasileira No Brasil, a técnica de histó rias de vida, depois de breve breve ap are-  cimento em fins fins dos do s ano s 40 e iní iníci cioo da décad d écad a de 50 1 5  permaneceu ignorada. No entanto, as características gerais da sociedade brasileira e principalmente a rapidez de suas transformações, deveriam ter leva levado do ma is cedo cedo os pesqu isad isadore ore s à utilização utilização de sta técni-

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  No Bra  BASTIDE parece  Brasil, sil, Roger Roger BASTIDE  parece ter sido o sido o primeiro  primeiro a utilizar utilizar as histórias de histórias de vida  vida como técnica de estudo, tendo suscitado também as primeiras reflexões metodológicas a respeito. Ver na revista   Sociologia, v. XV, XV, n. 1, març marçoo de 1953, seu artigo "Introdução "Introdução a dois estudo s sobre a técnica técnica da dass histórias de vida vida". ". Os dois estudos, constantes da mesma revista, foram: PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura, "Histórias de Vida e Depoimentos Pessoais" e Pessoais"  e J  JARDIM ARDIM MOREIRA, MOREIRA, Renato,  A hist  história ória de vida na pesq uisa socioló sociológic gica". a". Todo o conjunto está re-editado em PEREIRA DE QUEI DE QUEIROZ, ROZ, Mari M ariaa Isaura, Isa ura, "Variações "Variações sobre a técnica de técnica de gravador  gravador no registro da informação viva", S. Paulo, CERU/FFLCH/USP, Col.  Textos n. 4, 1983. Dessa mesma época, ligadas à mesma pesquisa sobre as relações raciais entre negros e brancos em S. Paulo, ver NOGUEIRA, Oracy,  Oracy,   A história de vida como como técnic técnicaa de pesquisa", S. Paulo,  Sociologia, v. 14, n. 1, ma mar.r. 1952.

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c a .16  Seu eclipse eclipse dura nte tanto tempo deveu-se à espéci espéciee de encantamento pelas técnicas estatísticas de amostragem com o emprego de questionários. Aos olhos dos cientistas sociais, as histórias de vida e, de um modo geral, o relato oral, oral, se apresentav aprese ntavam am "chei "cheios os de subjetividade", tanto do narrador quanto do pesquisador, constituindo assim instrumento que não raro levaria a desvios de observação e a interpretações errôneas.  reval evalori orização zação da h istória oral ocorrida ocorrida recenteme nte n a EuA r ropa despertou o interesse dos cientistas nacionais. Primeir Primeiramente amente foi a história oral que ressurgiu, suscitando iniciativas traduzidas na fundação dos Muse us da Imagem e do Som, e també m de grandes arquivos que armazenassem entrevistas com personalidades políticas Nestes se encerra a "memória" de algo que famosas. se perderia com repositórios o desaparecimento de pessoas mais velhas, nu m país em que sempre se deplorou deplorou a fal falta ta de docum entação para estudo. 1 7

Florestan FERNANDES utilizou a técnica de histórias de vida a partir de outros documentos, numa direção pouco usual nas ciências sociais: fez a análise da história de vi vida da de Ti Tiago ago Marqu es Aipo bureu, recolhida pelo etnólogo etnólogo  Prof.  Herbert BALDUS e figurando em seus "Ensaios de Etnologia Brasileira", S. Paulo, 1937; completou o traba lho com as observações efetuadas p elos pesq uisado res Antônio COLBACCHINI e César ALBISETTI, registra das em "Os bororó orientais, orarimogodoque do planalto oriental de Mato Grosso", S. Paulo, 1942. Trata-se tam bém de excele excelente nte exemplo de como um a ú nica história de vida vida pode ser ut util iliizada em profundidade para o esclarecimento de problem as sócio-antr sócio-antropológic opológicos. os. FERNANDES, Florestan, "Tiago Marques Aipobureu: um bororó marginal", "in" Mud anças Sociais no Brasil,  S. Paulo, Difusão Européia do Livro, 1960. Tiago Marques Aipobureu faleceu em 1958. Cite-se os Museus da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro e em São Paulo, que encerram hoje fartíssima documentação. Na Fundação Getúlio Vargas, o Centro de Pesquisas e Documentação (CPDOC) foi fundado com duplo objetivo: o de arquivo de história oral sobre as déc ada s que recederam e se se seguiram imediatame nte à Revolução Revolução de 30, e o de centro de estu do s sobre essa mesm a docum entação. Nele se imp imp rimia o desejo desejo de conse rvar a histó ria viva viva através de dep oimen-

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Além disso, o ri Alé ritmo tmo extraordinariame extraordinariame nte rápido de m ud an ças na sociedade brasileira devia forçosamente contribuir para a difusão da técnica. Quand Qu andoo se dá conta, por exemplo, exemplo, de de que em 1950 o meioo rural era h abitado por 70% da população e de mei de que em 1980 1980,, num per perío íodo do de 30 an os, a s proporções proporções se inverter inverteram am inteir inteirame ame nte, os hab itantes do mei meioo urban o p assa ndo então a 70%, compreendese que a conservação do que "foi" adquiria importância aos olhos dos estudiosos. Recolher a maior quantidade possível de testemunho s sobre formas formas de vid vidaa para a s quais nã o existam existam senã o p arcos registros; saber como agiam os "silenciosos", aqueles que pouco aparecem na documentação escrita, isto é, as camadas de baixa renda; saber como encaram sua existência diante das modificações velozes curso, larga abertura para a utilização de relatosemorais e deconstituiu histórias uma de vida. Porém, desse ponto de vista, não se tratava senão de armazenar a memória. A verdadeira utilização das histórias de vida como técnica específica de pesquisa neste país, não fez seu reaparecimento nem na sociologia, nem na antropologia, e sim na psicologia social. soci al. A fi finali nalidade dade foi o esclarecimento esclarecimento de problema prob lemass da mem ória enquanto atri-buto humano estreitamente dependente da vida social ci al e por esta alime ntada (BOSI BOSI,, 1979) 1979).. O traba lho pionei pioneiro ro se desenvol sen volveu veu em São Paulo, cidade cuj cujoo crescimen c rescimento to acelerado e tra ns formaçõe for maçõess radicais radica is constituem gran des provocações pa ra se inquirir o que "sucede com os processos de conservação das lembranças. Somente em seguida a esta primeira aplicação da técnica, foi ela estendida a investigações sobre aspectos propriamente sociais para tos e histórias de vi vida da dos remanescen reman escentes tes ddessa essa época. Também tem estud ado a técnica da história h istória de vida. Ver CAMA CAMAR RGO, GO, A spásia; spásia; ROCHA  ROCHA L  LIIMA, Valentina V alentina da, e HIPÓLITO, Lúcia (1984). 63

 

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os quais não se possuía farta documentação, fosse em camadas sociais inferiores, fosse em determinados grupos étnicos, fosse em certas categorias profissionais, 1 8   tanto no meio urbano quanto no meio rural. N estes casos, casos , é agora a sociol sociologi ogiaa que está em  jogo. Os m ecanism os d a mem ória, s u a ligação ligação com com a ba se biológic biológicaa e com o contexto sócio-econômico em que se dão as experiências individuais, não constituem para ela questões fundamentais. A organização de arquivos, a constituição constituição de acervos acervos de docum entação, o arm azenamento de dados, também por si sós não se colocam diretamente como co mo meta a ser alcan çada. O que se bus ca é o escl esclarec arecimento imento de relações coletivas entre indivíduos num grupo, numa camada social,l, nuNenhuma cia m conte contexto xto profissi profi ssional, onal, ou tramonolítico; s épocas e também sociedade é um ntodo em seu agora. interior

coexistem grupos e camadas sociais de diversos tipos, divisões por sexo e idade, coletividades coletividades varia da s. H istórias de vida de indivíduos com posições diferentes dentro de um grupo, quer sejam membros da mesma família (como já colhera Oscar Lewis), quer se trate de homens e mulheres, quer diga respeito ao contraste entre os mais velhos e os m ais  jovens, ser  servem vem p ar a dirimir dirimir dúvidas e aprofundar conhecimentos. E estas investigações transbordam das camadas inferior infer iores es p ara toda s as dem ais, um a vez vez que em tod as elas os mesmos problemas se colocam de descobrir relações ignoradas. No mei  meioo rura l, por exempl exemplo, o, as m ud an ças ex tremamente rápida s ocorridas em em São Paulo atingem indi indivíduos víduos de todas as camadas sociais; no entanto as pesquisas utilizem ou não histórias de vida, têm se voltado qu ase que qu e some nte par a as cam ad adas as inferiores inferiores..

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  Um bom exemplo são as pesquisas em curso de Demart Demartlnl lnl (1985). 64

 

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Não se aten ta para que, ainda há p oucos ano s, havia havia também , habitand o eem m su as prop riedades, grand es e médios proprietár proprietários, ios, e desconhece-se como vivenciaram a transformação que se operou em suas existências com sua implantação nas cidades.  '9  Além deles, toda uma gama de indivíduos citadinos está ligada aos habitantes do meio rural, não por auferirem diretamente do solo seu sustento, porém para servirem aos moradores urbanos: funcionários públicos (professores primários, tabeliães, delegados, etc), gente do setor terci terciári árioo (pequenos e médios comerciantes, p equen os indu in dustriais, striais, artesã os et c) . Como vi vive vem m eles as reviravoltas havidas hav idas com o êxo êxodo do dos campos e com as mudanças de relações de trabalho ali acontecidas? O esvaziamento do meio rural tem determinado também esvaziamento iamento da ignorado s cidades edel dele e depen dentesnão- aspecto do problemao esvaz que permanece praticamente estudado. Constituem as h istórias de vida, nestes c asos, excelentes excelentes técnicas para se efetuar um primeiro levantamento de questões, pois aind a fal falta tam m dad os a respeito de sta s; revelam revelam o coti cotidiano, diano, o tipo de relacionamento entre os indivíduos, as opiniões e valores e, através dos dados assim obtidos, é poss possíve ívell cons truir um pri primeiro meiro diagnóstico dos processos em curso. Alcança-se então uma visão do que ocorre ocor re,, cuja cuja extensão seria a seguir, seguir, nu m a o utra p esqu isa, investiinvesti19

  Um exe exempl mploo nu nca é demais. dema is. Em pequeno  survey,  efetuado no município de Toninha  (SP), na década de 60 , pelo pelo Centro de E studos Rurais e Urbanos, verif verifiicou-se que recentemente a grande m aioria aioria de fazende fazendeiro iros, s, sitiantes, agricultores, passara pass ara a habitar na cidade. Contavam que trab alha r era "como "como ir ao escrit escritório": ório": saíam de manhã para a propriedade e regressavam ã tarde, utilizando variados meios de locomoção de sua propriedade - tanto o cavalo, a charrete, quanto o automóvel  e o jipe. Esperava-se efetuar em seguida um a série de histórias de vida com produtores de variado nível econômico, tanto os que tivessem mudado de habitai quanto os que não o tivessem feito, para verificar o que experimentavam de material e concreto, e també  também m psicológi psicológica ca e valorativamente, valorativamente, com a mu danç a. Porém, Poré m, os "azares" da época em que se vivi viviaa en tão, impossibilitaram im possibilitaram   o prosseguimento da pesquisa. 65

 

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gada por meio de técnicas técnicas e statísticas de amostragem , por exempl exemplo. o. Vive-se hoje um momento privilegiado para se captar, por meio de história oral, e m ais particularm ente por intermédio intermédio de histórias de vida ou de depoimentos pessoais, a maneira pela qual diferentes cam ada s sociais, dife diferent rentes es g rupos, h om ens e mulh eres, várias fa faixas de idade estão experimentando as mudanças que ocorrem, segundo que valores as estão encarando, quais as normas que aceitam p ara se us com portamentos e quais as que rejei rejeita tam. m. Uma técnica qualitativa como a das histórias de vida pode coexist coexi stir ir tranqüilam ente com técnicas quan q uantitativas titativas co como mo a da amostragem, desde que cada uma delas seja aplicada a um momento específico da pesquisa. A técnica de história de vida é, em geral, m uito  ao útilsepanotar ra uma inexistência primeiro pri meiro levantamen to de questões e de o.probl probleeinexistênci a de conh ecimentos a respeito. respeit Tammas,  mas, bém é da m aior utilidade utilidad e como meio de veri verifi ficaç cação ão e de controle controle do do que já foi colhido colhido por ou tro tross m eios.  A técnic a quantitativa, quan titativa, sej sejaa a da amostragem ou outra, serve principalmente para se conhecer a intensidade de um fenômeno, o quanto se espraia por um grupo ou cam ada, co como mo atinge atinge grupo s e cam ada s diferentes. diferentes. Os dois dois conj conjununtos de técnicas não são opostos ou mutuamente exclusivos; são procedimentos a serem serem empregados em determin ados titipos pos de de pesquisa, ou em determinados momentos da mesma. 2 0  Não tem sentid o ,  nas ciências sociais, se tomar partido por este ou aquele procedimento, tanto mais que a obtenção de dados de fontes variadas, que enriquece um a pesq uisa, d etermin a a necessidade de se uti utililizaza20

  As pesq uisas utilizando utilizando técnicas qua ntitativas preconizam preconizam a realiza realização ção de um pré-levantamento. ou pesquisa-piloto, para se tomar conhecimento dos problemas existentes efetivamente. Histórias de vida são sempre repositórios destes problemas, podendo-se para tal consultar previamente as já existentes com o mesmo intuito da pesquisa-piloto. 66

 

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 A querela rem técnicas também v ariada s. rem s. A  querela é vã; o imp ortante é saber sa ber escolher a técnica adequada ao tipo de problema, à especificidade do dado e ao mom ento preciso da invest investigação. igação.

Histórias Históri as de vida: do indivi individual dual ao cole tivo A história de vida é contada por um personagem e gira em torno deste. À primeira vista, dir-se-ia que é algo eminentemente individual, sofrendo as distorções trazidas pela subjetividade do narrador. Esta colocação tem sua   razão  de ser; no relato de uma história de vida, o pesquisador colhe dados que indicam como se formou acias personalidade através de seqüências dee experiências experiên no decorrer deco rrer de do um tempindivíduo, tempo. o. "Indivíduo "Indivíduo" " sign signif ifica ica alguém qu que se tomou tomou isoladam ente, extraindo-o do interior interior de um a col coleti etivida vidade de para considerá-lo em si mesmo, naquilo que o distingue dos demais.  Quando se estuda a personalidade do indivíduo, admite-se que os predicados enco e ncontrad ntrados os são exclusivamente s eu s e não ocorrem em nenhum outro, por mais semelhante que possa ser; isto é, tanto sua constituição quanto suas qualidades o marcam como único, o distinguem dos demais de seu grupo, de sua sociedade. Indivíduo Indiví duo e personalidade seriam noções que recobririam aquilo que exist exi stee de mais ma is íntimo íntimo e de mais inconfundí inconfundível vel em alguém. Se o indivíduo obedecesse a determinações exclusivamente suas e inconfundíveis, então realmente as histórias de vida seriam impróprias imp róprias pa ra u m a análise a nálise soci sociológ ológica ica (MOR (MOREEIRA ap apud ud PE PEREI REIRA RA DE QUEI QUEIROZ, ROZ, 1983). No en tan to, o que existe de individual e único ún ico  é  exced num a pessoa pessoa é excedido ido,, em todos os seus se us aspe ctos, por u m a in infi fini ni-dade de influências que nela se cruzam e às quais não pode por nenhum meio escapar, de ações que sobre ela se exercem que lhe

 

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são in teiram ente exteriores. Tudo isto constitui o meio meio em que vive vive e pelo qual é moldada; finalmente, sua personalidade, aparentem ente tão pecu liar, é o resu ltado da interaçã o entre en tre su as es espec pecif ific iciidades, todo o seu ambiente, todas as coletividades em que se inser e . N  Não ão é novidade algu m a afirmar q ue o indivíduo cresce nu m mei meioo sócio-culturall e está profundamente marcado por ele sócio-cultura ele.. Su a histór história ia de vida se encontra, pois, a cavaleiro de duas perspectivas: a do indivíduo com sua herança biológica e suas peculiaridades, a de sua sociedade com sua organização e seus valores específicos. A história de vida, vida, em resum o, se en contra apoiada em du as di disc scip iplili-nas, a psicologia e a sociologia. A história de vida é portanto técnica que capta o que sucede na encruzilhada davida vidaporindividual com o social. pe squ isa desenvol desenvolvida um soc soció iólo logo go ou por um Conforme psicól psi cólogo, ogo, seja assima a orientação da coleta de dados levará uma ou outra acentuação. No primeiro caso, serão procuradas no informante as marcas de seu grupo étnico, de sua camada social, de sua sociedade global vários níveis que apresentam estruturas, hierarquias, valores ora harmoniosos, ora em desacordo, o que tudo se reflete no seu interior.. No segundo caso, são bu sc ad as a s particularidades que singurior larizam o indivíduo, delineia-se o caminho seguido na formação de sua personalidade através do emaranhado das relações variadas tecidas pela su a cole coletivi tividade, dade, e é o pro du duto to final final,, co nsiderado co como mo único, que se quer compreender e explicar. Sociólogo e psicólogo poderão utilizar uma história de vida que t en ha si sido do colhida colhida por um deles. O material é vál válid idoo para ambos os estudiosos, estudiosos, justa m ente por se encontrar encontrar no cruzamento cruzamento das duas disciplinas a que se voltaram. Diante do material colhido pelo psicólogo, o sociólogo naturalmente se queixará de falhas; e viceversa. Mas as lamentações não invalidam a utilização do material 68

 

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pelos dois. No entanto, embora muitos cientistas sociais tenham alertado para as limitações da técnica em sociologia, considerando até que seu emprego deveria ser evitado, na verdade ela foi se apresentando como cada vez mais relevante para esta ciência, justamente em função da área cada vez maior que foi a sociologia abarcando no correr do tempo. 2 1 No século atual a sociologia, apoderando-se da psique também como seu campo de estudos, estendeu seu âmbito até os sonhos,   durante muito tempo considerados algo de exclusivamente pessoal; encarou-os como representações simbólicas do relacionamento do indivíduo com seus semelhantes e com sua sociedade. Englobou Engl obou em seguida em se us estud os, o inconscient inconsciente, e, vendo vendo-o -o co como mo otanto repositório agressões opressões do meioe social, e pormaterialdas revelador parae adas análise de controles coerções. Finalm ente fo foi se orientando tamb ém pa ra a subjetividade, subjetividade, isto é, é, pa ra a fa faiixa interior que qu e parec ia m mais ais próxim próximaa do bi biol ológi ógico co porque carregada de afetividade, implicando por isso mesmo num caráter marcadamente individual. Com efeito, "subjetivo" significou primeiramente aquilo que pertence a um indivíduo e somente aquele, distinguindo-o dos demais; negava-se assim que a forma tomada pelas manifestações manifestações del delee pu de desse sse ser igualada pela dos dem ais. Nesta caracterização se consubstanciaria a oposição entre subjetivo e objetivo; este último encerrava características válidas para todos os indivíduos indiví duos porque exteri exterior or a eles, enqu anto o pri primeiro meiro p erman eceria encerrad encerradoo no ínt íntimo imo do indivíduo, indivíduo, fformado ormado pelas qu alidades alidad es que q ue lhe seriam exclusivamente peculiares.  peculiares.   No julgamento subjetivo de

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  Para melhor compreensão compreen são destes aspectos, aspe ctos, con sultar a bibli bibliograf ografia ia de apoio, em anexo. 69

 

Coleçno  TEXTOS.  Série Série 22,, n. 10

um indivíduo estariam as marcas de suas impressões, de seus gostos,   seus hábitos, seus desejos e aspirações, única e fundamentalm ente seu s, inc inconfundí onfundíveis veis com com os dos demais. A pesar de toda todass estas es tas defini definições ções,, no eenta nta nto , a so soci ciol ologi ogiaa atua lmente se orientou também para o subjetivismo, considerando que ele-não decorre exclusivamente de bases biológicas e psicológicas, porém que se desenvolve numa coletividade, sendo portanto revelador desta. dest a. O ssubjetivi ubjetivismo smo deixa assim de ser, para e sta disciplina, disciplina, a marca individual intraduzível e inexplicável, cujo vislumbre de algum a interpretação só poderia poderia ser captado através da bi biol ologi ogiaa e da psicologia; a sociologia também tem sua palavra a dizer a respeito des ses problem as, que podem ser obj objet etoo de seu estu do . Tanto m ais que as manifestações do subjetivi subjetivismo smo respo respond ndem em sem pre a al algo go que é exterior aos indivíduos. N ecessidades fís física icas, s, inclinaçõ es, paixões, prazer e dor, signisignificam reações da parte do indivíduo a algo que captou a partir do exterior, e que só adquirem significado através da mediação do exterior; teri or; con confor forme me a sensibilidade dele, serão m a is ou men menos os inten inten-sas,  desen cadearão ou não ações de variado tipo. Urna ve vezz existi existinndo a mediação exterior (e a palavra é uma delas, provavelmente a m ais impo impo rtant rtante) e) pa ra que se expresse o pu ram ente indi individua vidual,l, este fica já comprometido com o exterior, sempre mergulhado numa atmosfera plenamente coletiva. Mesmo que se trate de sensações térmicas, respirató rias, circulatórias, ist istoo é, do conjunto conjunto de sen sações internas de que trata a cenestesia - sensações que parecem independer até da intermediação dos sentidos para serem percebidas aind a assim su a apree nsão pelo pelo indiví indivíduo duo for forçosamente çosamente p assí. pela conscientização (ou pelo menos pela tentativa de conscientização) através atrav és da palavra; o que sig signif nific icaa a trav través és de um ins instrum trum ento en to for orjjado pela pela reali realidade dade social. social. Não escapa, p ortanto , de se tornar em part e ,  também, objeto de estudo sociológico. 7

 

RELATOS   ORAIS:  D O " I N D I Z Í V E L " A O " D I Z Í V E L "

Assim, aind a qu and o o sub Assim, subje jetitivo vo sej sejaa entendido como as sensações inef inefáve áveis is provenien provenientes tes dos órgãos intern os, da circulação circulação,, da nutrição celular etc, constituindo um estado psíquico proveniente da ação interna deles e resultando em confusas impressões internas,  e desde que se admita que estas sensações podem chegar ao estado de percepção, neste momento sua formulação se opera por meio de manifestações que deixam de ser puramente subjetivas; pois as sen sações confusas proveniente provenientess de todas as p artes do cor cor-po estão sendo constantemente transmitidas aos sentidos e, ao se transformarem em percepções, sofrem as imposições do contexto circundante e perdem seu caráter de exclusiva subjetividade. Pela formulação que então adquirem, entram para o domínio dos fatos passíveis de serem pela sociologia. N est esta a man eiraanalisados de se comp reender o ssubjet ubjetivi ivismo, smo, perman ece ele ele ccomo omo pura m ente indivi individual, dual, e mesmo como essencialmente indi divi vidua dual,l, enquanto não é apanhad o n as m alhas da perce percepção. pção. Sua base seriam as funções vegetativas que dariam lugar a sensações vagas e difusas de bem-estar ou de mal-estar, cuja influência se faria sentir fora dos órgãos dos sentidos, porém que constituiriam uma das causas físicas importantes dos sonhos, por exemplo, mas causa exclusivamente física, o sonho tendo também um conteúdo que se liga estreitamente ao con-texto sócio-cultural do indivíduo. Em tal perspectiva, o conteúdo do sonho pode ser abarcado pelo estudo sociológico; quanto ao aspecto cinestético, somente quando, como co mo já se disse, de sensação pa ssa sse à percepção. Ainda que o subjetivo seja entendido como as sensações intraduzíveis tra duzíveis,, aind a assim é própri próprioo dos indivíduos tenta r compreendê-las primeiramente, e transmitir aos outros o que compreendeu; porém ao fa fazê zê-l -loo forçosamente utili utiliza za os m ecan ecanism ismos os que tem à su a disposiçãoo e que lhe fo disposiçã fora ram m dad os pela fa famíli mília, a, pelo grup grupo, o, ppela ela ssoo71

 

Coleção  TEXTOS. Série 2,11. 10

ciedade. A história de vida pode tentar desvendar o ponto em que características d estas col colet etivi ividades dades se ju nt am às sensações cinest cinestéésicas,   buscando a interação entre ambas, e esclarecendo quais os instrumentos sociais utilizados para a tradução. A esta maneira mais antiga de compreender o subjetivismo veio se juntar outra mais recente, baseada na teoria de Jung, dos arquétipos enraizados na própria natureza do ser humano; isto é, existiriam representações simbólicas comuns a todos os indivíduos através dos tempos, seja sejam m quais for orem em as r aça s e os mom entos. A sem elhança d as estru tur as m entais seria fundamental, e dela dela eemamanariam representações simila similares res ba nh ad as sempre num a dominante de tonalidade afe afetitiva. va. A ssim, ssim, m odelos de ação e de com portamento se muito diversos, muitonem afastados no tempo encontrariam e no espaço, em quepovos não teriam desenvolvido contatos, nem influências recíprocas. Este conjunto comporia o "inconsciente coletivo" e constituiria o fundam ento do subj subjeti etivismo vismo indi individual vidual na m edida em que estaria unido ao conjunto que, no plano biológico, foi chamado de "instinto". Nesta maneira de ver, a concepção de subjetivismo se inverte, já que q ue ele ele não tem m ais por ba base se o que qu e seria essencialm ente individual, mas repousaria em materiais coletivos inconscientes; herdados junta m ente com as estr utu ras mentais, repres representar entariam iam o aspecto psíquico destas. Todo o psiquismo seria, então, menos individual do que coletivo, pois estaria sempre sob a influência das representações e imagens arcaicas reunidas no inconsciente coletivo. Se aceita esta segunda concepção do subjetivismo, com mais razão   então recai ele no campo de estudos da antropologia e da sociologia. O conhecimento dos arquétipos, figuras dinâmicas com estrutura relativamente geral, estariam presentes no inconsciente 72

 

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d e ,   qualquer indivíduo. Uma análise que desvendasse estas configurações invariantes, veladas pelos significados simbólicos acumulados através dos tempos, constituiria um objetivo daquelas duas disciplinas. As vias de acesso para descerrar os véus que ocultariam as imagens arcaicas seriam variadas: análise dos sistemas mágicos, religiosos, filosóficos, interpretação dos sonhos individuais, etc. As histórias de vida aparecem então como instrumentos de grande utilidade para atingir, sob a gama dos modelos de pens am ento e de aação ção mais recentes, adquiridos no contato co com ma realidade real idade sócio-cult sócio-cultural ural cotidi cotidiana, ana, as estr utu ras m entais mais antigas. A dote-s dote-see um a ou o utra m aneira de compreender o subj subjeti etivisvism sempre submetê-la à perspectiva sócio-antropológica fimo ,  decabe aprofundar su a com preensão. Não fo fora ram m m uitos, porém, osa estudiosos destas disciplinas que se abalaram à exploração ampla des tas profundez profundezas as dos seres hu m an os e da s sociedades. Sem dúvi dúvi-da há a necessi necessidade dade de um refinamento dos instrum ento s de trabalho para poderem ser levada a efeito com suficiente êxito. Mas pergunta-se: é possível refinar mecanismos sem ao mesmo tempo exercitá-los? As histórias de vida poderiam constituir ferramenta valiosa

pa ra a iintens ntensif ifica icação ção de ttais ais estud os, u m a  v colocam m ju sta  vez ez que se coloca m ente no pon to de interseção d as relações entre o que é exteri exterior or ao indivíduo indiví duo e o que el elee traz em seu íntimo. Tais observações ref reforça orçam m as afirmaçõe afirmaçõess de que há n esta técnica um a riqueza potencial potencial aind a não utilizada pelas ciências sociais, e de que seu refinamento enquan to mecânica de pesqu isa, para ser alcançado, necessita de um a utilização prática devidamente acompanhada de uma reflexão metodológica cada vez mais aprofundada.

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HISTÓRIAS D E VIDA HISTÓRIAS VIDA E DEPOIMENTOS PESSOAIS*

Maria Isaura Pereira de Queiroz Uma das técnicas mais fascinantes da sociologia é a das histórias de vida e depoimentos p essoais. A coleta coleta de tais docu m entos parece, à primeira vista, coisa fácil e ao alcance de qualquer um; pois não basta chegar simplesmente a uma pessoa, pedir-lhe que conte sua vida ou dê sua opinião, anotando cuidadosamente o que ela diz?  Ao exec utar o trabalho trabal ho,, todavia, a s dificuldades dificuldades e os problem as ressaltam; n ão só problemas de escolha do infor informante mante e obtenção do material, como como do preparo do pesqu isador. Foi a psicologia que primeiro se serviu das histórias de vida; ultimamente, a sociologia tomou consciência do partido que delas pode tirar; tirar; ma s a atitud e de cada u m a é difer diferente. ente. Para Par a a psicologi psicologia, a, é o indi indivíduo víduo como como tal o centro centro de interesse ; m esmo considerand o que a personalidade resulta da interação indivíduo-grupo, toda a ênfasee é dad a ao primeiro; ênfas primeiro; através da história de vida bu sca- se compreend er como como a person alidade se for formou mou e as vicissitudes qu e atravessa devido ao contato com o grupo; como, a partir de um núcleo de qualidades inatas, se desenvolveu e absorveu os valores que o grupo ora lhe oferece, ora lhe impõe; ou então se busca estudar o indivíduo e suas reações em determinada situação, considerados como parte do am biente e infl influin uindo do sobre o ambiente; em am bos os casos, é sempre o "indivíduo" que interessa; a história de vida, nos dois casos, apresenta ótimas possibilidades de estudo.

 

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A sociol sociologia ogia tem por objet objetoo os o s fatos sociais, qu e a princípio ffooi considerado consid erado como ext exterior erior aos indivíduos e estu dad o nos com portamentos visíveis dos mesmos e nas cristalizações institucionais; o interesse qu e apres entam a história de vi vida da e o de depoiment poimentoo pessoa pessoal,l, p ara ar a este tipo de soc sociol iologi ogia, a, é lilimitado; mitado; servem como ilustraç ão daquilo que outras técnicas permitiram estudar. Foi a partir do mom ento em que qu e se adm admitiu itiu qque ue valores e opiniões tinh am ba se colet coletiiva, não eram prod utos essencialmente individuais, que as h istórias de vida ganharam importância para a sociologia; ao seu primeiro ponto de vista puramente objetivo e exterior seguiu-se outro, o de "compreender o social não apenas como o que se realiza por meio doss ho m ens do ens,, m as como o que é vi vivi vido do e agi agido do por eles"23  (DUFRENN isto éé,o oindi estudo humanizado, encarado na suE,a  1952), m atr atriz iz que indivíduo, víduo,docriador crifato adorsocial e criatura do grupo. grupo. A  A história  história de vida permite justamente estudar o fato social de seu interior, na fonte.   O que os hom ens pen sam , sen tem e faz fonte. azem, em, constituindo fa fato toss sociais tanto, por exemplo, quanto as técnicas que empregam em seus trabalhos, a história de vida vem nô-lo mostrar ao vivo; ela permite uma abordagem interior de fatos que antes só se observava do exteri exterior. or. Tome-se, por exemplo, a afirmação da inexistência de diferen-

ças de cor cor entre nós, que pode ser estud ada em seu s aspectos objeobjetivos - quando mais não seja na lei que proíbe sua manifestação; são esses fatos sociais frios e desumanizados. Mas a atitude de um brasileiro branco diante, seja da comunidade negra, seja de um negr groo em particular; ou a atitud e do negro para co com m os brancos 1  tudo

23

  Mikel Mikel Dufrenne. Du frenne. Coup cTo cToeeil su r  1'Anthropologle Culturelle Américaine.  Cahiers  dee Sociologie,  Paris, v. 7, n. 12, 1952. Intemationaux d 80

 

HISTÓRIAS DE VIDA E DEPOIMENTOS PESSOAIS

quanto se oculta por detrás desta frase comuníssima: "Eu não tenho preconceito, p reconceito, m as,.."; o signif signific icado ado que pa ra neg ros e bra nco s se prende ao elemento cor; o preconceito que se manifesta em certas situações e noutras não - fatos sociais, pois resultam da vida em grupo - só podem ser alcançados através do comportamento e das opiniões dos indivíduos, e a história de vida é um dos bo bons ns auxiliares para sua investigação. O preconceito será assim estudado em funçã fun çãoo do mem bro do grupo; será estudad o dentro da co m unidade, que não será encarada como uma reunião de indivíduos a que se impõem uma coleção determinada de instituições, de valores e de hábito s, m as sim co como mo um a realidade palpitante, isto éé,, levando-se em can ta o grupo de indiví indivíduos duos vivendo, vivendo, sentindo, sentindo, agindo dentro da armadura dasmodifica. instituições, à qual o viver, sentir e agir afrouxa, dá elasticidade, Consideradas sociologia e psicologia como o estuda de duas faces complementares e inseparáveis de uma mesma realidade, a história de vida do ponto de vista psicológica, estudando a integração do indi indivíduo víduo eem m determ inada cultu ra, a formaçã formaçãoo de su a personalidade pela interação entre suas qualidades individuais e o meio em que vive, se completa com a história de vida do ponto de vista sociológico, que mostra, dentro da rigidez do esqueleto estrutural da sociedade, em suas instituições e "mores", as linhas mais "fáceis" de conduta, os "arranjos", a flexibilidade "do comportamento humano, que não são individuais porque seguidos por muitos. Desta com preensão da história de vida de decorr correm em d ua s conseqüências: primeiro, que a psicologia pode encontrar seu material objetiv ivoo é o indivíduo indivíduo (mesmo qu e numa  história de vida, pois se se u objet deste indiví indivíduo duo se general generaliz izee p ara o s restan tes, sendo en tão necessária a escolha de um indivíduo representativo); segundo, que a sociologia não pode se contentar com uma história de vida, pois, 81

 

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mesmo que tenha escolhido um indivíduo característico do grupo estudado, não poderá nunca afirmar, a partir de   u m , que os m aneirismos que ele manifesta diante das instituições sejam coletivos. Na verdade, qu alquer história de vida vida tem em si seu problema e seu inte resse , par a a psic psicologi ologia; a; um a vvez ez que se trat a da interação personalidade-meio, personali dade-meio, a que stão a for formular mular  é interior, interior, im anen te à história de vida; o psicólogo pode abordá-la sem ter em mente quesito algum, ela própria os fornece (o que não impede, é claro, que ele proponha anteriormente uma questão e utilize a história de vida pa ra seu conhecimento). Para  o soc  sociól iólogo ogo não n ão;; o prob lema lem a sociológi sociológi-co em relação à história h istória de vida tem o m esm esmoo cará ter do fat fatoo sociológico em relação ao indivíduo:   é-lhe  ao mesmo tempo exterior e interior, enquanto em relação ao fato psicológico é apenas interior.  biogr ograf afia ia de ura negro que dem onstra sentim entos de rancor conA bi tra brancos explica, para o psicólogo, como estes sentimentos se desenvolveram a partir par tir do contato e experiências com com brancos bran cos,, mostra em que situação tais sentimentos aparecem e as reações que o indivíduo apresenta então; o problema psicológico é interior à vida desse negro, não existe fora dela, a não ser na medida em que ele se seja ja mem bro de um a com unidad e onde, entre as instituições, fi figu gure re a da an imadv ersão en tre as raça s; ma s aqui saímos fo forra da psic psicol oloogia porque o probl problema ema não depende m ais do negr negroo como indivíd indivíduo uo nem de su a vi vida da particular, e si sim m do meio; meio; qua ndo o negr negroo pen etra naq uele meio, o problem a podia pod ia já exist existir; ir; e mesm o que qu e não existisnha de con du ta de muitos, reres e ,  desde que surja, aparece como lilinha sultante de um complexo de fatores sociais; é de certa maneira imposto ao negro do exterior. Eis porque dizemos que, na história de vida encar en car ad adaa do ponto de vista sociol sociológi ógico, co, o problem a é ao m esmo tempoo exterior e interior - exteri temp exterior or po porque rque é um modo de agir ccole oletiti-inscreve creve nos costum es do grupo, interi interior or porque o indi indiví ví-v o ,  que se ins duo o absorve, tornando-o parte de sua personalidade. 82

 

HISTÓRIAS DE VIDA   E DEPOIMENTO S PESS PESSOAIS OAIS

O relato de uma história de vida pode sugerir problemas ao soci so ció ólogo, logo, e ssempre empre po possui ssui elementos que o interessam, interessa m, pois nu nunc nca a se viu um homem que existisse completamente só, sem inscrever em sua vida os aspectos da comunidade em que se criou e habita; todavia, diante de "uma" história de vida, como ter certeza de que o problema proble ma nela encontrado enco ntrado é de fato fato sociol socioló ógico gico e não peculiaridade peculiar idade individual? Duas soluções se apresentam: acumular as histórias de vida para delas deduzir o que é coletivo e o que é individual, ou formular o problema antes de iniciar a história de vida, de acordo com o que se observou na comunidade que se pretende estudar, pressupondo-se então um estudo ou um conhecimento prévio do grupo, da cultur c ultura, a, da comunidade em foco foco.. Sabendo-se, S abendo-se, por exemexemcomuni dade, que reúne reún e indi indivíduos víduos de raça ra çass diplo,  que em certa comunidade, ferentes, existe a "linha de cor", pode-se investigar qual o valor e o significado atribuído por brancos e negros à cor e como reagem diante dela.

A  formu  formulação lação prévia da questão questã o é uma das regras r egras mais importantes na colheita da história de vida para fins sociológicos; de acordo co com m a questão escolhida se orientarão orientarã o a ass diferen diferentes tes fases do tr traa preparo do pesquisador, escolha do informante, entrevistas, balho: preparo balho: análise dos dados. Regra, aliás, básica em toda a pesquisa, sociológica atualmente; foi-se o tempo em que se confundia prenoção com hipótese de trabalho ou com problema e em que se encarecia que o pesquisador devia ser como uma "tábulas rasa", ao qual a simples observação revelaria a estrutura íntima dos fatos sociais. A coleta cega ce ga do material material foi foi substit sub stituí uída da pela colheita di dirigida rigida,, sendo a direção exercida pelo problema que o sociólogo tem em mente. Tocamos então o preparo do pesquisador; par Tocamos para a que este possa formular o problema, é preciso que conheça sociologia em geral e o grupo que pretende estudar em particular; quanto maior a familia83

 

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ridad e com ridade com este grupo , maior faci facililidade dade p ara a formulação d a questão, que gan g anha ha em sutileza e agudez . Será m uito mais fáci fácill for formular mular prob lem as a respeito da d a sociedade em que q ue vivemos vivemos do que a respeito de socieda sociedades des ba nt us ou indígenas. Se o sociólogo é, porém, um membro do grupo, que assim conhece do interior, ele mesmo terá uma opinião, uma atitude, da qual pode não ter muita consciência, diante do problema que pretende estudar. Analisar sua atitude pessoal por meio de um depoimento honesto, em que sejam expostas não somente sua própria opinião, opiniã o, experiências experiências e compo rtamen tos, como também as opiniões, opiniões, experiências experiênci as e com portam entos, da s pesso as em cujo cujo círculo círculo vive,  é  vive, é alcançar, por meio do melhor conhecimento de si mesmo, maior objet objetivi ividade dadecias p ara uisa uis vista; a análise perm ite-lheconsc desvendar tendên quae pesq ignora ignorava vaa em ou qu e não levava em levava epermite-lhe m conta; conscieniente da existência delas, poderá vigiá-las e evitar que deformem os dad os no ato da colheit colheita. a. Por outro lado, este este depoimento enriquecerá o ace acervo rvo de dado s sobre o problema que estuda. 2 4 A escolha do informante também está diretamente presa ao problema pré-formulado. O informante informante tem de ser alguém alguém em cuj cujaa vida e atitudes se possa estudar a questão; no caso do preconceito de cor, cor, por exemplo exemplo,, de nad a ad ian ta ob ter a história de vida de de um indivíduo q ue nã o te nh a c onta tos com o utro s de cor difer indivíduo diferente ente.. Col Coloca-se aqui, ou trossim, a questã o d a escolha do "in "indi diví víduo duo representativo"; diante de muitos indivíduos desconhecidos que fecham em si mesmo s o segr segredo edo de seu s com portam entos e opiniões opiniões,, como como descobrir o titipo po médio? médio? O pesqu isador, ou conhece tão intimam intimam ente o

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  É um pr preparo eparo que o Prof. Roger Bastide vem exigindo dos alunos de sociologia, sempre que os encarrega de obter uma história de vida. 84

 

HISTORIAS DE VIDA E DEPOIMENTOS PESSOAIS

grupo, seus componentes e seus "mores" que lhe é fácil escolher o informante infor mante represen representativo tativo da m édia ou cuj cujaa vid vidaa sej sejaa especialme especialmente nte interessante para a hipótese a investigar, ou então terá de operar uma sondagem prévia. Esta seria feita pedindo-se a vários informantes em potência que redijam curtas biografias, ou que dêem seu depoimento pessoal sobre o problema visado; aos que fornecerem os relatos relatos ma mais is intere ssa ssante ntes, s, ppedir-se-á edir-se-á a história de vida completa e detalh ada ada,, ssendo endo de bom aviso aviso ffigur igurarem arem entre os escolhidos tanto representantes do comum, quanto aberrantes. As restantes biografias são outros tantos dados, servindo como meio de verificação de que as atitudes manifestadas pelos informantes são de fato colet col etiv ivas as e não p roduto s inteiramente pessoa is. N ota-se ota-se m ais u rn a vez o afastam ento do "um" pel peloo soc sociiólogo ólogo;; porque mesmo que só um indivíduo seja escolhido, ele o é como represe repr esentan ntan te d a col coleti etivida vidade, de, co como mo am ostr ostraa de como agem todos; e para sua escolha, ou para a verificação dos dados que forneceu, recorre-se sempre semp re à pluralidade. pluralidad e. Par Paraa um estud o so soci ciol ológ ógiico em qu quee se queiram utilizar unicamente histórias de vida, muitas delas devem ser buscadas; não sendo assim, ficamos na psicologia. Se considerarm os qu que, e, para a obtenção de histó histórias rias de vida vida,, é nece necessário ssário o preparo prévio prévio do pesq uisad uisador or (mes (mesmo mo que el elee po ssua ss ua conhecim entos sociológ sociológic icos os e familiari familiaridade dade com a socieda sociedade de a es tuda tu da r, é preciso sempre um pequeno preparo teórico peculiar ao assunto escolhido, assim como a auto-analise a que nos referimos atrás), a escolha cuidadosa do informante informante,, a entr ad a em relaç relações ões co com m este par a qu e se estabeleça um clima clima de conf confianç iançaa sem o qual o traba trabalho lho é impossível sível,, grand e qua quantida ntida de de col colóqui óquios os para par a se consegu conseguir ir um a n arr ação integral integral,, vemos que esta técnica de estud o é da s que consomem tempo e das que mais vagar e paciência requerem; o trabalho não pode ser feito de maneira intensiva - longas entrevistas para esgo85

 

Coleção  TEXTOS. Série 2, n. 10

tar rapidam ente o ass un to - porque os detalhes se per perdem dem   e o cansaço de pesquisador e informante deforma o relato. A história  história   d e vida, pa ra o soc sociól iólogo, ogo, dif dific icililmente mente po derá en tão con stituir um u m ún úniico instrumen to de trabalho. O meio de remediar a esta es ta dificuldade dificuldade   é r  recorrer ecorrer a depoimentos pessoais, a fragmentos de histórias de vida, que são fáceis de obter em maior quan tidade. Toda história de vida tem de ser um depoimento, isto é, não ap en as u m relat relatoo cronol cronológi ógico co de acontecimentos, m as trazer em em si a riqueza de sentimen tos, opiniões opiniões e atitud es d a pessoa que a relarelata; a não ser assim, revelar-se-á pobre, incolor, pouco significativa e pouco útil, tanto para a psicologia quanto para a sociologia. Para o psi psicól cólogo ogo que est ud a u m a personalidade, depoimentos pessoais ou apenas fragmentos de história deporém, vida não são de muito valor porq ue incomp letos; ele ele prec isa conhecer, não não   só só   como o indiindivíduo reagiu numa determinada circunstância, mas também que motivos, o impeliram então, o que deve ser buscado geralmente no pas sad o, p orque é o desen desenvolvi volvimento mento individual em interação com o grupo e a cultura que dá esses dá  esses motivos.  motivos. Para o sociólogo, desejoso de conhecer como se comporta a coletividade, os depoimentos  depoimentos   e o s fragmentos de história de vida tem grande interesse porque focalizam justamente o comportamento a conhecer, indicando a quantidade de material,  material,   s e ele é coletivo ou não; a abundância de depoimentos, opiniões, fragmentos de histórias de vida, completar-se-ão u n s aos outros , agindo agindo também como corr correção eção   e controle n ão só em em relação uns aos outros, como em relação às poucas histórias de vida que se obtiver. Diante da n ecessidade de utilizaçã utilizaçãoo d esses depoim entos, ressalta novam ente a importância d a formulaç formulação ão do problema problema an tes de iniciada a pesquisa; sem uma questão precisa, que depoimentos 86

 

HISTÓRIAS DE VIDA E DEPOIMENTOS PESSOAIS

bu scar? E mesmo q uan do se tra ta do rel relato ato de um a história de vida vida,, em que a maior quantidade de dados e de informações deve ser solicitada, o pesquisador não pode perder de vista seu problema porque corre o risco de deixar vago e obscuro o lance que mais de pertoo lhe pert lhe interessam , enq uan to lhe são fforn ornec ecido idoss com abu nd ânc ia dados de somenos importância para seu objetivo; com maior razão ainda em se tratando de depoimentos, que são buscados tendo em vista determinado fim, que devem focalizar determinado comportamento ou determinada opinião, isto é, que se deve colher visando o problema formulado anteriormente. Colhidos os dados, é óbvio que a análise será feita de acordo com o problema. Não só a análise, mas antes dela as pesquisas, sobre a confiança confiança que o docu docum m ento pode m erecer, a ver verif ific icaçã açãoo dos dados, serão também orientad as pe pelo lo problema. No caso, por ex exememplo,   de o documento ser confrontado com outros diferentes, estes também devem devem ter sido coligi coligidos dos de aacordo cordo com com o problem a centra l e o confronto será diretamente influenciado por ele, pois o que se procura verificar   é jus tam en te a confi confiança ança qu e nos pode merecer o documento em relação ao problema. Toda esta exposição exposição parece concorrer pa ra a conclusão de que só um sociólogo ou indivíduo que conheça bastante sociologia será capaz de co coliligi girr um a histó história ria de vida ccom om os requisitos nec essários; essár ios; de fato, um sociólogo ou um estudante de sociologia será a pessoa melhor indicada para a tarefa, porque só eles terão o preparo especial para obter o documento mais rico e mais preciso do ponto de vista do problema a estudar, pois têm muito mais a consciência aguda d esse probl problema ema  e das dificul dificuldades dades d a obtenção. Isso não q uer dizer que dados colhidos sem a orientação de um foco especial de interesse devam devam ser desd enh ado s como inúteis; no caso, por ex exememplo,  de uma biografia escrita por qualquer autor - dela pode e deve 87

 

Coleção  TEXTOS. Série 2, n. 10

lançar mio o sociólogo, para seu estudo; mas os dados assim obtidos são menos precisos e necessitam de uma análise muito mais delicada e cuidad osa, como nota Robert Angel Angell.l.25  Podemos esculpir madeira com qualquer canivete; mas o trabalho será muito mais fácil, rendoso e perfeito, se usarmos o instrumento apropriado. Pode-se argüir que os autobiógrafos embelezam-se a si mesmos, ou que os escritores escritores tendem sempre a da r um a idéi idéiaa simpática ou antipática de seu biografado, criando uma imagem fictícia das ações,  atitudes, reações, emoções.  O mesmo, emoções. O  mesmo, porém, acontece acontece quan quando do o indivíduo conta sua história ao pesquisador; todos nós somos levados,   às vezes de maneira inteiramente inconsciente, a nos mostrar como queremos ser idealmente e não como realmente somos. Mas é quem em sofresumais com oisto, ele situdes; é que lidando com co m uo mpsicólogo a personalidade a for formaçã mação e vicis vicissit udes;está quan to ao sociiól soc ólogo ogo,, pode san ar a fal falha ha pela com paração com com o utra s autobiografias e depoimentos, se se lida com documentos frios, ou pelo interrogatório de pessoas da família sobre o informante, em se tratando de histórias de vida. Neste último caso, o próprio conhecimento do informante, à medida que as entrevistas vão se acumulando, permitirá de certo modo ao pesquisador uma atitude de confiança ou de desconfiança para com a narração que está ouvind o . Ali  Aliás, ás, a falta falta de veracidade em relação a certos acontecim entos ou de talhe talhess (de (desde sde que des descobe coberta rta e co cons nstata tatada da pelo pelo soci sociól ólog ogo) o) pode até constituir um dado suplementar; conhecido o grupo social do informante, a fal falha ha indica a existência, ne nesse sse ponto, po nto, de um a val valori ori-zação ou de uma desvalorização social que o indivíduo voluntária

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  GOTTSCHALK GOTTSCHALK,, Louis; KLUC KLUCKHOHN KHOHN , Cl Clyde; yde; ANGELL ANGELL,, Robert. The us e ooff person al documents in history, anthropology and sociology.  Social Science R esearch Council, New York, Bulletin 53, 1945.

 

HISTÓRIAS DE VIDA   E  DEPOIMENTOS PESSOAIS

ou involuntariamente pretende ignorar, exagerar ou contradizer. Todos estes cuidados que requer a obtenção de uma história de vida, estão a repetir que somente um estudioso de psicologia ou de sociologia deve se encarregar do trabalho; os leigos ou os pouco treinados nos fornecem documentos imprecisos ou deformados e, dada a dificuldade de se obter uma história de vida completa devidos ao tempo que toma, o risco não deve ser corrido. Colh Co lhi, i, o ano passa passado, do, fragmentos fragmentos de uma história de vida que espero completar mais tarde, e alguns depoimentos pessoais. O problema que norteou a escolha de meus informantes info rmantes foi o das relações entre brancos e pretos em São Paulo, de princípios do século até 1930, isto é, no período em que, libertados havia pouco, tiveram os negros de se haver com a concorrência dos imigrantes melhor preparados do que eles para a luta no terreno do trabalho livre.

Minha informante para a história de vida é pessoa de cor, nascida em 1900; 1900; passou sua su a infância infância e mocidade mocidade na cidade de São Paulo; empregada doméstica desde os 26 anos, tem vivido quase exclusivamente no meio de brancos, suas amizades são, em grande maioria, com gente branca. Conheço-a há tempo; estava, assim, afastada a primeira dificuldade das relações entre informante e pesquisador, que é a conquista da confiança para que a narração seja feita fei ta cora a maior maior franqueza. Ou Outra tra dific dificuldad uldade e é a perda de intere inte ressse por parte, quer do pesquisador, quer do informante; muitas ve-

zes,   coló colóquios quios começados com com todo o entusia ent usiasmo smo vão ad adquirindo quirindo um aspecto de obrigação que acelera o relato para acabar depressa ou que lhe abate a vivacidade; ora, minha informante não só tem decidi dec idido do pendor par para a con contar tar histórias, h istórias, co como mo na narr rraa-as as com com vivac vivacida ida-de e sabor; sabia de antemão que nosso interesse não diminuiria,

 

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antes tenderia a aumentar com o correr das entrevistas, dadas as suas qualidades, de narradora. Aqui intervém o perigo perigo do "bovarysmo" "bovarysmo" que sói ocorrer ocorrer q uan do se trata de pes soa de m uita im aginação: a cri criação ação de um personagem fictício pela informante para se revelar, a meus olhos, interess ant e como como um a heroína de roman ce; dadas , porém, as relaçõe relaçõess antigas entre nós duas, o conhecimento que tenho dela e de uma pa rte de s u a vida, com relativa relativa facil facilidad idadee descobriria os exageros. Havia terceira vantagem na escolha desta informante, e que não era de desden har: as entrevistas podiam ter lugar no am biente o mais normal possível, sem afastá-la de suas atividades e obrigações cotidianas, sem criar para ela um "clima" diferente e sem dar aos colóquios ne nh um aspecto formal formal ou fora fora do comum. comu m. Ela lev levaa a passeio, todas a s m an hã s, a criança de quem é paj pajem; em; várias vez vezes es eu já a tinha acompanhado conversando. As entrevistas tiveram, assim, caráter normal dentro de seus hábitos e de nossas relações mútuas, realizando-se nesses passeios matinais. Outro perigo era o de ela não se mostrar inteiramente franca por ocupar, em relação a mim, um a posição posição sub altern a e temer me desgostar; este perig perigoo tamb ém não existiu existiu no caso; houve um a époépoca, a de minha infância, em que ela, apesar de empregada, ocupou em relação relação a mim a posição posição con trária; como como adu lta e minh a pa paje jem, m, representava a autoridade superior a quem eu devia obediência; desta autoridade ficou um resíduo que impossibilita o estabelecimento, entre nós, de relações de superior para inferior; a afeição provenientee de um lo provenient longo ngo conhecimento, o respei respeito to que despertaram seu caráter e inteligência, concorre para destruir qualquer diferença de nível nível qu quee ten da a se estabelecer; estabelecer; ela sabe qu e pode ser fra franca nca comigo na exteriorização de suas opiniões e espera de mim a mesma atitude. 90

 

HISTÓRIAS DE VIDA E DEPOIMENTOS PESSOAIS

Todavia, estas Todavia, es tas condições, que acreditei de começo começo "condições "condições ótimas" óti mas" para a obtenção de um a h istória de vida, tinham o inc inconveonveniente da própria amizade que nos liga. Se o interesse de nós ambas,   no desenrolar da narrativa, não diminuía; se, pelo fato de eu conhecê-la bem e de longa data , e ra menor m enor o peri perigo go de ela ela con struir para mim um personagem fictício, por outro lado eu mesma, de maneira insensível (percebi um dia, quando relia o que acabava de escrever imediatamente após a entrevista) era levada a atenuar ou acentuar certos traços pelo uso de determinadas expressões, sempre tendendo a d ar u m a im pressão favo favorráv ável el do personagem .  A i im mparcialidade, que é di difíci cill de ser conservad co nservadaa dian diante te de ou trem - é rara serm os inteiramente indiferentes, indiferentes, reações de antipatia ou simpatia to n osdesasrepresentá-lo atividades ativi dades em relolhos ação ado indi quan tonorteiam no ssa mtan aneira aosrelação dooutro públindivídu público ico víduo - tor-o na-se nase m ais dif difíci cill quan q uan do está em jogo a amizade. Mes M esmo mo no caso de não existir a amizade entre informante e pesquisador, o perigo da afetividade, menor no início das entrevistas, vai avultando, pois os encontros am iudad os, o conhecimento m ais íntimo, íntimo, vão m inand o a indifer indi ferença ença inicial inicial no sentido d a sim patia ou da an tipa tia. O peri perigo, go, maior no meu caso, existe sempre. E a escolha de urr. informante inteiramente inteiram ente descon hecido e indife indiferente rente é solução solução precária que funciona somente somen te no iníci inícioo dos colóquios, ma s que deixa de de ser solução à m edida que o trabalh o vai dese desenvolve nvolvendo ndo en tre pesquisad or e ininformant for mantee rel relações ações am istosas ou não . Há duas maneiras de sanar o inconveniente. O primeiro é o sistema de anotar tudo, palavra por palavra, à medida que o inform ante vai fal falando ando (se (sendo ndo então de grand e utilidade a taquigraf taquigrafia), ia), o que elimina elimina as reações do pesqu isador. O u então tom ar plena consciência da deformação acarretada pela afetividade e estar sempre em atitude de desconfiança em relação a nós mesmos, ao redigir-

 

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mos as entrevistas. A mais segura é sem dúvida a solução de anotar,, no próprio tar próprio momento momento em que a pessoa fala, fala, tudo qu quanto anto conta.26 Adotei, porém, a segunda; a primeira tenderia justamente a formar o clima de exceção exceção e de artificiali artificialismo smo que tentei tente i eliminar, colocaria a informante numa nu ma situação situaç ão fora do comum comum para par a ela - a de ditar qualquer coisa a alguém, - diminuiria sensivelmente a espontaneidade do relato, que é uma das preciosidades da história de vida. Deixei, pois, minha informante falar livremente; raramente lhe perguntava uma ou outra coisa, fazendo-o apenas quando havia dúvidas a esclarecer, detalhes a acrescentar concernentes à questão que mais me preocupava. preocupav a. Apesar dos inconvenientes inconvenientes - depender muito da memória do pesquisador; sofrer a história de vida duas deformações, primeiro da pessoa que conta, em seguida da pessoa que anota - esta maneira não só é mais suave para informante e pesquisador, como elimina a atitude natural de defesa que sentimos diante do lápis e do papel, a qual levaria insensivelmente o informante a fornecer um relato "expurgado" no sentido de se dar a conhecer tal qual deseja ser visto pelos outros e não tal qual realmente é. Também não mencionei que meu problema central era o do preconceito de cor. Não sabendo qual a questão que preocupa o pesquisador, o iinforma nformante nte conta co nta sua su a história naturalmente, natural mente, tal como omo a compreende, sem dar maior importância a determinado aspecto, examinando o passado sem idéias preconcebidas. Conhecendo o problema será levado, insensivelmente embora, a acentuar uma ou outra passagem a que não daria maior importância em situações  No caso da minha min ha informante, por exemplo, exemplo, se eu dissesse normais. No normais. que estava estudando estudan do as relaçõ relações es entre brancos e pretos, imediata imediata-26

  Esta história h istória de vida foi colhida em 1951, 1951 , an tes da vigê vigência ncia do gravador. 92

 

HISTÓRIAS DE VIDA   E DEPO IMEN TOS PES PESSOAIS SOAIS

mente ela ela buscaria buscar ia em sua memória memória tudo quanto quan to a isso se referisse, relatando os' acontecimentos sem a isenção de ânimo co com m que o ffe ez. O inconveniente está em que o informante pode se perder numa quantidade de detalhes que não interessam de perto ao pesquisador. Toda Todavia via,, o material que parece parec e nã não o se ligar ligar ao problema central não é de desdenhar; muitas vezes o que num relance se acredita desligado da questão revela, num reexame, raízes profundas que o prendem sutilmente a ela ela;; por outro o utro lado, como como a obtenção de histó histó-rias de vida requer tempo, o que limita limita sua quantidade, quanti dade, quanto mais rica em dados de toda a espécie, melhor, porque permitirá que pesquisadores, do mesm mesmo o ou de diferentes diferentes ra ramos mos das d as ciências sociais a possam aproveitar também. Não pedi Não pedi que resp respeitasse eitasse a cronologia; cronologia; minha informante av avanançava e recuava na história como bem entendia, contando os episódios de acordo com associações que ia espontaneamente estabelecendo. O abandono abando no da cronologia cronologia - que só deve deve ser empregada para par a esclarecer a situação dos acontecimentos mais importantes no tempo, po ,  nunca para dirigir dirigir o fio da narrativa narrativ a - é interessante porque aproxima a história de vida das associações livres da psicanálise, permitindo ao pesquisador uma penetração mais funda na mente do informante. São estas as melhores maneiras de se obter um material vivo, obje ob jeti tivo, vo, espontâneo: espontâ neo: deixar ao informante toda a liberdade no relato, to ,   sem o conhecimento conhecimento do problema problema do pesquisado pesquisadorr que inf influi luiria ria na orientação de sua narrativa, sem lápis nem papel que o constrangeriam, sem a cronologia que o obrigaria a uma ordenação dos fatos de sua vida que lhes tiraria o sabor de aparecerem associados da maneira que ele ele os vê associados. Mas estas regras (e nenhum nenhuma a outra) não devem ser erigidas em dogma; como sempre, a situação, os temperamentos de pesquisador e informante, as relações entre

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ambos, o tipo de problema a investigar ou outros fatores podem torn ar prefer preferív ível el a entrevista em que funci funcionem onem inten sam ente lápi lápiss e papel, em que qu e a cronologia cronologia seja seja re speitad a e em que o infor informante mante esteja ao pa r do obje objettivo do pesq pesquisad uisador. or. Ao redigir a narrativa que ouviu, deve o pesquisador anotar quais as perguntas que fez e em que ponto as formulou. Se, por exemplo, os pontos que necessitavam nece ssitavam de esclarecimento esclarecimento fora foram m sempre os mesm os, indicarão por parte do informante informante um dese desejo, jo, consciente ou não, de fugir diante deles, o que muitas vezes é significativo pa ra o problema estuda do. Quanto ao tempo que deve durar cada entrevista, variará de pesquisador para pesquisador, de informante para informante, estando não somente n a dep endência do temperam ento e do vi vigo gorr de cada um deles, quanto da relação que entre ambos se estabelece; nu m a relação de simpatia, a duraç ão da en trevis trevista ta poderá ser maior maior do que se a antipatia se for desenvolvendo entre pesquisador e informante. Assim, somente a experiência poderá estabelecer o tempo ótimo para cada caso. Em se tratando do meu, verifiquei que mais de hora e meia era demasiado para minha memória; no dia em que a conversa se prolongou por duas horas - não só não quise ra q ueb rar o fio de um epi episódi sódioo que apaixona va m inha inf nfor or-mante, como também tentei experimentar quanto tempo eu agüentaria - titive ve m uita dificul dificuldade dade em lembra r de tudo n a ordem em que fora contado; minha informante não se mostrava cansada depois de duas horas de entrevista; tive a impressão de que poderia continuar ainda por mais duas... Ao mesmo tempo em que trabalhava nesta história de vida, obtive vários depoimentos de outras pessoas sobre a questão do preconceito de cor em São Paulo, ora colocando diretamente diretame nte o problema diante do indivíduo, pedindo sua opinião e o relato de sua 94

 

HISTÓRIAS DE VIDA   E  DEPOIMENTOS PESSOAIS

experiência pessoal, ora sondando por perguntas que o levassem, sem perceber, a formular um parecer. Neste último caso, por exemplo,  conversando com com o encarregado de arquivos de um jor jornal nal paulista, obtive, indagando do aumento ou da diminuição da criminalidade negra em São Paulo, dados sobre as relações entre brancos e pretos, sem que o informante tivesse notado da minha parte qualquer interesse maior por esta última questão. A mesma abordagem que usara usa ra na obtenção da história história de vida - deixar o informant informante e na ignorância do problema central - utilizei-a desta vez; porém, como também no caso das histórias de vida, depende do problema, do pesquisador, do informante, do encontro entre ambos, a adoção desse sistema ou do sistema de pedir diretamente a informação. A tarefa do sociólogo é mais ingrata na obtenção dos depoimentos. As questões devem ser muito claras e objetivas para que rapidamente rapidament e o informant informante e dê um parecer preciso. No No caso da obteno btenção indireta, a dificuldade aumenta; não se trata, como na história de vida livremente obtida, de deixar o indivíduo falar como queira, mas sim de dirigi-lo veladamente, com segurança e presteza, para determinado fim. Não basta o pesquisador consignar os depoimentos obtidos; soltos nada significam. É preciso que anote cuidadosamente tudo quanto sabe a respeito do depoente, de sua vida, profissão, nível social, ambiente em que vive, para que a opinião dele se situe dentro de determinado determinado contexto e queira di dizer zer qualquer coisa. Também Também as condições em que se realizou a entrevista devem ser relatadas. Mesmo na história de vida, em que a situação grupai e o ambiente estão explícitos e visíveis através da narrativa, é muito útil completar o trabalho com tudo quanto o pesquisador sabe a respeito do informante; informan te; os dois documentos se completam: completam: a história de vida de um lado, o informante visto pelo pesquisador do outro. As condi-

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ções das entrevistas, os momentos de maior interesse do informante pela narrativa, os de maior emoção, tudo isso, quando anotado, enriquece o material. Em resumo, a obtenção de uma história de vida requer: que o pesquisadorr pos pesquisado possua, sua, alé além m do preparo soc sociol ioló ógic gico, o, um preparo especial em relação ao problema que vai abordar e à técnica da história de vida; a formulação prévia do problema; a escolha judiciosa do informante; entrevistas que sejam o menos possível artificial e diferente ren te dos do s hábitos hábit os do informante; descoberta do tempo tempo "óti "ótimo" mo" de trabalho para ambos; narrativa livre; desconhecimento, por parte do informante, do problema que preocupa o pesquisador; anotação, por este,   das condições das entrevistas, das perguntas que formulou no este, correr da conversa, de tudo quanto sabe a respeito do informante. Queremos frisar mais uma vez que não são regras absolutas, mas o que se nos afigura o melhor caminho a seguir. Regras precisas em relação à técnica de obtenção de histórias de vida não podem ser formuladas, não só porque podem podem variar de caso para caso, como porque, sendo técnica relativamente recente, não houve ainda número suficiente de experiências para bem desenvolvê-la. Para que isto se dê dê é necessár necessário io não nã o só que a técnica seja seja abund abundantem antemente ente utilizada como que o pesquisador, além de dar os resultados de seu trabalho, conte como agiu na obtenção dos dados e quais as dificuldades que encontrou. É muito muito útil narrar narr ar  o soci  soció ólogo suas su as peripécias ao utilizar qualquer técnica. Têm razão os que se queixam de que, em sociologia, a maioria dos pesquisadores exibem o material obtido, analisam-no, interpretam-no, sem descrever como agiram para obtê-lo. Torna-se necessário que se prestem contas, aos outros estudiosos da matéria, não só do critério usado na escolha dos dados, mas também de como estes foram conseguidos e manipulados; contar se o lápis e o

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HISTÓRIAS DE VIDA E DEPOIMENTOS PESSOAIS

papel funci funcionaram onaram ou não en qu anto o narra do r fal falav avaa n ão é detalhe detalhe de somenos importância, como parecem pensar os que se contentam em fornecer o resultado de seus estudos. Somente o acumular da experiência em relação às técnicas e ao seu modo de emprego permitir perm itiráá o aperfei aperfeiçoamento çoamento delas; aperfe aperfeiçoamento içoamento que só será alcançado por meio da comparação da maior quantidade de casos semelhantes ou diferentes entre si; a comparação não é possível quando se silencia sobre a maneira pela qual foi obtido e tratado o material. Por outro la lado, do, mo strar o caminh o q ue se seguiu é permitir que ou tros o aproveit aproveitem, em, o cr critiquem, itiquem, o aper aperfe feiç içoem oem ou o ref refutem utem em proveito de um sistema melhor. Poder-se-á argumentar que os problemas sociológicos são em extremo variáveis que caso a abordagem necessariamente se modo modificará de acordo com ecada e cada pesquisador, de tal que nu nca se conseguirá fifixa xarr nor m as par a o tratam ento dos dif difere erentes ntes problemas. A variabilidade existe sim; porém também existe o elemento comum; o que é variável, o é dentro de certos limites que somente a apresen tação de m uitos casos p ermitirá perce perceber. ber. Isto Isto é, dentro da vari variabil abilidade idade há u m a con stância qu e poderá ser alcançada desde que se acumule grande número de casos. Os problemas sociológicos não fogem a esta constatação; dentro de sua variabilidade há que procurar a constante, a qual irá se desprendendo e afirmando afir mando co com m o am on ontoar toar da experiência e com o relato m inucioso das diferentes técnicas empregadas no seu estudo, até permitir a su a cla classi ssifi ficaçã caçãoo em vária s categorias e o afinamento dos m elhores meios de se pesquisar cada uma delas.

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PESQUISA INDIVIDUAL, PESQUISA DE EQUIPE: IRMÃS INIMIGAS OU ÍNTIMAS COLABORADORAS?*

Maria Isaura Pereira de Queiroz

Em Ciências sociais, a preferência dos pesquisadores costuma ir, geralmente, para a pesquisa individual, sendo relativamente poucas as a s de equipe; esta observação é acompanhada acompan hada pe pelo lo reconhecimento habitual de que deveriam ser expandidas, e também pelas queixas dos pesquisadores de que se encontram enclausurados e isolados no âmbito de seu próprio trabalho. Aponta-se como uma das cau c ausas sas principais deste estado de coisas o fato fato de que a maioria das pesquisas é executada para par a fin finss universitários e de de carreira, as teses e concursos devendo dar testemunho do nível e da qualidade do trabalho individual de seus autores. Uma outra justificativa aventada é a de que não raro surgem desentendimentos no interior de uma equipe, que freiam o desempenho, tornando-o muito moroso; degenerado em conflitos, promopenho, tornando-o vem muitas vezes a dissolução da equipe, necessitando-se então ou organizar uma outra, o que demanda tempo e treinamento, ou simplesmente abandonar o trabalho inacabado. Inúmeras pesquisas de equipe têm terminado desta maneira inglória.

In: QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de.   Variações sobre  a  técnica de gravador no registro  d  da a  informação viva.  São Paulo: CERU/FFLCH-USP, 1983.  p.  161-175. (Coleção Textos, n. 4).

 

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Explica-se também que o brasileiro é, por natureza, extrema men te indi individual vidualist ista, a, n ão conseguindo se adapta r bem ao trabalho coletivo - afirmação que seria válida tanto para pesquisadores masculinos quanto femininos. Além disso, numa sociedade altamente competitiva como as sociedades capitalistas ocidentais, não seria de admirar que no interior da própria equipe se desenvolvessem rivalidades que poriam em perigo a continuidade da mesma. Duas são as teorias subjacentes a tais explicações. As que se re refe fere rem m ao caráter individualista individualista do brasi brasileir leiroo se baseiam nu m a "ps "psiicologia dos povos" que atribui qualidades específicas a cada coletividade nacional, embora nada exista até hoje que possa, a partir de pesquisas efetivamente realizadas, servir de fundamento a esse tipo de teoria. Asrem-se que ediz dizem respeito resp eito psico-so às ppeculiarida eculiaridades des da sociedade capi capitalista, talist a, refe referem-s a em qua qualidades lidades psico-sociai ciaiss decorrentes da d a estru tu-ra econ econômica ômica que lhe é particular; acred acredita-se ita-se então que u m a equipe só funci funcionari onariaa quan do en tre os participantes reinasse a concórdi concórdia, a, a harm onia, a frat fraternidade ernidade,, virtudes frontal frontalmente mente opostas à realida realidade de do mundo capitalista. Desta forma, por um lado o brasileiro seria congenitamente inapto ao trabalho de equipe, que exigiria uma verdadeira viol violênc ência ia de su a par parte te ppara ara ada adaptarptar-se se ao mesmo; e por outro lado,  o trabalho de equipe seria incogruente com toda soci sociedade edade capitalista, requisitando cuidados e habil pitalista, habilidades idades diplomáticas parr parraa poder ser realizad realizado. o. Haver Haveria ia assim u m a du dupla pla inadeq inadequação uação de delle às condições do país. Pareceria então que a conformação da equipe a apare ap are ntaria nta ria ao que Toennies defin definiu iu como "comunidade", incompatível e oposta ã sociedade complexa que é a do país. Na reali realidade, dade, um a noção muito clara clara de com unidade, em s ua definiç defi nição ão afetiva afetiva,, pe rp assa as sa o conceito de equip equipe, e, e o opõe ao conceiconceito de trabalho individual, este implicitamente qualificado de personalista, muito certamente, até mesmo francamente egoísta, e che100

 

PESQUISA INDIVIDUAL, PESQUISA EM EQUIPE

gando a tocar as raias do egocêntrico. Desta forma, somente em condições muito especiais a pe squ isa conseguiria se firmar firmar e lev levar ar o trabalho avante, na sociedade ocidental em geral e especificamente no Brasil Brasil.. Estas m ane iras de ver ver conté contém m então a noção de que trabalho de equipe e trabalho individual seriam mutuamente exclusivos em em C iências Socia Sociais; is; ou se escol escolhe he u m a  via, ou outra, a associação entre ambas parecendo impossível. Também aparece como preferencial para os brasileiros a pesquisa individual, dadas suas próprias características psicológicas, a que se somam as características psico-sociais psico-sociais da sociedade cap italista ocidental, de que faz azem em parte. Mas não existiriam outras razões, por detrás destas explicações de cunho ou profissional, ou psicológico, ou mesmo psico-sovigorando cada qual por ssii m esm as ou conjuntam ente segundo ciais,  vigorando ciais, os discursos de diferentes especialistas? A oposição dos contrários expressaria realmente as relações relações entre as du as for formas mas de pesq uisa? Pesquisa individual é aquela que o pesqu isador executa sozi sozinho,  não dividindo tarefa alguma com ninguém mais, e este isolamento constitui sua marca específica. É possível que num ou noutro aspecto do trabalho conte ele com um auxiliar esporádico, mas raríssimas vezes tal ocorre. O termo "individual" é significativo; encerra  o sentido de que o trab alho efetuado pelo pesq uisad or compõe um a totali totalidade, dade, aprese ntan do tal coesão inte rna que pode-se cconsionsiderá-loo co derá-l como mo um a só coi coisa; sa; tam também bém signi signifi fica ca que qu e o trab alho possui po ssui caracteres distintivos, permitindo o seu reconhecimento quando coloca col ocado do llado ado a la lado do ccom om outro s sem elhan tes, com com os q uais portanto não é nu nc a conf confundid undido. o.  A idéia de "menor divisão de um todo", que contém o termo "indivíduo", associa-se também à idéia de peculiaridades que o tornam único; a pesquisa individual apresenta, assim a característica de ser uma unidade - menor divisão de um  

 

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todo - e uma totalidade - no sentido de ser a extensão mais completa que engloba as particularidades internas. Constituindo-se unidade, esta pesquisa não pode ser parcelada; porém ela é uma unidade tal que todos os aspectos aspecto s pos possívei síveiss estão estã o inte interligados rligados,, o que que a "individualiza", isto é, a torna concretamente distinta de outras unidades semelhantes; é então totalidade. Que se entende por pesquisa de equipe? A  expressão significa literalmente "conjunto de indivíduos executando juntos as mesmas tarefas ou o mesmo trabalho", quer na labutação, quer no jogo.  Trata-se, portanto, de uma labutação ou jogo que pode ser dividid divi dido o em sua s ua execução e, o que é mais, mais , que deve ser dividido dividido em sua execução para poder ser realizado. Deste ponto de vista, sua oposição a trabalho individual não poderia ser mais clara. Outras noções estão também presentes naquele enunciado, que é necessário examinar. Além de uma noçã Alé noção o de coletividade (conjunto de indivíduos), indivíduos), a expressão encerra também também uma noção de igualdade igualdade entre entr e eles, uma vez que se desincumbem juntos das mesmas tarefas; não se trataria de uma divisão do trabalho no sentido orgânico, e sim de uma repartição de tarefas semelhantes. Como se trata de realizar algo coletivamente, há também uma noção de organização, de um arranjo tal que permite alcançar a finalidade proposta. A organização impli implica ca portanto na n a existência de uma estr e strutu utura, ra, in infor forma mall quando não existem normas precisas estabelecidas para se alcançar a finalidade proposta; formal quando existem as normas. E a um e outro caso de estrutura acompanha também uma forma específica de liderança, paralela e da mesma natureza: liderança informal na primeira alternativa, quando um dos componentes do grupo tende a ser escutado e seguido espontaneamente; liderança formal quando o líder, apoiado na estrutura vigente, tem explicita-

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PESQUISA INDIVIDUAL, PESQUISA EM EQUIPE

mente autoridade para ser o ordenador, o condutor, o animador do trabalho todo, podendo executar ou não a s tarefas tarefas jun tam en te com os demais. Talvez Tal vez estivesse no próprio próprio sentido profundo da s du as ex pressões,  trabalh o individual individual e trabalho de equipe, a razão de terem sido encaradas como contraditórias e mutuamente exclusivas. Pois se nu m a equipe todos todos reali realizam zam tarefas sem elhantes ou idênticas, e se o trabalho individual se caracteriza pela sua qualidade de "único", não podendo portanto ser confundi confundido do co com m um outro e não p ossuin do semelhantes, então tratar-se-ia realmente de duas formas inconfundíveis e irredutíveis. Dentro destes limites é que foram entendidos os trabalhos universitários de tese, cuja característica principal reside em sua originalidade, isto é, em sua singularidade, vale dizer no fato de serem únicos. Um trabalho trabalho único entre ou tros trabalh os, ori origin ginal al,, que é também um trabalho cujo autor se conhece, que é portanto um trabalho assinado , são essa s as características da pe squisa individual. A recusa do trabalho em equipe se enraizaria também num orgulho da au toria de algo algo inconf inconfundível undível,, de algo algo que ninguém m ais executou ou pen sou sequer ex ecutar. É aqui que se encon traria provav provavel el-mente a raiz do apego ao trabalho individual de pesquisa, como forma for ma preferi preferida da ao trabalh trab alhoo de equipe; equ ipe; preferência que leva a opô-lo opô-lo ao de equipe como con trários irr irreconcili econciliáveis. áveis. No entan to, o trato contínuo co com m as du as formas de trabalho, ressaltando su as convergências, convergências, sua s implicaçõ implicações es m út ua s, fo foi mostrando , em em toda um a vida vida voltada pa ra as m ais diversas pesqu isas, o erro erro que havia em considerá-las como como antagônicas. antagô nicas. A base bas e de am bas as formas está no fato de que qualquer pesquisa é composta de mú ltiplas tarefas tarefas que, conforme conforme o caso, ou conforme conforme a escolha previamente efetua efetuada, da, podem ser desem pen had as por um único indi indiví ví-duo, ou por um grupo deles. 1033 10

 

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A partir da forma extrema, em que o indivíduo executou tudo sem o m enor auxí auxílilioo de outrem, compondo o caso caso da pesqu isa p uramente individual, existem várias outras em que o trabalho individu al pode sedeasso a diversos que tiposformulou de trab alho colet ivo, o, quer qu erquer sob o comando umciar especialista todocol oetiv projeto, sem liderança e ccompondo ompondo um grupo q ue age ccomo omo tal desde o iníinício, isto é, desde a proposição do problema. Um dos tipos tipos mais habituais é aquela eem m que um pesquisador ideou todo o projeto, do qual executará as partes que considera "nobres", porqu e exigem exigem maior som a de conh ecimen to e de ref refle lexão xão,, distribuindo entre os auxiliares tar tarefas efas m ais mecân icas, e rele relegangando-os,   mutatis mutandis,  ao papel de operários não especializados de um a fábr fábric ica; a; isto éé,, rreservando-lhes eservando-lhes as tarefas que qu alquer u m, com co m u m mínimo de treinam ento, pode executar. N este este titipo po de pesquisa, as parcelas do trabalho ficam partilhadas hierarquicamente entre o pesquisador, de um lado, e, de outro lado, a mão de obra. Tal conjunto também compõe uma equipe, na qual existe desde o início um líder formal, o pesquisador-chefe. No interior interior deste conjunto, a relaç relação ão entre pesquisado r e mão de obra é de superior para inferior; a mão de obra é somente um executante, sem maiores conhecimentos, nemde apar respeito fas fas a serem realizadas, nem q uan to à fi final nalida idade a a qualdas as taretarefas se encaminham, nem com respeito à disciplina ou à ciência na qual a pesquisa se insere. Note-se novamente uma relação como que de patrã o p ara assalariado ; e, ccomo omo eem m geral esta mão de ob ra é paga, o vínculo vínculo empregatíci empregatícioo to rna rn a pa ten te a qualidad qualidadee do relaciorelacionamento. Mas pode-se levantar a dúvida: tratar-se-á realmente de uma equipe? Se o termo equipe significa realmente executar algo em conjunto, a aplicação do termo é irrecusável. 1 04

 

PESQUISA INDIVIDUAL, PESQUISA EM EQUIPE

Não são são mu ito ito ra ra s equipes de pe squisa deste titipo, po, compostas de "patrões" e de "trabalhadores braçais" da ciência. Este relacionamento nem sempre implica em remuneração monetária, que pode ser substituíd subs tituíd a po porr um "ersa "ersatz" tz" qualqu qualquer. er. - É o caso, por eexemxemplo,   de estagiários ou de estudantes que pensam adquirir assim certoo tipo cert tipo de experiência nu m a técnica ou nu num m a fase fase da pesquisa pes quisa . A remuneração estaria então na prática efetuada; ou, na melhor das hipóteses, numa citação de que fulano trabalhou com o professor sicrano em tal pesquisa - citação que sempre vai para currículo. Ainda outras vezes, quando se trata de estudantes de graduação principalmente, a tarefa de que são incumbidos lhes dará a nota necessária para se aproximarem aproximarem da obtenção do di diplo ploma. ma. Em todas es tas equipes de pesquisa, o esquem a autocrático é de regra. O pesquisador responsável, que dela em geral teve a iniciatitiva, cia va, escol escolhe he o tema tema,, formula os problem as, designa a s técn técnicas, icas, constrói const rói as justi justificat ficativas. ivas. Quan do se trata de estud ante s ou de estagiários, giári os, algum as vezes podem eles discutir certos as aspecto pectoss ou, pelo menos, recebem explicações mais ou menos detalhadas a respeito do que será efetuado, das razões das escolhas, das implicações das mesmas, das ligações cora quadros teóricos mais gerais. Obrigados à leitura da bibliografia pertinente, podem (pelo menos em teoria...) discutir alguns dos pontos que lhes pareçam duvidosos, podem sugerir pequenas modificações e melhorias. Porém o produto do do trabalho não lhes pertence, como não lhes pe rtencera a proposta inicial. Num outro extremo da escala das equipes, existe a pesquisa coletivamente porposta e coletivamente levada a termo, em que todos os pa pass ssos os fora foram m discutidos e ttom om ados em grupo, desd e o iníc início io do projeto até a interpretação final. Pode ela ter um coordenador mais experimentado, ou nem mesmo isso, e suas diversas fases se 1 05

 

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originam, origina m, da livr livree discussã o de todos os pa rticipantes. E sta última forma, for ma, q ue tem sido dad a como a forma forma ideal de equipe, parece m ais rara; e isso porque toda pesquisa requer uma organização, uma disciplina, que subentendem a existência de um condutor responsável, o qual pode ser formalmente ou informalmente designado. Poder-se-ia argüir que somente então todos teriam efetuado as m esm as tarefas em conjunto; n ão existindo existindo um ch chef efee designa designado do a partir de algo exterior à equipe, a hierarquia interna, que por acaso se estabelecesse, decorreria simplesmente da vontade comum, revelando o que deveria ser específico das equipes - o "espírito de grupo". Na verdade, em toda a discu ssão que opõe trabalho indivi indivi-dual a trabalh o em equipe existe, existe, subjacente, a idéia idéia de que, n um a equipe, o indivíduo o frio isolamen isolamento to para p ara m erguseus lhariguais, n o calor no caloro da coesão humana, deixa no relacionamento fraterno com que talvez não fosse mais frutífero para seu trabalho, mas seria mu ito mais satisfatór satisfatório io do ponto de vista hu m ano . Na língua língua fr franancesa, a expressão "esprit d'équipe" significa justamente a solidariedade que une os membros de um grupo, ao ao efet efetuar uarem em jun tos certas atividades. Co nsiderado especí específi fico co de grupos gru pos não m uito extensos, extensos , o "esprit d'équipe" expressaria a adesão íntima dos indivíduos uns aos ou tros, impelindo-os impelindo-os a agir como se constituíssem um a só pessoa. Noutras palavras, o "esprit d'équipe" seria uma forma de consenso social, caracterizada pela conformidade de pensamentos, de sentim entos, q ue se originar originaria ia da s ações sem elhan tes e sincronizasincronizadas dos indivíduos indivíduos qu e compõem o grupo. E sta coesão seria indisindispensável para que a equipe funcionasse de maneira eficiente, e daria ao indivíduo os apoios de que necessita para prosseguir sem fraquejar, nos percalços e dificuldades que toda pesquisa encerra. Assim, o aprofundam ento da análise relativa relativa a trabalho de equipe equipe e trabalho individual, reforçou a idéia de que a condenação do traba10 1066

 

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lho individual estaria presa à valorização da equipe como um conjunto solidário e harmonioso, dentro do qual os esforços seriam amenizados pelo calor do companheirismo. Esta definição de equipe muito se aproxima das antigas concepções de "comunidade", em sua oposição com "sociedade", formuladas por Tõnnies (1944), no dealbar das Ciências Sociais. A marca distintiva das comunidades seria sua pequena envergadura, permitindo um contato íntimo entre os participantes, que os levaria a uma integração profunda, profunda, a uma harmonia nas n as maneiras de ser e de pensar, a uma coesão do tipo "um por todos e todos por um". O cará caráter ter ilus ilusó ório desta de sta conce concepção pção de comunidade co munidade j á tem sido suficient sufic ientemen emente te denunciado denunciado,, mostrandomo strando-se se que todo grupo, seja seja ele ele primário ou complexo, contém sempre fermentos de discórdia que ora se avivam, ora entram em latência, uma vez que os grupos são sempre compostos de elementos díspares, diversamente colocados em relação relação uns aos outros.  A  dissemelhança dos elementos, elementos, a variedade de suas posições no interior do grupo, seriam dois primeiros fatores de oposição; noutras palavras, às variações oriundas das peculiaridades de cada indivíduo, indivíduo, se somariam as variações de seus seu s inter-relacionamentos, decorrentes das variações de suas posições no interior interior do grupo. A  própria existência dos indivíduos, indivíduos, a cada um ligando conjuntos de circunstancias derivadas de suas peculiaridades e experiências, porém destas também criadores, constitui sempre um fator de oposições, de contradições, de conflitos. Com omo o qualquer outro grupo, a equipe equipe de pesquisa é composta de indivíduos no sentido específico desta palavra; ela significa literalmente o que é indivisível por sua natureza, e definido por caracteres distintos mais ou menos permanentes, permanente s, que permite permitem m sua s ua ide idenntific ti ficação ação no meio meio de de outros outro s indivíduos aparentemen apare ntemente te semelhantes; como tal, o indivíduo é ao mesmo tempo "unidade" e "totalidade",

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em suas particularidades inconfundíveis. Esta contradição que define o iindiví ndivíduo, duo, ele a carrega pa ra o interior do grupo, no qual age sempre de maneira ambígua, pois é ao mesmo tempo semelhante aos dem ais, porém com eles inconf inconfundí undível vel,, e é esta contradição fu funndam enta entall que fo foi esquecida, ou ffooi considerad cons iderad a de menor impo importânrtância, quando, por exemplo, Tõennies definiu as comunidades pela sua forte homogeneidade e coesão internas. Tais considerações se aplicam também às equipes de pesquisa. Seja Seja qua l for for a su a qualidad e, que querr se trate trat e de um a equipe for forttemen te hierar hierarquizada, quizada, quer se trate de um a equipe tendendo tendendo pa ra o igualitarismo, encerra sempre possibilidades de harmonização e de confl con flitito, o, que se est estabelecem abelecem ou se an anulam ulam nu m dinamismo que pode tomar formas maisque diversas. A equipe pode nc ar ou reduzida a cada india svíduo indivíduo a compõe - nnem em não mesm o aoser seunulíder líde aaoo seu chefe; mas também não pode ser considerado dotada de coesão monolítica. Ela tem uma vida que lhe é própria, uma realidade em constante se fazer, que se altera segundo os diversos momentos do trabalho e conforme os influxos dos indivíduos componentes. Não é possível, pois, considerar a equipe sem referência aos indivíduos que a formam; o que eqüivale a introduzir o conceito de indivíduo indi víduo como parte integran te do modo de ser da equipe - indiví indiví-duo que é sempre parte dela, que a influencia, e sobre o qual ela tamb ém exer exerce ce infl influência. uência.   O conceito de d e equ equipe ipe e o conceito de indiindivíduo são indissolúveis, estão em reciprocidade e perspectivas, contém implicaçõe implicaçõess m útu as . É através da explor exploração ação dos as aspectos pectos ap arentemente contraditórios da associação equipe-indivíduo que se poderá aquilatar das potencialidades e das limitações de todo trabalho efetuado em conjunto. É necessário, então, rever a noção de que a equipe formaria uma pequena comunidade no sentido que Tõnnies deu ao termo, e 10 8

 

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que a caracterizaria em função da s rel relações ações dire tas e afetivas afetivas que se instalam entre os membros, fomentando a coesão, criando a harmonia e rompendo o isolamento individual. Segundo esta maneira de ver, a reunião de pesquisadores numa equipe seria o antídoto contra a heterogeneidade e os conflitos decorrentes das estruturas sócio-econômicas, das localizações geográficas, das preferências e rivalidades psico-sociais etc. e desenvolvendo em seu interior uma união profunda. Porém, Por ém, ao contrário do que se iimagina, magina, a est ru tu ra internam ente hierarqu izada de um a equipe pode des desenvolv envolver er entre os participantes um a coesão mais vigo vigoros rosaa do que entre os com ponen tes de uma equipe de cunho igualitário, mesmo quando se trata de uma equipe internamente hierarquizada de maneira rígida entre "patrão" e ""mão mão de obra", obra", que dir-se-ia não formar formar um a "verda "verdadeideira" equ equipe... ipe... Existe, nes neste te caso, um a clara diferenciaç diferenciação ão en entre tre "ego "ego"" (a m ão de obra) obra) e "ait "aiter" er" ((oo che chefe fe). ). Fo rm ada de um a c am ad a sub ordinada, sobre a qual pesa o poder dominante do chefe, ela contém o ingrediente até hoje considerado o mais importante para o fortalecimento lec imento de laços laços de união entre indivídu os: a consciência de qu e existe o "outro" como um eleme nto po tencial ou ef efet etiv ivoo de m an ando do e de opressão. De há muito estabeleceu a filosofia que o conhecimento de "ego"   é inseparável do conhecimento de "alter", conceitos funda"ego" mentais e primeiros do pen sam ento, ent o, indissoluvelm ente ligados. "Ego" "Ego" e "alt "alter er"" não surgem , pois, separado s, cad a qual com su a existência existência em si; estão sempre unidos, só podendo ser definidos reciprocamente. Esta constatação constatação tem se us prolongamentos em descoberta descobertass sociológicas: também se conhece há tempo em sociologia que toda solidariedade interna de um grupo se cria ou se reforça quando reconhecida a exixtência de "alter"; "ego", em sua forma plural de 109

 

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"nós",  tem sua solidariedade elevada ao auge quando outro grupo, "alter", ou "eles", o ameaça. As equipes de pesq uisa não foge fogem m a estes preceitos. Compostas de poucos mem bros, ou ou muito num erosas; de estru tura hier hierararquizada, ou igualitária - encerram sempre em seu interior ou divisões, ou virtualidades de divisões, que se exprimem sob a forma de "nós"   e "eles", as quais se solidificam desde que um dos termos sinta a resistência ou a ameaça do segundo, à qual deva fazer face. Ou e ntão desd e que o conjunto todo se vej vejaa dia nte de um "alt "alter' er' que lhe seja seja externo, represe rep rese nta nd o com petiç petição ão ou perigo. perigo. Todas as pesquisas de equipe tem, portanto, em comum o fato de internamente se constituírem de parcelas individualizadas - os indivíduos - entre

os qu ais pode in stal stalar ar se ou distinguirem coesão, ou conflit confl o; oe també o fa fato toe pode, voltadas par a se o exteri ext erior, or, disti nguirem do ito; mei meio circunmdante dem reagir em relação a ele ou pelo fomento de consenso interno entre os indivíduos e conseqüente aumento da diferenciação para com o exteri exterior, or, ou pela diluição no mei m eioo externo e conseqüen conseq üente te desd esfazer-se como grupo. O termo equipe não nomeia pois exclusi exclusivamente vamente aquele conju nt o em que todos os participan tes, executando tarefas sem elhantes,  exercem também a gestão da pesquisa. Esta seria uma forma extrema d a equipe, de que formas formas h ierarqu izadas diversas, até chegar à forma autoritária, seriam outras tantas maneiras de ser. O reconhecimento de que a perspectiva do indiví indivíduo duo n ão pode ser deixada de lado quando se encara uma equipe tem conseqüências de relevo para a organização das tarefas. Ao se admitir que somente quando "todos fazem tudo ao mesmo tempo" se teria um verdadeiro trabalho de equipe equipe - ist istoo é, qu and o a equipe seguisse o ideal harmonioso da comunidade coesa - não seria possível introduzir reais divisões de trabalho dentro dela. A divisão do trabalho 11 0

 

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consiste na distribuição de tarefas diversas entre os indivíduos, segundo estes se diferenciam pelo sexo, pela idade, pela instrução, pela habilidade, pela experiência etc, de tal forma que cada qual exerce exer ce um a atividade atividade diferente; diferente; a integração integração da s tarefas, nes te caso, compõe a totalidade da pesquisa. Desta divisão do trabalho também se origina um tipo de solidariedade muito específico, denominada por Durkheim (1893) "solidariedade orgânica" ; resulta ela da própria diversidade das tarefas, e da importância de todas para se alcançar o resultad o final, final, de modo que a fal falha ha de um a prejudicará o produto e, conseqüentemente, prejudicará também o grupo. O ra, em toda pesqu isa de equipe equipe existe existem m tare tarefas fas qu e ga nh am em serem executadas por todos, e ao contrário outras que exigem por assim diz dizer er a divi divisão são do trabalh o. Divisão Divisão traba lho pode constituir inclusive base para ampliação de do coletas, paraquealargamento de pontos de vista, vista, para aceler aceleramento amento da execução. Em todo trabalh o de equipe, é mu ito comum comu m existirem parc elas e fases fases realirealizadas zad as em comum , parce las e fas fases es individuais, individu ais, como como se pode observar, por exemplo, na pes pesqu quisa isa que deu lugar lu gar a todas e sta s reflexões reflexões.. A distinção entre umas e outras fases pode ser efetuada pelo coordenador da pesquisa; porém nada impede que decorra de uma discussão bastante acurada em grupo. pesquisadareferida, o princípio de basedafora o daisado distinção entre oNatrabalho coordenadora e o trabalho s pesqu ras; à primeira, devido à sua experiência, caberia a organização da pesquisa qu isa em geral; geral; às se gu nd as, cuja fina finalilidade dade espe especí cífi fica ca e ra a aquisiaqu isição de experiência, caberia a execução da mesma. Haveria discussões em conjunto sempre que necessário, não se estabelecendo nenhuma periodicidade a priori. No que dizia respeito as pesquisadoras,   as tarefas seriam semelhantes entre si - isto é, a divisão do doras, trabalho, no interior interior da equipe, se inscr inscreveria everia praticamen te ape nas na separação entre organização e execução. 111 11 1

 

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Reconheceu-se em em discu ssão em grupo, grupo, que, por su a própria natureza, algumas tarefas só poderiam ser executadas individualmente: a) a coleta do material por meio de entrevista gravada; b) a transcrição das fitas; c) a consulta bibliográfica em bibliotecas e centros de estudo; d) a análise das entrevistas, cada pesquisadora ana lisan do as su as ; e) e) a composição de relatórios parciais, relat relativos ivos às tarefas que cada uma executasse, os quais seriam formados de relatórios individuais reunidos depois num todo. O utros passos d a pesquisa, todavi todavia, a, se im pu nh am co como mo eminentemente coletivos: a) a discussão do elenco de tarefas e de sua seriação seria ção no tempo; b) a discussã o de esqu em as pa ra a s entrevistas, a fim de que todas as pesquisadoras soubessem o que perguntar aos quando necessário, questões semelhaninformantes, tes; cc)) o estabel estabelecimento ecimento dos rum eoscolocassem de análise das entrevista entrevistas; s; d) a discussão dos esboços de relatórios parciais, afim de obedecerem a padrões sem elhantes; e) a discu ssão em sem inári inárioo da s leit leituuras efetuadas individualmente, para se chegar a uma orientação teórica teóri ca hom ogênea. Releva notar que, embora se admitisse a existência de parcelas de trabalh trabalh o individuais, tamb ém se ttomou omou por princí princípio pio de base, desde o início, que nenhuma tomada de decisão seria possível se não fosse fosse pprecedida recedida de d iscu ssão por todo o grup grupo, o, inclusive a ccoor oor-den ado ra. Tais discu ssõe s si signi gnifi fica cavam vam um esfo esforç rçoo conjunto de crít crítiica e de resoluções durante as quais pesquisadoras e coordenadora manifestariam livremente suas opiniões, sem a observação de nenhuma hierarquia. Descendo agora a detalhes, havia todo um conjunto de leituras que devia ser básico e efetuado por todas as pesquisadoras; o restan te, em m uito maior qua ntida de, foi foi partilhado entre elas, que executaram esta tar tarefa efa individualmente. Assim, cada p esquisado ra 11 2

 

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teve a seu cargo um elenco especí teve específi fico co de leitur le ituras, as, de que qu e deu ciência às dem ais em seminário. As leituras comu ns também fo fora ram m discutidas em em grupo para se chegar a um a comp reensão unifor uniforme me e para que o mesmo questionam ento fo foss ssee apli aplicado cado ao trabalho er eraa curso . A organi  organização zação d as tarefas teve, pois, como pon tos essenciais esse nciais a discussão em grupo de todos os passos, de todas as decisões, de todos os problem as qu e foss fossem em surgindo, por um lado, e por ou tro lado,  a execução de tarefas individuais pelas pesquisadoras, que iam da aquisição de conhecimentos bibliográficos à coleta de material, à redação de relatórios, passando pela análise dos dados. Desta forma, forma, com binara m -se tarefas coletivas coletivas e tarefas individuai individuaiss e, no tocan tocan te a es tas , tarefas sem elha ntes (co como mo a coleta coleta de material) e tarefas diferentes (como a leitura de partes diversas da bibliografia) . E sta organizaçã org anizaçãoo deu de u flexib flexibililida idade de à equipe; não exigi exigiaa horárihor ários fixos, não ordenava que todas trabalhassem ao mesmo tempo, não estipulava estipulava d ata s regu lares de encontro encontro en tre elas, ou delas com com a coordenadora. coorden adora. Tudo fo foi sendo fifixa xado do na m edida da s ne cess cessidad idades. es. E os próprios relatórios parciais se compuseram de partes da responsabilidades de cada pesquisadora, que foi por esta individualmente assinada. Poder-se-ia dizer que este exemplo não é muito concludente no que diz diz respeito respeito à divisão divisão do trabalho, trabalh o, pois p ois não houve real especial ci aliz izaçã açãoo da s pesq uisad oras, de tal tal modo que cada u m a reali realizasse zasse uma tarefa individualizada. A especialização seria a característica fundamental da divisão do trabalho, manifestando-se na execução, por um indivíduo, de parcela diversa da dos demais. Na pesquisa aqui examinada, a especiali especialização zação existira existira som ente na separa separação ção entre e ntre coordenação e execução, por um lado, e na atribuição de leituras diferentes às pesquisadoras, por outro lado. As demais tarefas, em113

 

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bora não executadas coletivamente, eram iguais e intercambiáveis entre si, exigindo atividades idênticas, se bem que individualmente executadas. No entanto, mesmo a pouca divisão existente, representada pelas tarefas tarefas diversas da coordenadora e das pesqu isadoras, e também pela p ela leitura de um a bibliogr bibliografi afiaa difer diferenciada, enciada, perm ite aqu ilatar a importância de uma divisão de tarefas mais pronunciada. Quando todos, no interi interior or da eq uipe, reali realizam zam ativi atividades dades absolutam ente idênticas, a fal falta ta ou erro erro de um d os mem bros não ac arretará grande distúrbio no trabalho; uma pequena quantidade do trabalho não será executada, executad a, a qualidade do todo perm permanece anece intac ta. Poré Porém m q uando se opera uma real divisão do trabalho no interior do grupo, a falha de um prejudica o resultado do conjunto e é ressentida por todos, sendo nociva ao produto. Depreende-se destas observações que a exigência de integração da equipe e, e, portanto, d a su a coesão interna, se torna m ai aior or no caso de aumento da divisão do trabalho e de especialização das tarefas, que poderiam ser definidas pela "solidariedade orgânica" de que fala Durkheim (1893); e a esta solidariedade, demandada pela própria diferenciação interna daquilo que se executa, opunha elee a solidariedade m ecânica, r esu ltan te d a efet el efetiv ivida idade de q ue un e os indivíduos entre si e proven iente da sem elha nça de su as experiê experiênncias e de suas situações. Para a coesão da equipe não seria importante, pois, que todos executassem as mesmas tarefas e tivessem a mesma situação; o importante seria que todos os componentes da mesma conhecessem a relevância da tarefa que executavam para a realização do todo, de tal modo que se sentissem presos u n s aos ou tros pela divis divisão ão das p róprias atividades que executam e pela consciência de que também o produto final estava sob sua responsabilidade. 114 11 4

 

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Os comentários efetuados chamam, portanto, a atenção para o vulto e o significado do trabalho individual no interior de uma equipe. Todo trabalho de equipe é uma soma ou uma organização de trabalhos individuais; as duas formas não são mutuamente exclusivas, clus ivas, como como habitualmente habitualm ente se pensa. O trabalho trabalho de equi equipe pe aparece como preferencial em relação ao individual, não porque seja de outra qualidade, ou de qualidade superior, e sim porque constitui uma categoria mais ampla, dentro da qual existe o trabalho individual. Assim, o trabalho de equipe não é apenas uma forma preferencial de trabalho científico (o que é amplamente admitido em todas as disciplinas, porém pouco realiz realizado ado em Ciências Sociais Sociais); ); constitui também a categoria mais ampla das formas de trabalho científico, de que o traba trabalho lho individ individual ual comporia uma das espécies. Pois, embora pareça pareç a paradoxal, não nã o se pode na verdade verdade compreender compreender a existên existên-cia de um trabalho científico puramente individual. Este não tem realidade em si. Todo Todo pesquisador, pesquisador , todo cientista é sempre parcela de um conjunto muito mais amplo de especialistas, de todo um grupo engajado nas tarefas de desenvolver os conhecimentos de sua área. No interior desta vasta equipe, o trabalho aparentemente individual nada mais é do que uma parcela executada por um pesquisador que ilusoriamente  se julga único e solitário, e que se envaidece de chegar sozinho a resultados que só ele alcançou... No entanto entanto,, esta ilusão é muito mais encontrada encontr ada nas n as Ciên Ciênci cias as Sociais do que nas Ciências da Matéria, ou nas Ciências da vida; nestas, o pesquisador tem muito mais consciência consciência de que, que, sem seus seu s  não poderia realmente realmente trabalhar, mesm mesmo o que aparentemente pares, não pares, seja um pesquisador individual. Quais as razões para a inveterada persistência nas Ciências Sociais, da consideração ilusória do valor do trabalho individual?

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Uma explicação, que deveria ser investigada para se aquilatar, sua importância, estaria ligada aos custos de uma pesquisa de equipe, em relação às pesquisas individuais. Nas Ciências Sociais, que até há pouco tempo não foram ciências de laboratório, nem de aparato apar atoss mecânicos, um pesquisador isol isolado ado pode pode es escolhe colherr um tema, trabalhá-lo trabalhálo sozinh sozinho, o, chegando de maneira mais ou men menos os rápida ao término de sua busca; este tipo de pesquisa não exige grandes verbas,   nem gr grandes andes dispêndios monetários. monetário s.  O  mesmo não ocorre quando se trata de pesquisa de equipe. Quando o especialista em Ciências Sociais se encontra diante da urgência de efetuar um trabalho de pesquisa para efeitos de carreira, encontra então no trabalho isolado possibilidades de realizá-lo com menores ônus (que geralmente pesam sobre seu próprio bolso) e com maior rapidez. Esta circunstância pode ter auxiliado a transformação deste tipo de trabalho em norma geral, nas disciplinas citadas. Em nossas universidades, as Ciências Sociais, ao contrário das Ciências da matéria e das Ciências da Vida, nunca foram bem aquinhoadas em verbas para pesquisa; os minguados auxílios recebidos foram sempre parcamente suficientes para custear apenas pesquisas de pequena envergadura, como são as individuais; a obtenção de recursos mais importantes sempre exige tempo e esforços que nem sempre é possível ao especialista despender. E torna-se assim significativo que seja tão disseminada entre seus pesquisadores a noção da importância primordial da pesquisa individual, e mais ainda, a noção de que a pesquisa individual - e não a pesquisa de equipe - seria plenamente adequada a seu tipo específico de ciência... O obstáculo real do custo da pesquisa de equipe não   é jamais alvitrado, como se os pesquisadores não suspeitassem de sua existência. Omissão Omissão também muito signific significat ativa iva:: não existin existindo do esta est a cons11 6

 

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cientização por parte dos cien tistas sociais, cientização sociais, não exig exigem em m aiores ver ver-bas,   o que redunda em economia para as universidades e as instituições financiadoras, que não são assim assediadas por pedidos importantes de auxílio financeiro, de sua parte. As demais ciências não encontram, então, a competição dos cientistas sociais no que diz respeito a altos pedidos de verba. Es ta situa ção tem como corol corolári árioo ffala alarem rem os espec especialistas ialistas d as outras ciências e os institutos financiadores, com certo desprezo, da modéstia dos pedidos das Ciências Sociais, da incapacidade de seus pesquisadores em apresentarem orçamentos válidos de pesquisa... Por outro lado, não sendo habitual a pesquisa de equipe, mais longa e mais cara, porém também mais ampla e levando a maiores aprofundamentos problemas, situação tem como conseqüência uma lentidãodos muito maior naesta obtenção de novos conhecimentos, no desenrolar do progresso científico. individual ser seria ia um a for forma ma preA adm issão de que a pesqu isa individual ferenci fer encial al de trabalho traba lho esp especí ecífi fica ca da dass Ciências Sociais Sociais constituiria, assim, si m, uum m a for forma ma velada e inconsci inconsciente ente de afastar a concorrência destes pesquisadores pesquisadores no mercado da s verbas - d estes pesquisadores aos quais se recusou dura nte tanto tempo o estatuto de cientis cientistas.. tas....

Referências bibliográficas DURKHEIM, E.  La division du travail social.  Paris: Alcan, 1893. TÔNNIES, F.  Communauté et société. Paris: Presses Un iversit iversitaires aires de France, 1944.

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ANÁLISE ANÁLI SE D E   DOCUMENTOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS'

Maria Isaura Pereira de Queiroz O instrumental para registro de comportamentos e opiniões dos indivíduos teve um grande desenvolvimento neste século, ampliando de maneira impressionante a possibilidade de sua coleta e conservação. As décadas que se seguem à Seg unda G uerra M undial estão as pela ampliaçãoProcura-se ampliação de técnicascom m ecânicas como oa mais fotofot grafia,moarcad cinema, o gravador. eles chegar próxi pró ximo mo possível possível de de um a reprodu ção do s dados tais qu ais se apresentam em sua natureza empírica, numa crença ingênua de que sua captação se faz com um grau muito elevado de objetividade e, portan to, com um mínimo de interf interferênc erência ia da subjetividade subjetividade do pesquisador. A uti utililização zação deste instru m ental foi sendo efetuado efetuado qua se sem nen hu m a re refl flex exão ão d as m aneiras de agir agir e de su as implic implicações ações,, como se se o fa fato to de se tratar trat ar de técn técnicas icas mecân m ecânicas icas im plicasse em que qu e era necessário somente um domínio da aparelhagem empregada, seu m ane anejo jo não exigin exigindo do senão a habilidade autom ática dos gestos reproduzidos sem pensar. Já anteriormente, neste trabalho, foram apresentadas críticas a estas concepções.

Artigo Arti go mimeogra mimeografado fado,, São Paulo: P aulo: CERU/USP, s.d.

 

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Ao lidar com este material, o segundo aspecto a ser cuidadosamente considerado é o de sua ulterior utilização; quando se trata de coleta por meio de gravador, era necessária em seguida a transcrição da fi fitta p ara ar a um texto da datitilogr lografado, afado, o qual ppassa assava va a constituir um novo documento - agora escrito. Tal passagem também foi examinada noutra parte deste trabalho, enumerando-se os requisitos pa ra que qu e a transc transcrição rição se conserve fiel à gravação. Também mu muito ito poucoo ffooi efetuado no pouc n o que diz diz respeito à ref refle lexão xão crítica concern con cernente ente a este passo, nas diversas obras existentes. Finalmente, é preciso encarar uma nova fase do aproveitamento destes documentos, no que diz respeito às informações que encerram ence rram . Até agora, tal aproveitamento tem se limita limitado do à ap resen resen-tação pura por daspesq transcrições, diversas formasNos de deinterferência terfe rência pe orsimples parte do uisad uisador or quecom colheu o ma material. terial. poimentos poim entos recolhidos por EEclé cléaa Bosi (1 (1979 979),), houve ordenação e cortes para depurar a narrativa de repetições, e uma escolha de tópicos que se referissem referissem m ais de perto aos prob lemas da m emória. No caso da célebre obra "Os filhos de Sanchez", do antropólogo Oscar Lewis (1970), a intervenção do mesm o ffooi men menor, or, buscan bus can do el elee resg uard ar a integridade do que fora exposto pelos informantes, e buscando o pesquisador somente ordenar de forma congruente a fala destes. Fina lmente, Finalme nte, no liv livro ro "I "Ioi oiôô peq pequen uenoo da V árzea N ova" ova".. De Már Mário io LeôLeônidas nid as Casanova Casan ova (1979) (1979),, o pesquisador pesquisa dor pro curou se prend prender er ao máximo às m an aneira eirass de di dizer, zer, às idas e vind as no tempo, efetuadas pel peloo informante, tal qual ficar ficaram am registrada regis trada s na fi fitta, sem nad a m ud ar de su as repet repetições ições;; no entan to, também foi necess ária u ma escol escolha ha de tópicos, e o sacrifício de outros, para que todo o material recolhido fosse publicável num volume. No entanto, apesar das intervenções dos pesquisadores, que parecem ser inevitáveis, o relato de cada informante é apresentado 120 12 0

 

ANÁLISE DE DOCUMENTOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS

como um todo todo.. De acordo com o modo pelo qual foram foram ofereci oferecidos dos ao público, depreende-se que o estudioso que os colheu acredita que este tipo de documento só será   capaz  de veicular informações a outrem qua ndo se apr esen tar n a su a integr integridade. idade. Po Porr esta ffor orma ma de utilização, que afasta também uma interpretação do material contido nos depoimentos, parecem aqueles pesquisadores afastar qualquer possibilidade de análise dos depoimentos colhidos. A colhidos. A interpre interpretação ou é inexistente, ou é mínima, reportand o-se a aspectos co como mo os mecan ismos da m emória, emória, e não às infor informaçõe maçõess transm itidas pelo loss depo entes. Por análise, no sentido operacional do termo, entende-se o recort rec ortee de um a totali totalidade dade n as p artes q ue a ffor ormam, mam, que são então apreendidas na seqüência em que se na apresentam, para, num gundo momento, serem restabelecidas sua coexistência. Numse-e noutro m omento, ist istoo é, na decomposiçã decomposiçãoo e na su bseq uen te re recomcomposição, obedece-se rigorosamente às relações existentes entre estas partes. Admite-se que este desfazer de um objeto segundo uma marcha específica, seguido de um refazer em ordem diferente (pois no primei primeiro ro mom ento a orde ordem m é de sucessã o e, no segundo mom ento to,, a ordem ordem é de ssimultaneidade), imultaneidade), permite chegar a um a compreensão mais profunda de seu sentido, a uma avaliação mais clara de suas qualidades qualidades.. Na verdade, na maioria dos trabalhos conhecidos que lidam com histórias de vida e com depoimentos gravados, o material não foi em seguida analisado. Na própria obra, a tantos aspectos admirável, de Ecléa Bosi, não foi utilizado este tipo de aproveitamento. Cada história de vida e depoimento pessoal se transforma assim num documento, cujo valor de transmissão de informações ou de dem onstração residiss residissee n a conservação de todos os detalhes, co como mo se não fosse fosse possí possível vel compreend compreendê-los ê-los se não c onservando-os onservan do-os n a forfor121

 

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ma monolítica. A divisão em partes, ou a busca de determinados dado s com com a exclusão de ou tros, detu rparia e a parte, e o todo. Os pesqu isadores re refe feri ridos dos parecem aceitar implicita implicitamente mente q ue o aproveitamento destes documentos só seria possível com a conservação integral de forma e conteúdo. Estas observações não foram explicitamente formuladas. Porém a maneira constante e única pela qual foram apresentados os docu m entos, por pesquisad ores m uito diferent diferentes es e sem sem contato entre si, leva a estas interferências. Como corolário, conclui-se que realmente não cabe ao pesquisador analisar e interpretar, porém sim e somente transcrever. O pesquisador, munido de seu gravador, se transformaria, neste caso, em mero coletor de material, em mero fabricante são de necessários documentos.e,Sem dúvida, bonstrabalho, fabricantes de documentos noutra parteosdeste foi examinado como deveriam agir, quais os parâmetros que orientariam sua coleta afim de alcançar a maior validade, quando utilizados os gravadores. Porém esta finalidade deverá ser a única, afastando-se qualquer aproveitamento ulterior dos mesmos? E, caso este aproveitamen aprov eitamento to seja possível, possível, não terá ele regras q ue devam ser observadas? Est as questões são tanto mais pertinentes, q uan to a inter intervenvenção do próprio pesquisador já se fez sentir na transcrição da fita para o documento escrito, fazendo-o escolher o que conservar e o que eliminar. Noutras palavras, efetuou recortes no material levantado e conservou, como documento escrito, os tópicos que determinados critérios lhe apontaram. Esta primeira intervenção, inteiramente necessária, permite encarar outras intervenções posteriores como possíveis. Parecia cabível cabível ind indaga aga r dos d os espe cialistas em "análise de text texto" o" - estudiosos da literatura e da filosofia - quais os passos a serem 122

 

ANALISE DE DOCUMENTOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS

seguidos af afim de se apreen der o que contém u m docum ento escrito. Ao que parece, porém, não existir existiria ia nen hu m esquem a, ne nh um conjun to de regras que pud esse ser sistematicamente sistematicamente transm itida aos interessados em efetuar uma operação desse tipo. Intuição, erudição e experiência compõem o arsena l de que se serve o estud ioso em tal analise, tan to no qu e diz respeito à literatu liter atura ra e aos textos fi filo losó só-ficos, quanto no que tange às memórias, às autobiografias, isto é, a textos próximos próximos da s h istórias de vida e dos depoimentos, colhi colhidos dos por cientistas sociais. Não é poss possíve ívell formular formular ne nh um a n orm a operacional que oriente o trabalho de um pesquisador, uma vez que cada pesquisador tem sua própria experiência e sua própria erudição,  que o le levarã varãoo a um entend imen to m ais raso ou mais prof profundo undo dos materiais estudados, porém sempre diferente dos demais. Existirão, portanto, múltiplas interpretações possíveis dos documentos, cada qual constituindo a expressão das peculiaridades de um estudi estudioso, oso, e de su as intenções num mom ent entoo dado; ininterpretações que poderão ser inclusive antagônicas, conflituosas e mutuamente exclusivas. Assim, os estudiosos que se especializam em "análise de textos", textos", não utilizam o termo "análise" em seu significa fi cado do atu al de decomposição em pa rte s.  O sentido atribuído é outro m ais antigo: o de bu sca r os princípios princípios que presidiram à con strução do texto texto e desvend ar a origem origem do mesm o, pela comp reensão daquilo que ele contém. Note-se que, seguindo-se este rumo, realmente o texto deve ser apreendido em sua totalidade, e o aprofundamento de seu significado só é alcançado através da conservação de sua integridade. Tal man eira de ver parece parece considerar que os docum entos escritos só teriam uma forma de aproveitamento - a que revelasse a visão do mundo de seus autores nos seus princípios mais recônditos.  Foi esta a perspectiva d a ch am ad a "esc "escola ola alemã de sociol sociologi ogia" a" 123

 

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que,  iniciada com Dilthey (1833-1911), teve em Max Weber (18641920) seu mais alto expoente: perspectiva que, dos fenômenos da história, e sten stendera dera m a todos os fenômenos fenômenos sociais. Eram de opinião opinião que estes fenômenos só poderiam ser conhecidos através de uma compreensão intuitiva, que atingisse o seu sentido intrínseco, essencialmente sing ular. O ato de com preensão era entendido como a captação empática da intimidade do objeto estudado, em sua individualidade, porém também em sua totalidade. Recusava-se, assim, nas ciências sociais, a validade de uma análise tanto quanto possível possí vel seca, indiferente, indiferente, fri fria, como a que h abi abitua tua lm ent entee se exerc exercee na s ciências ciências exatas e natu rais. A incon incongruên gruência cia de sta perspectiva com o obj objet etiv ivoo que qu e levou levou à

utilização dos meios mecânicos de registro dados é indiscutível. Os meios mecânicos são enaltecidos porquede permitem um afastamento de pesquisador e de sua subjetividade na coleta dos dados; possibilitam, desta d esta forma, forma, d ado s muito ma is próximos da realidade, realidade, sem a distorção trazida pelas emoções dos estudiosos. Porém no mom ento em que se volt voltam am pa ra o aproveitamento aproveitamento do m ateri aterial al que colheram, então a subjetividade e as emoções voltam a ser fundamentais... Na verdade, estamos diante da antiga querela "ciências da natureza - ciências da compreensão", que dividiu os cientistas sociais nos no s fins fins do século p ass assad ad o (XIX), pe rdu ran do em todo o iní iní-cio deste (XX); querela que Georges Gurvitch (1957) (1894-1965), na década de 50 deste século (XX), incluiu entre os "falsos problemas"   das Sociologias. Como mostrou Gurvitch, não são posições mutuamente exclusivas; dependem da perspectiva em que se coloca o pesqu isador a fifim de efetua efetuarr o seu tra balh o. As perspectivas perspectivas de pesq uisa são, pois, múltiplas. No caso das histórias de vida e dos depoim entos pesso ais, podem estes ser utiliutilizados para esclarecer a existência, os processos mentais, as ca124

 

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racterísticas psicológicas de determinado indivíduo; somente estaria em causa a reconstrução daquela existência, ou então do fato sobre o qual se solici solicitou tou explicitamente explicitamente o testem un ho do inf informanormant e . Nestes dois casos, realmente, o documento deve ser conservado na sua integridade, e deve ter o seu significado apreendido através da penetração cada vez vez mais abrang ente que o estudioso p uder efetuar. Pod Podee ser que tais docu m entos tenh am si sido do colhidos colhidos exclusi exclusivavamen te com com es sa finali finalidade; dade; porém, m esmo n este caso , seu apr aprovei ovei-tamento para outros fins não fica em absoluto excluído. Na verdade, histórias de vida e depoimentos depoimentos pessoais, a partir do momento em que foram registrados, passam a constituir documentos como quaisquer outros, isto é, se definem em função das informações, indicações, esclarecimentos, escritos ou registrado, que levam a elucidações de determinadas questões e funcionam também como provas (MELLO E SOUZA, 1980). A utilização de histórias de vida e depoimentos pessoais - da mesma forma que qualquer tipo tipo de docum ento escrito escrito ou registrado registrado - p ass ará a depen der então do interesse e do objetivo da pessoa que o consulta, seja ele um pesquisador científico, ou qualquer outro profissional. Como su a utilização utilização est estáá governada pelo pelo problem a enun ciado pelo consultante, somente através da análise, isto é, do desmembramento dos tópicos que contém, poderá ser aproveitada a informação que contém. Pode o pesquisador estar interessado em conhecer especificamente quais as informações que o documento contém;sua busc a não estará orientada então por um a questão especí pe cífi fica ca e delimitada, ela seguirá segu irá em s u a indaga in daga ção o contexto que o mesmo apresenta, porém também efetuando uma análise, ou noutras palavras, identificando os diferentes temas nele existentes, o que significa separá-los uns dos outros. 125

 

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De acordo com esta perspectiva, a análise permite infinitas indagações dirigidas aos documentos - desde que estes sejam suficientemente ricos para servirem a uma grande quantidade de pesquisas. Empregando um vocabulário atualmente em moda, múltiplas são mas leituras que qualquer documento permite, porém a atitude dos est estudiosos udiosos diante del delee são ape nas du as: tomá-l tomá-loo em su a peculiaridade e levantar os problemas que ele encerra; ou então efetuar a leitura depois de formuladas as qquestõe uestõe s que julgam interessantes, na suposição de que ele encerra elementos que permitem esclarecê-las. Estas atitudes se aplicam a todos os tipos de documentos, sejam eles escritos ou gravados. Uma diferença apresentam os pesquisadores que utilizam a técnica de equestionários de entrevistas dialogadas roteiro (pergunta resposta resposta)) p araoua aconstrução construçã o de documentos. docume ntos. com N est estes es doi doiss casos,  o próprio pesquisador, ao construir seu questionário ou seu roteiro, efetua nesse momento o primeiro corte da realidade, a primeira análise, assim como como delimi delimita, ta, de m aneira m ais ou menos restrita, o âmbito das respostas; já está, pois, definindo as seqüências em que qu e devem ser ofe ofere reci cidos dos os da dados dos pelos informantes, e, ee,, seguiseguida, basta-lhe reunir as respostas em itens ou capítulos segundo as questões, para alcançar a síntese que se propôs realizar. Análise e síntese não partem, então, diretamente dos dados narrados pelo informante; partem parte m ddos os conhecimentos conhecimen tos prévios prévios do pesquisador, pesqu isador, ccorresorrespondendo ao que ele "supõe" ou "imagina" encontrar na realidade. Porém tal não ocorre quando se deixou aos informantes uma grande lati latitude tude n a condução do seu discurso e de seu s raci raciocí ocínio nios, s, isto é, quando a intervenção do pesquisador se reduziu ao mínimo possível, possí vel, como como se dá na s histó histórias rias de vi vida da e nos no s depoimentos ppessoessoais.  Elas têm uma ligação muito menor com o pesquisador, e se aproximam dos documentos históricos, isto é, dos conjuntos de in126 12 6

 

ANÁLISE DE DOCUMENTOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS

formações escritas ou gravadas que, gerados no passado, se criaram sem a mediação dos estudiosos que visam utilizá-los. Se falamos em info informaçõ rmações es gravadas , é porque consideramos a pintura , o desenho, a escultura como documentos também veiculadores de noções e indicações, ao mesmo título que os escritos. Como nos documentos históricos, a indicação dos cortes a serem efetuados não pré-existe às histórias de vida e depoimentos pessoais - a não ser de modo muito amplo, quando se indaga por exemplo o que o informante lembra de sua infância e adolescência predominantemente; me nte; no entan to, no decorrer da entrevista, tem ele ele a liberdade liberdade de enveredarr pela idade envereda idade adulta, adu lta, se o desejar, sem q ue o entrevistado entrevistadorr o traga de volt voltaa ao rum o sugerido. Como Como já se discutiu anterior anteriorm m ente, osador docum bem - col colhid hido o oé se aquel aquele qu e a intervenção pesq foiento foi mínima qua ndo nd trateaem trata de que história histórias s de vida vida edodepesquidepuidepoioimentos pessoais. Es tará então o pesquisador diante de um texto texto que se preten o m  q ele; e, repita-se novamen deu fos fosse se o  m ais possível exterior exterior q nova mente, te, diante de um texto que pode ser encarado como um documento histórico. Existe, porém, uma diferença importante entre ambos, que é a forma de sua ob tenção: o pesquisador conhec conhecee o documento desde su a origem, está a par das situações específicas que rodearam o seu nascimento, foi o promotor delas, no caso das histórias de vida e dos depoimentos pessoais - o que tudo foi anotado em seu caderno de campo. campo . Esta circ circuns uns tânc ia torn a m ais signi signifi ficat cativ ivoo o que ele vai retirar do documento, permite uma análise mais fina, porém não é condição suficiente para indicar qual o caminho a ser seguido no recort reco rtee dos temas que a análise pre ssupõ e. Diante do texto que assim obteve - isto é, de uma informação gravada que, depois de transcrita, tomou a forma de uma narrativa - o pesqu isador tem três cam inhos a seguir: a) leitura cuidadosa cuidado sa do 12 7

 

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mesm o pa ra ajuizar do seu con teúdo e, então, decidir decidir os cortes que nele pod poderá erá efetuar, a partir p artir do material enc ontrad ontrado; o; b) b) trazendo já em seu projet projetoo a s questões que lhe interessam , procu rar no conteúdo do texto as informações de que necessita; c) combinar os dois rumos, que não são mutuamente exclusivos, colocando ao documento as questões previamente definidas, e levantando do mesmo outros temas que não figuravam em seu projeto, porém que de repente se lhe avultaram co como mo im portan tes. A segunda via de acesso acesso ao material se aproxima daquela que é seguida pelo pesquisador que utiliza questionários e entrevistas com roteiro, pois, como no caso deste, já haviam si sido do previamente definidas as qu estões considera das m ais interessa ntes; poré porém, m, ao contrário contrário do que ocorre ocorre com com os questionários, o informante não foi as pressionado no sentido oferecer quase exclusivamente apenas informações ligadas de às questões, ao ser efetuada a entrevista. A combinação das duas atitudes, a) e b), é a que permite a leitura mais rica do documento, de tal forma que se extraia dele o máximo de informações, tanto a respeito das questões já formuladas pelo pesquisador no seu projeto, quanto no tocante às informações imprevistas, que o texto pode veicular. Num e noutro caso, há um corte importante a ser efetuado logo de início, distinguindo o plano fo formal rmal e o plano do sentido , como como de h á m uito aconselhava aconselhav a a velha técnica d a exegese. exegese. Não esquecer, porém, que qu e se trata de dois dois planos profundamente profundamente imbrincados, que se pressupõem pressupõem um ao outro e cuja sep s epara ara çã çãoo se coloca, coloca, pois, como um verdade v erdadeiro iro artif artifíc ício io da parte do pesquisador. O plano formal diz respeito ao que, numa obra de arte, se designa como "esti "estilo" lo",, isto isto é, a ma rra pesso al que o artis ta impõe ao m aterial com que qu e lida, a técnica que lhe é peculiar, a forma forma de escrita que o distingue distingue dos dem ais, que é expressão expressão de su a sensi sensibili bilidade dade 128

 

ANÁLISE DE DOCUMENTOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS

e do seu caráter. Assim como o artista, cada informante também possui uma maneira específica de conduzir a narrativa, escolhida inconscientem ente de prefer preferência ência a ou outra tras, s, o que é importante imp ortante considerar numa pesquisa. No caso das histórias de vida e dos depoimentos pessoais, a forma se expressa nos pontos de referência que o informante adotou para apoio de sua narrativa, e que variam de indivíduo a indivíduo; podem ser constituídos ou pela cronologia, ou pela marca afetiva das comemorações familiares e profissionais, ou pela topografia e localização no espaço. A f  for orma ma se iinscreve nscreve também na m ane aneira ira pela qual se desen rola a narrativa - linear, circular, com com idas e vinda s - m arc archa ha apoiada nos pontos de referência específicos da narrativa do informante. Esta resenta, pois, a es tru tura que preci preciso so de reconhecer reconhecer e nomear;aptem, assim, umaumconfiguração que édecorre sua organização interna. De acordo com tal configuração, será possível classificar os informantes em espécies diversas e, comparando as espécies com características constantes das fichas dos mesmos - sexo, idad e ,   instrução, estado civil, etc. - pode-se indagar da existência ou não de ligações entre estes dados. Por exemplo, terão homens e mulheres da mesma faixa de idade, de instrução e condição sócioeconômi eco nômica ca sem elhante, os mesm os pontos de referên referênci ciaa e a m esm a marcha da narrativa? Ou o sexo influencia estes aspectos da forma narrativa de cada uma das duas espécies? A  matéria exposta pelo informante tem um significado, represen ta aquil aquiloo que el elee comunicou ao pesq uisad or e que deve deve ser ccomompreendido por este. A maior dificuldade da análise do significado está em sua multiplicidade, cuja base se encontra, por um lado, na soma de conhecimentos de que dispõe o informante e., por outro lado, no conjunto conjunto de interes interesses ses e  e de  de conhecimentos conhecimen tos do próprio pesquisador, que, no acervo coletado, poderá encontrar maior ou menor 129 12 9

 

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número de informações. Esta multiplicidade de sentidos tem sido denominada "horizontal", porque ocorre no instante em que é avaliado o documento pelo pesquisador, ajuizando da simultaneidade de assunto assun toss por el ele e veiculados. veiculados.  A  variação vertical se dá através do tempo: era épocas diversas, cada documento será também encarado de maneira diferente, outras informações serão buscadas nele, porque os interesses e focalizações dos estudiosos variam com o correr dos anos. Variação horizontal e variação vertical estão associadas: ciad as: cada ca da momento do tempo tem a especif especifici icidad dade e de seus interesses, ao qual se associa a multiplicidade de informações que o documento oferece. De qualquer modo, é sempre num momento de tempo que o pesquisador se defronta com o depoimento, avultando um primeiro distanciamento entre ambos, entre o sentido que lhe foi dado pelo informante, e o sentido captado pe pelo lo pesquisador. No caso de entrevistas gravadas, o pesquisador se encontra diante do texto em três circunstâncias diversas, pelo menos: na realização do depoimento; na escuta da gravação para a transcrição escrita; na leitura aprofundada do documento já escrito. A captação do si signi gnific ficad ado o pod pode e variar a cada uma destas circunstâncias; se tal ocorre, torna-se necessário ouvir a gravação muitas vezes, para a confirmação do significado mais próximo do que foi veiculado pelo informante. É neste momento, também, que o confronto com as anotações do caderno de campo do pesquisador podem trazer importante contribuição,  indicando qual o sentido registrado num nu m detalhe ou num ges gesto, to, que esclareça qual a orientação mais correta do significado. Quando se trata de um trabalho de equipe, em que os depoimentos foram recolhidos por diversos pesquisadores, e em que é necessário que todos tomem conhecimento dos mesmos, para a unidade do trabalho, trabalho , a variação dos signif signific icad ados os se tom toma a ai ainda nda maior maior,,

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multiplicada pela diversi multiplicada diversidade dade de apreensão por cada u m dos entrevistadores. O cuidado deve também aumentar; entre maneiras de ver muito díspares, deve prevalecer sempre   a  do pesquisador que colheu col heu o inf infor orme, me, pois estando presen te n a gênese do mesmo  mesmo   e e  em m todos os mom entos de su a transformação de oral oral em em escrito, escrito, é quem detém sensibilidade   e conhecimento maiores a respeito do que encerra. Por estas razões  razões   s e torn a aconselhável que o próprio próprio pesquisador efetue efetue todos os passo s, da gravação até o docum ento escrito, para garan tia d a maior proximidade entre a coleta coleta oral e o resultado escrito; por  por   estas  estas  razões, também, um caderno de campo redigido com cuidado pode servir de ponto de apoio para dirimir dúvidas. A constatação   da mu ltipl ltiplicidade icidade  de  sentidos  de  um mesmo documento orientado pela especificidade de interesses de cada pesquisador não vai até   o ponto  de se concluir que cada intérprete chegará forçosamente   a com preensões divergentes divergentes.. Na verdade, a s convergências são sempre maiores   e  mais importantes do que se poderia supor. No caso de um trabalho de equipe, em que tais dificuldades poderiam se avolumar ao extremo, deve-se sempre lembrar que todos os pesqu isadores estão unid os pelo pelo delineamento delineamento do projeto, de que participaram,   e  que significa um denominador comu m de seus interesses e opini opiniões. ões. Um mesmo objeti objetivo, vo, um a m esma visão das questões, uma mesma maneira de agir na coleta dos dados, reuniu os pesquisadores, diminuindo as disparidades en tre eles. S e   tal  sucede com uma equipe, com mais razão quando se tra ta de proj projeto eto de um único pe squ squisado isado r. No en tan to, tais re refl flexõe exõess mo stram o per perig igoo de um pro proje jeto to ideado por um ou por algu ns pesquisadores, que utilizara utilizaram, m, na col coleta eta de dados, certa quan tidade de "mão de obra de pesquisa"; estes elementos   se  definem simplesmente como gente que efetua coleta de material, contratada para  3

 

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esta tarefa tarefa es espec pecíf ífic ica, a, p ossu am ou não treinamen to pa ra tant tanto. o. Também a transform transform ação do docum ento oral em docum ento escrito escrito pode ser efetuado por tais elementos. Trata-se, portanto, de gente que não participou da proposição e da organização do projeto, cujos interesses não estão presos a ele, que não têm unidade de objetivos com co m os pe squisado res; introduzem, por isso, um no novo vo eelement lementoo de variaçãoo relativamente ao m ateri variaçã aterial, al, tanto no mo mento d a grava gravação, ção, quanto no momento da transcrição, representado pelo desenfoque trazido pelos seus próprios interesses pessoais e pela menor soma de conhecimentos que possuem a respeito da pesquisa. Por esta razão, é sempre preferível que o próprio pesquisador, ou a própria equipe, se encarregue tanto da coleta dos depoimentos, quanto da transcrição dos mesm os. transcrição O conteúdo de uma história de vida ou de um depoimento pessoal dever ser encarado também na qualidade das informações registradas. À medida que formas mecânicas de registro do cotidiano fora foram m send sendoo in inven ven tad tadas as (o disc discoo primeiro, o gravador m ais tard e para a voz; a fotografia a princípio, em seguida o cinema, para a imagem ; a ffililmagem magem falada, dep depois ois a televisão televisão ppar araa vo vozz e imagem ao mesm o tempo) tempo),, a com paração de seu s registros ccom om o que resultava da aparelhagem biológica humana ressaltou a precariedade deste, em confr confront ontoo co com m a m inúcia dos resultad os dos outro s. Chegou-se Chegou-se a admitir que os registros mecânicos seriam sempre preferíveis aos humanos, devendo substituí-los cada vez mais. No entanto, as experiências efetuadas pa ra a util utilizaç ização ão do cinema como um a técni técnica ca sócio-antroplógica, demonstraram o arbítrio do pesquisador, primeiramente ao construir o projeto e, uma vez terminada a filmagem, ao determinar os cortes que deveriam permitir um encadeamento narrativo dos dados que permitisse uma compreensão clara. Noutras palavras, a intervenção autocrática do pesquisador estava 132

 

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sempre presente, orientando a coleta e, e, seguida, a concatenação das imagens imagens para transm itir as idéi idéias, as, muito embora se pro curas se resgua rdar a lóg lógiica do que se est estava ava assim arm azen ando . Esta iluilusão de objetividade era semelhante à do pesquisador que emprega técnicas quantitativas na coleta de seu material, e que se mostra convencido de que a utilização dos algarismos é garantia de um afastamento de sua própria subjetividade; na verdade, tanto na formulação do projeto quanto na construção da técnica de coleta, a subjetividade está presente. Todavia, além dos problemas colocados pelos pesquisadores, existe também, nas histórias de vida e depoimentos gravados, a subjeti subj etividade vidade do informante, informante, que m uita uitass  vezes  vezes subs  subs titui ao real aqui aquilo lo que individualmen individualmente te percebe do mesm o, se seja ja de m ane ira parcial, ou não; lado a lado ccom om percepções eexata xata s, ele ele pode afi afirmar rmar com toda a convicção uma série de enganos. Quanto mais recuados forem os fato fatoss no pa ssado ssa do,, ou qu quanto anto ma mais is est estiver iverem em fora fora da experiência experiência cocotidiana do informante, informante, m ais prová provável vel a ffalha alha da m emória, registrando falsidades ou nada registrando. Seria possível pensar que estas lacunas estariam sanadas quando quan do vários depo depoimentos imentos foss fossem em colhi colhidos dos sobre o mesmo fat fato. o. A socióloga francesa Germaine Tillion (1973), ao participar como testemunha nos julgamentos de Nuremberg, depois da Segunda Guerra Mundial, observou que depoimentos de vários informantes convergiam para o mesmo engano, dando-o com sinceridade como verdadeiro. Efetuou eentão ntão um conf confront rontoo entre tais de depoimen poimentos tos e os informantes, verificando que se tratava sempre de indivíduos educados no mesmo grupo, ou em ca m ada s sócio-econômi sócio-econômicas cas e culturais sem elhan elhantes; tes; s u a hipótese explica explicatitiva va ffooi que tais indivíduos, a partir de uma socialização praticamente idêntica, formulavam imagens me ntais análogas, aná logas, que orientavam todo o regist registro ro da m emória. 13 3

 

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N outras palavras, não era o era  o  fato fato em su a au autenticid tenticidade ade que se grava grava-va n as recordações, e sim sim um a interpretação, u m a verdadeir verdadeiraa "tra"tradução" do mesm o. Assim, "hábitos mentais", adquiridos através de um a social socializaç ização ão e experiências de vida homólogas, se su bstitu íam ã percepção percep ção "pura" do real. E sse s inf infir irmavam mavam convictos convictos algo algo que em seguida se desvendava como sendo um engano. A quantidade de depoim entos colhidos sobre um mesmo fat fato, o, todos no mesmo sentid o ,   não era então garantia de que o fato tivesse ocorrido da forma por que fora gravado na memória; antes de dá-lo como verdadeiro, era preciso preciso saber quem tinham si sido do os informantes. informantes.   A segurança do que fora fora registrado só se eevidenc videnciava iava qua nd o os depoimen dep oimentos tos tivestivessem sido apresentados por informantes muito diferentes entre si quanto ção,  etc.à sua experiência de vida, camada sócio-econômica, instruTais observações poderiam ter levado Germaine Tillion a descrer profundamente de todos os testemunhos que foi recolhendo, tanto durante seu cativeiro no campo de concentração de Ravensbrück, qua nto depois depois de libertada ee,, m ais tarde, quand o partici participou pou dos julgamen tos de N ure uremberg mberg.. A quantidade de testemu nhas e a convergência ou não de seus relatos não lhe pareceram, efetivamen te, meios meios seguros de reencon trar a verdade do passado; de onde concluir que as estatísticas não ofereciam nunca meios seguros de verif ver ific icaçã açãoo do real. O estabelecimento da verdade verdad e objet objetiva iva se prendia a outros cuidados, que procurou desvendar, valendo-se de sua experiência de socióloga. O primeiro cuidado era separar, nos documentos existentes, tudo quanto se referisse a dados institucionais e permanentes; em geral tais dados são registrados em documentos muito variados, além dos depoimentos pessoais; o cotejo entre os outros tipos de documentos e os depoimentos pessoais permitia descobrir certos 13 4

 

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enganos. O segundo cuidado era distinguir, nos depoimentos pessoais,   tudo quanto se referisse aos "rituais" da vida cotidiana em seu s detalhes, às h ierarqu ias e à compos composiç ição ão interna dos grupos em que estavam inseridos os informantes; também sobre estes aspectos existe documentação registrada de outras formas, e seu cotejo com o depoimento efetua a verificação desejada. Restavam então, nos depoimentos, os "acontecimentos" e sua percepção, assim como as opiniõe opiniõess dos informantes. Germ aine  Tillion não define define o que enten entende de por "acont "aconteciment ecimento"; o"; porém a m aneira ane ira pela qual em prega o ttermo ermo indica que o util utiliza iza no sentido d a verbalização de tudo aquilo que sucede num momento e numa localização dete determ rm inad as, e que se dist distingue ingue do curso unifor uniforme me de fenômefenômenos da mesma natureza; o está interesse "acontecimento", ele previsível ou imprevisível, em quedoescapa inteiramente seja do corriqueiro. Este significado do termo "acontecimento" coloca imediatamente o problema da percepção dos informantes, os quais, conforme sua experiência e sensibilidade, o enxergarão ou não como divergindo do "curso uniforme de fenômenos da mesma natureza". Assim, cada informante poderá definir ou não como "acontecimento to""   os fatos que ocorrem em sua existência, dependendo tal definição de sue próprio meio de encarar as coisas. Além do "acontecimento", também dependem da percepção individual tudo quanto se refere à avaliação da duração, à situação no espaço físico e social, aos movimentos, às formas, às cores, ao número, à quantidade; todas e stas percepções trazem o sel seloo do indi indivíduo víduo que aass for formulou. mulou. É então que se coloca como primordial a escolha dos informantes, que dever ser orientada segundo os problemas delimitados no projeto de pesquisa; noutras palavras, é preciso escolher informantes válidos para as questões a serem estudadas. Informante válido é aquele que se supõe de antemão que possua uma vivência 135

 

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do que se procura conhecer. Quando se buscava conhecer, como Germaine Tillion, o destino último de um grupo de mulheres internadas ao mesmo tempo que ela no campo de concentração de Ravensbrück, tanto eram informantes válidos as suas companheiras de detenção, quanto os componentes da aparelhagem carcereira, burocrática e administrativa do mesmo; podiam ser também interessan tes os depoi depoimentos mentos dos hab itantes das vizinhanças, vizinhanças, mas, al além ém destes, som ente os mem bros da cúp ula naz ista poder poderiam iam ser consiconsiderados informantes válidos. Informantes válidos são, portanto, aqueles que, no momento histórico escolhido, tiveram vivência do que se procura conhecer. O segundo cuidado com estas informações é definir qual a relação existente relação e ntre o informante e o que se quer relação co nhecer (r (rel elaação profissional, afetiva, relação acidental, interessada ou desinteressada, desinteressada, etc ).  A confiabi  confiabilida lidade de do iinforme, nforme, su s u a maior m aior ou menor aproximação do real, repousa no sentido desta relação. Voltando ao caso de Germaine Tillion, e depoimento dos membros da burocracia buro cracia ou d a aparelhagem carcereira carcereira de Ravensbrück se or orie ienntaram em direção diferente daquela das prisioneiras; a definição de cada "acontecimento" era diversa numa e noutra situação. Não se trata de eliminar um conjunto de informantes em função de outros; o procedimento é confrontar os depoimentos de cada conjunto, a fim de se estabelecer divergências e convergências, que serão interpretadas à luz das relações dos informantes com os "acontecimentos". O objeti objetivo vo de G erm ermaine aine Ti Tillllion ion era cheg ar à verdade a respe ito do campo de concentração de Ravensbrück, e do destino dado às prisioneiras que periodicamente eram dele retiradas - objetivo que ultra pas sav a a su a p rópria vivênc vivência ia como como pri prisionei sioneira; ra; dos acontecim entos que s u a m emória havia gravado, qua is os que objet objetiva ivamenmen13 6

 

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te tinham existido como tal, quais os que resultavam de uma percepção insuficiente, ou mal orientada, ou enganosa? Assim, a crítica da percepção se iniciava com a da sua própria maneira de ver as coisas. Sua busca se equiparava à dos historiadores em geral, que procuram desvendar qual teria sido a realidade concreta de um momento recuado recuado no passado , através através da quantidade de documentos escritos, iconográficos ou outros; para todos eles, reencontrar a verdade é a finali finalidade dade principal. Todas as pesquisas não se orientam forçosamente para este objet obj etiv ivo. o. Em ou tra s, a curiosidad e pelo que ocorreu em tem pos idos recua p ara um segundo plano, estando em jogo jogo a análise análise do próprio próprio docu m ento, ou de um co njunto de docum ento entos, s, a ffiim de se veri verifi ficar car que tem as podem estarr desen ali ali contidos, ou ou quevár problem as ence rra. Nã Não se trata m ais de tenta redar u m vários ios acontecimentos nao trama do texto. Importa verificar o que o informante define como acontecim ento, e como como se coloc colocaa dian te dele, o que é revela revelado do pelas opiniões   e julgam entos que efe efetua tua a esse respeito. Não é só o documento qu e está em jogo neste segundo titipo po de abordagem; o documento é mais do que o que se en con tra escrito, poi poiss através de seu exame exa me revela revela ttamb amb ém os mecanism os de perce percepção pção e de julgam ento do infor informante, mante, e, desde que estes se encontrem repetidos num conjun to de informantes de determ inada c am ada social, social, ou de determinada profissão, ou de determinada instrução, etc, detectar uma possíve poss ívell rel relação ação en entre tre a posição social do inform informante ante ou do conjunto de informantes e sua maneira de ver um acontecimento. Saímos então do contexto da reconstrução histórica para buscar entender est ru tur as e organiz organizações ações ssociai ociais, s, at através ravés dos inf informantes, ormantes, de su as qualidades, d as percepções e opiniões opiniões que exprimem. Não cabe, neste caso, procurar a verdade ou não a respeito daquilo que o informante apresenta como "acontecimento"; cabe, 137

 

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isso sim, registrá-lo como tal, e classificar o informante de acordo com co m os tipos de eventos que considerou extraordinários, ist istoo é, que de seu ponto de vista saíram do curso "normal" dos fenômenos de mesmo gênero. Nesta perspectiva se captará o que é "normal" e o que é "extraordinár "extraordinário" io" para par a ca da informante ou grupo de inf informanormantes. A ntes de de entra r na própria p rópria ma téria veiculada veiculada pelo pelo informante, cumpre verificar que atitude ele manifesta em sua narrativa, como ele reúne "acontecimentos" e "julgamentos". Três seriam estas atitud es possí possívei veis: s: a) a) transm itir simplesm ente os acontecimentos pas sados a que assistiu ou de que teve conhecimento, numa atitude espec es pecíífi fica ca de testem unh a; b) na rra r os acontecimentos acontecimentos entremeando emouseuespecífica, discurso, comparações imediata e explicitamente, de ordem geral dos fatos comreflexões outros, manifestar julgamentos e opiniões, numa atitude em que a testemunha fica inteiramente obscurecida pelo "avaliador"; c) mesclar a atitude de testemunha com a atitude de avaliador. É verdade que não serão encontrados encontrado s nem "testemunhas", "testemu nhas", nem "avaliadores" puros; a classificação do informante num ou noutro gêneroo decorre gêner decorre da predominância predominância de um a ou outra d estas d ua s qualidades, enquanto no terceiro gênero se torna impossível descobrir um a predom inância qualqu er. A análise do text textoo nesta perspe perspecti ctiva va leva a um conhecimento voltado para os informantes e não para o material veiculado pelo documento. No entanto, a separação entre "acontecimento" e "avaliação" é também extremamente importante para se conhecer o material que ele contém e defini-lo quanto ao conhecimento que permite alcançar. Se a riqueza dos "acontecimen "acontecimentos" tos" narrad nar rad os é maior do que a s "avaliações" do informante, os conhecimentos alcançados se dirigem ge m m ais para o para  o esclarecimento  esclarecimento d a realidade concreta; no caso opos138

 

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to ,   esclarece-se mais os valores, os modos de pensar, as visões do to, mundo do informante e, no caso de haver convergências entre vários informantes, a visão do mundo de um grupo ou de uma parte da sociedade, sociedade, ou m esmo de toda ela. Por Porém ém m esmo qua ndo o info inforrmante ou o grupo de inf informante ormantess tomam a atitude de testem un has antes de tudo, a maneira pela qual definem o que para eles é um acontecimento trás esclarecimentos muito importantes a respeito de sua própria visão do mundo. Separado Sep aradoss os "acontecimentos" "acontecimentos" e as "avaliaçõe "avaliações" s" no docum docu m ento, é preciso preciso distinguir distinguir o s temas principais, tanto da n arrativa obj objet etiv iva, a, qu ant antoo d as re refl flexõe exõess e opiniões. Dois Dois tipos tipos de operações são nec essárias previamente: a) eliminação de todas as repetições, paráfra-

ses,  implic  implicações ações e t c , ou m elhor elhor,,ocorrem um a "li "limpez mpeza" a" do text texto o qua nto b) às reiterações que freqüentemente em qualquer narrativa; sele se leçã çãoo dos tem as que o pesqu isador co nsidera de imp ortância pa ra o seu trabalho, trabalh o, tan to no que diz diz respeito aos "acontecimentos" "acontecimentos" q ua nto às "avaliações "avaliações", ", deixando de lado os tem as qu e não digam diretamente respeito ao que está efetuando; esta seleção é fundamental. Lembrar, porém, que as repetições, paráfrases etc, têm muita importância num outro mom ento do do trabalho, isto isto é, quan do se estudou a forma da narrativa, na sua linearidade ou não, assim como

nos po ntos de referênc referência ia do informante; a s repetições repetições e paráfrases são para tanto indicadores inestimáveis. Porém não apresentam a mesma importância quando se tem por objetivo o estudo do conteúdo. Quando se inicia este, a seleção dos temas se torna fundamental. A técnica de escolha leva a uma condensação sistemática dos "acontecimentos" e das "avaliações" apresentadas pelo informante, e se coloca como o oposto de um levantamento exaustivo dos tópicos contidos no d ocu ocum m ento. C olocaoloca-se, se, pois, como o oposto 139

 

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de um levantamento exaustivo do que contém um documento (GHIGLIONE, LIONE, BEAU BEAUV VOIS, OIS, CHAB HABROL, ROL, TRO TROG GNON, NON, 1980); es este te leva levant ntaamento exaustivo pode ser efetuado como uma listagem preliminar, da qual serão extraídos os temas fundamentais para o informante, e os temas fundamentais para o pesquisador. Pretender conservar todos os temas encontrados torna impraticável a análise; querer tudo conservar é simplesmente reproduzir i documento em sua totalidade. Na medida em que análise se define como a decomposição de um documento em suas partes, ela se apresenta como o contrário de tal conservação. Os temas ou tópicos tópicos são unidade uni dadess de identidade dif difere erente nte que compõem a estrutura de uma narrativa. Numa história de vida, vários temas podem ser encontrados, dizendo respeito ao próprio evoluir do informante (infância, adolescência etc), à família, à profissão,  etc. N No o momento da defin definição ição dos temas pelo pelo pesquisador, o projeto de pesquisa reaparece em cena, pois a identificação deles deve seguir os propósitos que teve o pesquisador ao construí-lo: se te teve ve por objet objetivo ivo conhecer a vida vida de determi dete rminada nada camada socia sociall num período do tempo e numa localidade, seus temas se relacionarão com os acontecimentos históricos daquele período período e daquela loc local aliidade; com a família; com a profissão; e assim por diante. Pode ser, no entanto, que o conteúdo do documento seja de tal monta que o pesquisador, em lugar de seguir a ordem dos problemas que colocou no seu projeto, escolha os temas mais salientes que for encontrando; neste caso, estará efetuando uma reformulação de seu projeto a partir do material encontrado, devendo então apresentar a justificativa de sua mudança de orientação. Uma vez selecionados os temas, tanto no que diz respeito aos "acontecimentos", quanto às "avaliações" do informante (que podem de m ser morais, sociais, sociais, econômic econômicas as et e t c , quanto aos valore valoress que as

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orientam), orient am), um outro mom ento da bu sc a se abre para o para  o pesquisador:  pesquisador: relacionar os temas, sua ordem e a freqüência com que aparecem no documento, com as características dos informantes, como já se fizera com os aspectos formais (pontos de referência, marcha da narrativa etc), com a maneira de narrar do informante (testemunha, avaliador, associado), isto é, com os resultados dos diversos cortes que fo fora ram m sendo efetuados no docu docum m ento. A ento.  A  orientação a ser seguida ne sta stass comparações se aaproxima proxima da dass que são hhabitualm abitualm ente utilizadas nas análises de questionários e de entrevistas com roteiro: ro : verif verific icar ar se a qualidade dos informantes que apr apres esen enta ta determ inados traços narrativos, por exemplo, é a mesma de acordo com o sexo, a idade, a instrução, o nível sócio-econômico, a profissão, etc. Com para-se, , portan to, o resultado d a análise co com m a composi composição ção d a fichapara-se dos informantes. A i  inserção nserção do informante informante em grupos e conjuntos de su a soci socieedade torna a ser importante neste passo. A passo.  A escolha  escolha de informantes, num projeto de pesquisa, raramente é deixada ao acaso; eles representam sempre um grupo, e os grupos são sempre internamente diferenciados, estruturados segundo a idade, o sexo, a instrução, a profis prof issão são etc. O pesq uisad or delineia sempre, em seu proje projeto, to, qu ais os contornos do grupo (em sentido amplo) em que será efetuada a pesquisa; por exemplo, pode escolher fazê-la exclusivamente entre mu lheres de 20 a 50 anos, tendo de lleva evarr em em consideração então as faixas de idade, as localidades a que pertencem, o nível de instrução,   o estado civil, as distinções econômicas. Nenhum grupo ou parcela de grupo forma forma um todo monolít monolítico. ico. A dmit dmitir ir a importância imp ortância de tais diferenciações eqüivale a afirmar que provavelmente elas influem tanto nos aspectos formais, quanto no conteúdo das informações maçõ es veiculadas veiculadas.. Ta Tall aafi firmação rmação genérica, implíci implícita ta na formulaç formulação ão do projeto de pesquisa, necessita ser explicitada sob a forma de 14 1

 

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um a qu estão; estão ; por exemplo, exemplo, iinflui nfluirão rão a s ffai aixas xas de idade n as inf informaormações prestadas por mulheres entre 20 e 50 anos, de tal localidade, ou a diferenciação das informações passará pelo crivo da instrução? Todos os dado s que compõem a fi ficha cha do inf informante ormante se converconvertem, assim, em indagações a res respeito peito do que se procura encon trar. AS respostas são buscadas nos cotejos entre as qualificações da fich fichaa e os resultado s d as an álises efetuadas; pois ssóó assim se alca alcannçará conhecer até que ponto tais distinções realmente influirão sobre a percepção e  o julgamento dos acontecimentos. Noutras palavras, os parâmetros observados na escolha dos informantes contém o pressuposto de que os critérios escolhidos deveriam deveri am ser os mais efi eficient cientes es p ara ar a a obtençã o do doss infor informes mes desejados.  A com paração ddas as dif diferenci erenciações ações dos iinform nform antes previamente estabelecidas, com os resultados da análise dos documentos desvendará concomitâncias ou não entre ambas, permitindo inferir ligações entre elas; as respostas negativas ou positivas destas comparações são uma das conclusões da pesquisa, que deve, porém, ser encarada como hipotética. De fato, a pesquisa realizada se configura como o levantar da ponta de um véu, demonstrando a existência de novos problem as - no caso, a existência ou nã o da ligaçã ligaçãoo entre os caracteres dos informantes e os caracteres de seu s depoidepoimentos. Estas conclusões, que sugerem novas questões, deverão determ inar a fformula ormulação ção de nov novos os proj projetos etos de pesqu isa. Os resulta dos do ccot otej ejoo acim a expost expostoo permitem tam bém avaliar criticamente se a marcha adotada na realização da pesquisa foi satisfatória em seus diversos passos: a) se as questões propostas pelo pesquisador em seu projeto podem realmente ser esclarecidas pelo procedimento que adotou na realização da pesquisa; b) se a escolha do s iinform nform antes foi válida par a os problem as en tão colo colocacados;   c) quais os problemas não delineados no projeto que as infor142

 

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mações dos depoentes mostram existir; d) se as técnicas empregadas foram satisfatórias para se alcançar alguns resultados, se foram suficientes; e) se a abordagem empregada aponta outras técnicas que seriam também necessárias afim de complementar de maneira eficiente as informações obtidas. O balanço desta questões constitui constitui também um a parte da s conclusões da pesquisa. Todas as comparações, todos os resultados, todas as críticas, tomam então a forma de um reagrupamento do conteúdo dos documentos, al  alcançado cançado através das diversas análises, compondo assim um a nova narrativa. Nesta, as informações a respeito dos depoentes (fichas de informantes), os acontecimentos e as avaliações de seus depoimentos (gravações transcritas), as condições em que os depoim fo fora ram m efetuado (cadernosasdequestões campo),colocada e as an ális es proef efeetua daentos s, ffor oram am reorden adass segundo colocadas s no jeto de pesquisa, formando um todo coerente, isto é, uma síntese. Es ta é cons tituída, pois, pel pelaa expos exposiçã içãoo de todos todos os resu ltado s da s várias etapas de pesquisa, que reproduz, sob uma outra forma inteiramente diversa, o conteúdo do documento. É certo que não se trata da reprodução integral do mesmo; para quem quiser conhecê-loo em ttudo nhecê-l udo q uan to contém, a s fonte fontess - gravações, documentos escritos - estão à disposição. O pesquisador chegou ao término de seu trabalho quando apresentou, numa narrativa bem ordenada e coerente, tudo quanto se propôs investigar no documento ou nos documentos de que lançou mão, mostrando as re spostas posit positivas ivas e negati negativas vas às questões que colocara em seu projeto.  projeto.   O balanço fina finall d as re respo spo stas con confi figugura a interpretação dada ao que foi encontrado no documento, em seu cotejo com as perguntas do projeto. Porém a partir destas conclusõess é possí clusõe possível vel efet efetuar uar novos raciocínios e nov novas as indagaç indagações, ões, que q ue não seriam alcançadas se não tivesse havido a síntese narrativa; 143

 

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novos raciocínios raciocínios e novas indagações indagações que são pontos de partida par para a outras pesquisas. No momento em que foram iniciadas as comparações entre os caracteres dos informantes e os resultados das indagações à forma e conteúdo dos documentos, passou-se da análise para a síntese. Noutras palavras, os diversos aspectos que haviam sido considerados separadamente são reunidos para compor um todo, diverso do ponto de partida da pesquisa; desvendados os detalhes pela anális e ,  buscou-se busco u-se qual o conjunto coerente que compunham. compu nham. Muitas vezes esta passagem é difícil de ser percebida, a análise conduzindo quase imediatamente a uma síntese interpretativa, mas estes momentos, que podem ser coexistentes ou sucessivos, existem sempre numa pesquisa bem conduzida. Nota-se então que, ao se proceder à solução do problema exposto pelo pelo projeto, projeto, trê t rêss situações situaç ões são configuradas: no primei primeiro ro tem tem-po, po ,   a proposi proposição ção das da s questões q que ue se intenta resolver, isto é, é, a ttese ese que se pretende estudar; a análise compõe o segundo tempo e se configura como uma antítese, uma vez que desagregando a tese em diversas partes, e dando dando neste momento momento toda a importância a estas, contradiz o todo; no terceiro momento, a comparação dos resultados da análise com as questões propostas no projeto configuram uma síntese, isto é, uma fusão dos dois primeiros tempos num conhecimento novo que, exprimindo algo de diverso em relação aos pontos de partida, conserva no entanto os elementos deles que forem importantes para o conhecimento do problema, integrando-os numa outra totalidade.

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ANÁLISE DE DOCUMENTOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Referências bibliográficas sociedade, edade,  lem bran ças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, BOSI, E.  M emória e soci 1979. Ioiô  pequeno da V árzea Nova.  São Paulo: Clube do Livro, CASANOVA, M. L.  Ioiô  1979.

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MELLO E SOUZA, G.   Exercícios de leitura.  São Paulo: D ua s Cidades, 1980. avensbrück.  Paris: Seuil, 197 3. TILLION, G. R avensbrück.

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ENIGMAS ENI GMAS D E UMA DEFINIÇÃO DEFI NIÇÃO   DO SER BRASILEIRO *

Maria Isaura Pereira de Queiroz" A d  def efini inição ção da cu ltu ra brasileira tem desafiado desafiado o en entendim tendim ento dos estudio estudiosos sos na ciona is através do tempo : "se "serr brasil brasileiro", eiro", esta asserção teria peculiaridades que concretamente fosse possível arrolar, Ae quais? constatação mais antiga foi a da heterogeneidade de três origens diversas: a indígena, a africana, a européia. Sua essência residiria, portanto, em sua heterogeneidade. Porém a imagem ideal que estes estudiosos formulavam a respeito do que devia ser uma cultura nacional - homogênea, harmoniosa, solidária - era contrariada pela realidade em que viviam; a disparidade os fazia inquirir se não constituiria tal amálgama em grande perigo ameaçando a integração nacional. É interessa inter essa nte no tar que q ue esta col colocaç ocação ão se dá no ffiim do século XIX, quando a abolição da escravatura trazia à consciência dos letrados da época os problemas da incorporação dos negros como cidadãos, e suas dificuldades. Figurava já nos escritos de Sylvio Romero, a partir de 1870, e não se esvaiu totalmente ainda, sendo Artigoo apresentad Artig aprese ntadoo no n o 7° Enco ntro Anual do CE CERU RU - 17 a 19 de setem setembro bro de 1980. Professor Profe ssoraa Adjunta do D epartam ento de Ciências Sociais Sociais -  USP. Diretor  Diretoraa de Pesquisa do Centro Centro de Estudo s Ru rais e Urbanos.

 

Coleção  TEXTOS. Série 2,11. 10

encontrada em vários autores auto res contemporâneos. contemporâneos. Para eles eles,, a unidade cultural avultaria como meta a ser alcançada sobre todas as outras, porque significaria a assimilação profunda de grupos étnicos considerados bárbaros. Não fugiram também da constatação de heterogeneidade cultural como resultante das variedades étnicas, os intelectuais que, entre 1910 e 1920, tentaram redefinições. Porém, para eles, esta heterogeneidade seria aparente, resultante de uma representação superficial superfici al e falsa do que seria rea realmente lmente o país. paí s. Por mei meio o de estudos,   penetr penetrarar-se-ia se-ia mais além além e, sob a másca má scara ra enganosa eng anosa feit feita a de de disparidades dispar idades e confli conflitos tos,, encontrar-se-ia encontrar -se-ia o verdadeiro Brasil, indi indiviviso, so ,   cuja unidade étnica e cultural cultu ral era garantida garan tida por um grande sentimento nacional comum, consubstanciado na noção de pátria. Esta era assim tomada toma da como princípio emocional emocional leigo leigo e fundamental da sociedade, socieda de, "signomatriz "signomatriz"" que harmo harmonizaria nizaria as co consciências, nsciências, estabeleceria a união das etnias, cimentaria a coesão das camadas sócioeconômicas; constituiria assim o que havia de mais profundo no "ser brasileiro". Esta nova posição diante do problema da cultura foi lentamente se compondo, num momento em que mais e mais pareciam se acentuar as constatações inquietantes de diversidade, de contradição,  de conflitos, devido à penetração massiça de imigrantes no dição,  país, cuja assimilação era preciso garantir e acelerar. O sentimento de pátria, que não podia ser questionado, funcionaria como a argamassa a prender toda a variada gama de elementos nacionais. Nova definição que se baseava na emoção, e, portanto, se contrapunha à razão. O conhecimento assim alcançado era proclamado de ordem superior, porque obtido através da intuição, única via que permitia chegar à compreensão das totalidades; por isso mesmo não podia ser posta à prova.

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ENIGMAS DE UMA DEFINIÇÃO DO "SER BRASILEIRO"

No entanto , tal ma neira de ver era af afir irmada mada justam en te quan do cada vez mais o raciocínio científico se afirmava como o instrumento por excelê excelência ncia da aquisição de saber; sabe r; saber sab er conseguido atra e provas. vés de de um a ati atividad vidadee sistemática e sistemática  e sub  subm m etido a veri verifi ficaç cações ões e  provas. Nesta perspectiva, intuição e sentimento pareciam instrumentos inadequados e insuficientes para se chegar a um conhecimento válido,  inclusive da cultura. Não é, pois, de admirar que quase simultaneamente com a "via da emoção", uma outra abordagem dos dados culturais foi surgindo pouco a pouco, diferente tanto do sociolo soci ologis gismo mo ing ingênu ênuoo de fins fins do século X XIIX, qu an to d as afirmações tenden tes a dem onstrar a eexist xistência ência de grande s mitos nacionais, do início do século XX; uma abordagem analítica que levava em consideração a variedade diferenciação tanto da estrutura internadosda elementos sociedade.culturais quanto a O grande grand e m érit éritoo de Gilb Gilbert ertoo Freyre, no noss ano s 30 ddeste este século, foi colocar colocar pela prim eira vez o problema do "ser brasil brasileiro" eiro" não nã o m ais em termos de diversidade de origens étnicos apenas, e sim em termos de difere diferencia nciações ções o riun da dass da d a estra estratif tificação icação social. social. Os estudio estudio-sos anteriores tinham negligenciado este aspecto, e abordavam as análises da cultura brasileira como se a sociedade fosse internamente indiferenciada; consideravam apenas as dissemelhanças étnicas e culturais. Para Gilberto Freyre, a diferenciação se dava preferencialmente em termos de polaridades hierárquicas de uma estru tura : sen hores e escravos, escravos, no me meiio rural; habitan tes de sobrados e habitantes de mocambos, no meio urbano. A diferenciação étnica seguia de perto a diferenciação social, constituindo ambas excelentes excele ntes bas es virtua is p ar a o desenvol desenvolvimento vimento de confl conflititos, os, que no entanto não se concretizavam. Embalados os senhores por babás negras, educados negros e mu latos po porr padr inhos branco s, um a mesma cultu ra se forma formava, va, banh and o toda a es tru tur a h ierárqui ierárquica, ca, 149 14 9

 

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igualando as crenças e as mentalidades, anulando as potencialidades contraditórias. A  noção abstrata abstr ata de "pát "pátria ria", ", substituía-se a noção noção concreta de cultura, sujos componentes podiam ser apontados e analisados. Na concepção de Gilberto Freyre, a cultura brasileira era sempre vista como realmente heterogênea, quanto às suas origens; porém este aspecto não importava, o que importava era o papel desempenhado por ela no interior da sociedade, formada de camadas sócio-e só cio-econômi conômicas cas diversas - principalmen principalmente te nos meios urb urbano anos, s, do sul,  onde um uma a incipiente incipiente industrializaçã industriali zação o fazia fazia surgir nova de defin finiição ocupacional - o operário. Em contraposição a esta vivência recente de uma contradição profunda entre capital e trabalho, elevava-se a idéia idéia reconfortante reconfortante de que que a mesma cultura cult ura irmanava a todos -   instrumento homogenizador das diversidades existentes; através dela é que se alcançaria a cobiçada integração nacional, feita de reconciliação e concórdia. Porém, aceitando a noção de uma cultura composta de traços heterogêneos, tornava-se importante diagnosticar de que maneira se adaptavam uns aos outros, afim de definir o conjunto formado: Sincretismo, isto é, reunião puramente artificial de elementos disparatados, incompatíveis uns com os outros? Síntese, isto é, composição de algo posição algo novo novo através atravé s da combinação de elementos elementos vários, de maneira a formar uma totalidade única e organizada? Integração, isto é, ajustamento entre si de elementos incoerentes, estabelecendo-se entre eles uma interdependência estreita que superasse as contradições e reforçass reforçasse e o acordo? acordo? Estas indagaçõ indagações es deram lugar a muita pesquisa e a muita discussão, a partir dos anos 40, que que todatodavia não cessaram ainda. De qualquer modo, parecia ter sido alcançada uma concordância pacífica em torno da admissão de que variedade e diversidade constituiriam a própria essência do "sei

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ENIGMAS DE UNIA DEFINIÇÃO DO "SER BRASILEIRO"

brasileiro', portanto, de sua realidade; realidade necessariamente feita de contradições e conflitos, superados por intermédio de uma cultura multifacetada porém adequada e conciliadora.  abordagem m de Gilber Gilberto to Fre Freyre yre alcançou suce sso semelh ante A abordage ao que ma rcara, no iníci inícioo do século, século, a de Euclydes Euclydes da C unh a, qu ando distinguira dois Brasis, o Brasil moderno do litoral e o Brasil arcaic arc aicoo do sertão. Correspondia Correspondia a um per período íodo em em que a es tru tu ra de classes ia adquirindo mais e mais consistência no país, mercê de uma industrialização que paulatinamente ia se impondo. Fornecia um a interpretaç interpretação ão oti otimista mista desta situação, situação, abrand ando os temores da classe superior e lhe fornecendo uma nova arma de defesa: a compreensão de que a cultura das camadas inferiores podia ser us a como meadas io de desuperiores. dominação, atrav és de su a abso rção e redefi redefini ni-çãooadpelas çã pel as cammeio Nos anos 50 e 60, definiu-se nova posição de alguns intelectua is, d iante da definiçã definiçãoo do "ser brasil brasileiro", eiro", de que o melhor exemplo são provavelmente os trabalhos do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Na maneira de ver destes estudiosos, o "homem "ho mem brasilei brasileiro" ro" seria seria um homem sem pa ssado , dup lamen te alie alie-nado. De um lado porque, colonizado, não tivera possibilidades de desenvo des envolve lverr esp on tanea m ente traços qu e lhe fos fosse sem m próprios, vende-se obrigado de-se obrigado a ad ap tar importados; por ou tro lado, porque os inintelectuais nacionais aplicavam ao conhecimento de seu país um saber alieníge alienígena na e, portan to, pouco apropriado para su a com pree preennsão. As discussõ es sobre a s origens origens heterogêneas d a cultu ra brasileira lei ra seriam seriam inó cua s, pois se discutiria no vácu o. A tarefa a ser empreendida seria a da criação criação de um a cu ltura nacional válida válida,, que só podia ter vigência quando os intelectuais adquirissem consciência da inanidade de um conhecimento pouco ade quad o à sociedade sociedade em que vivi viviam. am. Conhecimento Conhecim ento e realidade realidade se conjugavam conjugavam n a con sidera151 15 1

 

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ção de falsi falsidade dade:: falsa falsa er era a a cul cultur tura, a, porque constituída de um conconjunto jun to de traços traço s importantes; fal falso so era  o conhecimento, porque oriundo de um saber exterior à sociedade brasileira. O "ser brasileiro" não teria vigênci vigência a ainda e - utopia do porvir porvir - deveria deveria ser construído; aos intelectuais conscientes caberia então delinear uma cultura autêntica. É interessante observar que esta compreensão do "ser brasileiro" novamente se opera sem apelar para as peculiaridades internas da sociedade nacional, desdenhando totalmente a colocação anteriormente efetuada. Ela coincide também com o pleno desenvolvimento da industrialização no país, quando também se definiram as campanhas nacionalistas e se acirraram as denúncias contra o capital estrangeiro. Teve lugar concomitantemente com a enunciação da teoria da dependência, dependência, que denunciava as ilus ilusõ ões do dese desenvolvim nvolviment ento o em processo. Dir-se-ia que esta teoria for fora a trans tr ans-posta para o plano cultural, dando como resultado a acusação de um vazi vazio o cult cultural; ural; porque o que que existia, fosse fosse origin originário ário de camadas elevadas, ou de camadas camada s inferi inferiores, ores, era falso falso porque dependente depen dente do exterior. Não interessava saber de que elementos se compunha, porque todos eles sofriam do mesmo vício. A partir dos anos 70, rumo novo aparece na maneira de se encarar  o "ser brasileiro", novamente polarizado pelas dissemelhanças culturais entre camadas superiores e inferiores. A parecença com a teoria de Gilberto Freyre era, no entanto, muito pequena, uma vez que a popularização estrutural era acompanhada de uma dualidade cultural talvez irreconciliável - quando na visão de Gilberto Freyre, Freyre, ao contrário, era justament justa mente e no âmbito âmbito da cultura cultu ra qu que e se operava a reconciliação das camadas sociais díspares. Como todas as sociedades, diziam estes novos estudiosos, apresentava a brasileira uma hierarquia interna, de ordem sócio-

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ENIGMAS DE UMA DEFINIÇÃO DO "SER BRASILEIRO"

econômica, na qu econômica, qual al se imp implantavam lantavam em posições diversas os grupos grup os sociais que a compunham. As criações dos grupos inferiores estari riam am sempre limitadas e orientadas pela dominação do grupo sup erior, expressando o seu controle. A cultura do grupo superior, por sua vez, estaria embebida de elementos alienígenas, que a desfiguravam. A ssi ssim, m, era nos gru grupos pos infe inferi riores ores que residia a au tentic idad e cultural, se ria neles que se enco ntraria o núcleo núcleo da nacionalidade, poiss est poi estavam avam preservada s do co conta ntagio gio de traços de cul tura s estran geiras. Neste contexto, ganhava ênfase a denúncia dos meios de comunicação de massa como altamente perniciosos, pois através deles se corrompia justamente a cultura das camadas inferiores, isto é, se corrompia o cerne da cultura brasileira. Aos intelectuais cabia denudencia coerção coerção demonstrando da s cam ad adas as suasperio res e a fa falt de le legi gi-timidade suar acultura, limitações doltaacontrole por elas exercido sobre a criatividade das inferiores, e auxiliando a expressão livre, livre, valiosa e enriquec edora de stas . Também n esta abordagem pe rdeu-se de vista a ref referê erênci nciaa às origens dos traços culturais; a heterogeneidade aqui apontada era fruto somente da estrutura interna da sociedade brasileira. Porém deve-se chamar a atenção para sua coincidência com o período em que o gover governo no brasilei brasileiro ro inicia su as atividades de increm ento e proteção dos elementos teção elementos cu lturais, atrav és da criaçã criaçãoo de Funa rte, Em brafilmes etc, indicando como objetivos de um lado a necessidade de "democr "democrat atiz izar ar"" a cultu ra nacional am eaçada, em amp aro de u m a cultura popular indefesa, em garantia de uma cultura tradicional em perdição. A ação estatal, na verdade, se volta para uma regulamentação da produção e do mercado de "bens simbólicos", ora utilizando aparelhos que lhe são próprios, ora através de organismos da sociedade civil devidamente autorizados )por exemplo,  exemplo,  TV Globo, Editora Abril etc). Tais iniciativas decorrem justamente do tipo de 15 1533

 

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capitalismo hoje existente no país: por um lado constituem uma forma for ma subreptí sub reptícia cia do govern governo o manter mant er o domíni domínio o sobre o setor cultural;   por outro lado, controlam a expansão do mercado mercado de bens culturais. Em épocas anteriores, já havia o governo formulado "políticas culturais", porém nem se haviam concretizado na prática, nem tinham adqu adquirido irido dimensão tal que abarcasse todos os seus aspecaspectos (n (não ão esquecendo o domínio domínio da produção pro dução cie cient ntífic ífica, a, que é controlada atr atrav avés és de orga o rganismos nismos de financiamento com como o o CNP CNPq q, a FI FI-NEP etc); agora, porém, as iniciativas se estendem por todos os  e o que aparentemente era incoerente, incoerente, se apresenta apr esenta na verdalados, e lados, de como como perfeitament perfeitamente e harmonizado e concordante concor dante co com m o momento momento sócio-político e econômico do país. O rel relevo evo adquirido pela consideração consideraç ão das classe classess sociais com como o aspecto de base a ser levado levado em em conta na n a análise aná lise da cultu cultura ra nacionacional coincidiu, assim, com a expansão da dominação estatal, a qual nada mais é do que a expressão da hegemonia das camadas sociais elevadas. Porém ao mesmo tempo se verificava grande modificação na maneira de encarar a cultura no país: deixava de ter um significado de acordo e conciliação, de ser algo de totalizante, para ser encarada como representação válida da diversidade, admitindo-se também que poderia constituir uma arma para as reivindicações e as lutas. Esta admissão tácita se inscrevia nas atividades do Estado,,   cu do cujo jo esf esforço orço de organização da cultura cultu ra popular popu lar era também uma forma de despojá-la de sua periculosidade; e marcava as iniciativas de certos grupos de intelectuais, buscando nela mais um instrumento de contestação. Ao delinear a variedade de interpretações e definições do "ser brasileiro" através do tempo, chama a atenção o fato de que uma nova maneira de ver não se substitui inteiramente às anteriores, mesmo mes mo quando as contraria co ntraria frontal frontalment mente; e; vem se se somar a  elas, como

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ENIGMA S D E UN UNIIA DEFINIÇÃO DEFINIÇÃO D O "SER BRASILEI BRASILEIRO" RO"

mais um caminho aberto à sua compreensão, como mais uma via de aquisição de conhecim ento a seu respeito. N outras pa lavras, persistem sempre grupos de intelectuais que conservam uma orientaçãoo que outros grupos denunciam co çã como mo ultrapassad a, abri abrindo-se ndo-se assim um leq leque ue cada ve vezz mais amplo. PodePode-se se pergu ntar: Toda esta interpretação multifacetada não refletiria a própria complexidade interna cada vez maior da sociedade brasileira, na qual variadas hierarquias e grupos sociais vão proliferando e se entrecruzando? Seria possível possível identifi identificar car os grupo gruposs qu e perm anecem liga ligados dos às for or-mu lações mais tradicionais, e aqueles que ad advoga vogam m novas teorias? Seriam Seri am sempre o s mesm os através do ttempo, empo, ou variari variariam, am, e como, e por quê? O bser bserva-se va-se também que parece haver um paralel paralelismo ismo en tre o desabrochar de novas interpretações da cultura nacional e mudanças internas estruturais mais ou menos visíveis. A primeira teoria explicativa surge no momento em que a campanha abolicionista e em seguida a libertação dos escravos vem abalar sobremaneira a hierarquia sócio-econômica; a chegada em massa de imigrantes e sua inserção na sociedade nacional trouxe novas diferenciações internas; os momentos mais agudos da implantação de uma sociedade de classes, se substituindo a uma sociedade de parentelas; a passagem de uma economia agrícola para uma economia industrial, na qual o capital m ais e mais se internacionaliza; as modi modifi fica ca-ções de um Estado que sob muitos aspectos constituíra, no passad o,   somente uma virtualidade, e que adquiriu pouco a pouco as características de criador, dinamizador, orientador de todas as atividades (mesmo culturais) de produção e distribuição, constituem etapas a que se associam novas maneiras de conhecer a cultura nacional. É dentro deste quadro de referências emoldurado pelos contornoss e pelas carac terísticas da sociedade globa torno globall brasileir brasileiraa que deve 155

 

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se orientar hoje hoje a invest investigação igação dos enigmas de ssua ua for formação mação cultural.  Q  Quadro uadro de referência referênciass em que se af afir irmam mam como aspe aspectos ctos prioriprioritários a posições dos grupos na estratificação sócio-econõmica interna do país (inclusive os variados grupos de intelectuais), e em que outros aspectos antigamente considerados como principais como co mo a oori rige gem m étnica dos ttraços raços cu lturais - p assa m a secu ndários. O que significa que o próprio leque de teorias que veio se abrindo através do tempo tempo com porta um a seriação hierárquica na proposi proposição ção dos problemas, cujo significado só pode ser amplamente captado quando identificada a posição sócio-econômica dos grupos ligados a cada tipo de interpretação. Matéria para novas e fascinantes pesquisas.

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A LI LITERATURA TERATURA COMO COMO FONTE DE DADO S PARA A SOCIOLOGIA*

Maria Isaura Pereira de Queiroz A sociologia se iniciou no Brasil com a utilização de dados qualitativos qualitati vos em larga escala, e entre eles os forneci fornecidos dos pela literatu literatu-ra, tanto pela lliteratura iteratura erudita, q uanto uan to pela literatura popu popular. lar. Assi Assim m émente que Sílvio fins do século XIX, utilizou ambasdelargaa fim Romero, de buscarnoscompreender a sociedade brasileira sua época; seus "Ensaios de Sociologia e Literatura" datam de 1900. Gilberto Freyre também se voltou para essa fonte, que considerava válida, e Roger Bastide, ao iniciar suas pesquisas no Brasil, analisou em primeiro lugar a poesia po esia afro-bra afro-brasil sileira, eira, como po rta de en trada para a compreensão das relações interétnicas. No entanto, a voga dos números, que se inicia na década de 3 0 ,  por influênc influência ia de pesquisa dores norte-am ericanos, lev evou ou os ciencientistas sociais brasileiros a desenvolverem certo menosprezo pelos dado s qualitati qualitativos vos em geral geral,, e a afastarem decididam ente a literatura como fonte fonte váli válida da de con conhecimen hecimento to d a realidade sóci sócio-ec o-econômionômica. Essa a titud e dos do s cientistas sociai sociaiss brasileiros não fo foi isolada; no quadro geral do desenvolvimento das Ciências Sociais nos países  o mesmo ocidentais, o ocidentais,  mesmo afastamento afastamento se processa após a Segunda G uerra Comunicação apresentada ao III Encontro Nacional de Estudos Rurais e Urbanos,  organizado pelo CENTRO DE ESTUDOS RURAIS E URBANOS, São Paulo, 23 /24 de setembro setembro de 197 1976. 6.

 

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Mundial. Uma pesquisa de sociologia só parece merecer a atenção, a partir dessa época, quando é feita por amostragem estatística, pa ra a defini definição ção do conjunto a ser pesquisado, pesq uisado, e qua nd ndoo é utili utilizado zado o questioná questionário rio como instru m ento de coleta coleta - questionário q uestionário pref prefere erenntemente com perguntas fechadas, para facilitar a contagem do número de respostas... Não tardou, porém, em haver uma reação a esse estado de coisas, coisa s, mostrand o que se tratava de um exa exager geroo e se processando a um a reabilitação dos dad os qualitativos. Esta já é vi visí síve vell na Fran ça noss fifins da déc ada de 50, quan do Louis Cheval no Chevalier ier edit editou ou su a importantíssima obra  Classes laborieuses, classes dangereuses,  em 1958, e na qual dem onstra a impo rtância das obra s literárias literárias para se captar ao vivoquesituações e comportamentos passado. Acha Louis Chevalier "um parti pris exclusivo dedomensuração condenaria os sociólogos a uma visão abstrata das coisas e a uma descrição muito mais inexata do que a mais aventurosa das descrições literárias"  (  (CH CHEV EVAL ALIIER, 1958, 19 58, p. 7). 7). Pa Para ra o período que qu e estud est ud a, ten tentan tando do reconstruir a vida das camadas operárias na cidade de Paris, os testemunhos literários são da maior importância, pois "auxiliam a restabelecer o que pode ter existido, animando as mais inertes das estatísticas antigas, dando -lhes um a existência existência comparáve comparávell àqu ela que nossa experiência contemporânea confere às estatísticas de nosso tempo" (CHEVALIER, 1958, p. 8-9). Entre nó s, estão os histori historiadores adores retomando o interesse pelas fontes literárias como documento histórico (ELLIS, 1975; SIQUEIRA, 1975 1975)) e nós m esm os - depois de as term os largam ente uti utililizado zado no passado (PEREIRA DE QUEIROZ, 1950, 1957, 1976) - a elas DE  QUE regressamos (PEREIRA  DE QUEIR IROZ, OZ, 1976), pro procur curand and o agora a gora tam bém traçar seu destino e seus limites. Nosso trabalho encontra-se ainda no início, mas já nos é possível delinear alguns contornos. 158 158

 

A LI TER A TU R A C O M O F O N TE   DE DAD OS PARA  A  S O C I O L O G I A

A literatura e a arte podem ser utilizadas de duas maneiras principais, pelos cientistas sociais: 1) como uma porta de entrada para se alcançarem problemas mais profundos; 2) como um testemunho válido do que ocorreria em determinados grupos sociais, no passado. A  primeira forma é a mais comum; buscam-se os laços entre a literatura e a sociedade, entre arte e sociedade, tanto para determinar as influências recíprocas, quanto para buscar, em profundidades maiores do conhecimento, a origem da criatividade artística, e também a influência ou não de fatores sociais sobre os cânones do Belo. Entre nós, o primeiro cultor dessa forma foi Sílvio Romero, na obra já citada; em seguida Roger Bastide procurou passar de uma Sociologia da Arte a uma Sociologia Estética (BASTIDE, 1943); Lourival Gomes Machado, estabelecer as influências recíprocas entre a sociedade mineradora e o barroco (GOMES MACHADO, 1969); Gilda de Mello e Souza, divisar as interrelações entre a sociedade e a moda no século XI XIX, esta es ta última últ ima e enca ncara rada da como uma manifestação estética (MELLO E SOUZA, 1952) e finalmente Antônio Cândido, do ,   dedicando-se mais especia especialmente lmente à manifesta manifestação ção artística artí stica que nos interessa, buscou as conexões entre literatura e sociedade, entre nós (CÂNDIDO, 1959, 1965). A segunda forma, na qual a literatura ou a arte é encarada como documento, tem sido menos empregada, pois oferece dificuldades em seu manuseio. Sua utilização também é dupla. Restringindo-nos à literatura, para facilitar a apresentação do assunto, encontrâmo-la encontrâmo -la tra t ratad tada: a: 1) como como um documento que pode revelar revelar os valores de uma época; 2) como um documento que pode revelar dados mais superficia superficiais is do que que os valores, e que mostra mostr a a contextur contextura a da sociedade, revelando sua estrutura interna, suas estratificações e hierarquias, a dialética das mesmas e a dinâmica do comportamento de seus grupos.

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No primeiro primeiro ca caso, so, além do trabalho já cit citado ado de Roger Roger B astide sobre   a  poesia afro-brasileira (BASTIDE, 1971), também Florestan Ferna Fe rna ndes nd es uti utililizou zou esta via de aprofundam aprofund am ento do conhecimento conhecimen to da realidade,  a  fim de alcançar preconceitos velados ou semi-ocultos (FERNANDES, 1964, 1972). A nossa utilização   da documentação literária se integra exclusivamente no segundo caso. São estes os os pri primeiros meiros passo s que estam os dan do no caminho de um a ref refllexão exão teórica que se no s afigura afigura im portante porta nte e que esp eramos poder trilhar até alcançar um a visão visão mais clara de seus probl probleemas. Referências Bibliográficas

BASTIDE, R.   A poesia afro-brasileira.  São Paulo: Martins, 1943. . Arte  e sociedade.  2. ed. São Paulo: Cia. Editora N acional, acional, 1971 . CÂNDIDO, A.  Formação da li  literatura teratura brasileira.  São Paulo: Martins, 1959. 2 vol. .   Literatura e  sociedade.  São Paulo: Nacional, 1965. CHEVAL1ER, L.  Classes laborieuses e t classes dang ereuses:  à Paris, Paris, pe nda nt Ia prem iere m oitié du XIXe siècle. Paris : Plon, 195 8. ELL1S,   M .  O café,  a  história  n a  literatura. CONGRESSO DE HISTÓRIA DE SÃO SÃ O PAUL PAULO, O, 2., São Paulo, 1975 . A nais...

GO MES MACHADO, LL.. B arroco mineir mineiro. o. São Paulo: Perspe ctiva/Ed usp, 1969. FERNADNES, F.  A  integração do negro  na sociedade  de classes.  2. ed. São Paulo: Edusp/Dominus, 1964. . O   negro no mundo dos brancos. S ão Pau lo: Difusão E uro péia d o Livr Livro, o, 1972. 160

 

A LITERATURA COMO FONTE DE DADOS PARA A SOCIOLOGIA

MELLO E SOUZA, G. R. de. A mo da no séc . XIX MELLO XIX (ensaio de sociologi sociologiaa estética).   Revista do Museu Paulista,  São Paulo, v. 5, 1952. PEREIRA DE QUEIROZ, M. I. A estratificação e a mobilidade social nas comunidades agrárias do Vale do Paraíba, entre 1850 e 1888.   Revista de História, São Paulo, n. 2, ab r./ ju n. 1950. . La guerre sainte au Brésü:  le mou vemen t messianiqu e du Contestado. São Paulo: Fac. De Filosofia, Ciências e Letras/USP, 1957. O   m andonism o local na v ida política do Brasil  e  outros ensaios.  S ã o Paulo: Alfa-Om Alfa-Om ega, 1976 . Escravos e mobilidade mobilidade social vertical vertical em dois rom anc es brasileiros do séc.  XIX.  Cadernos  CERU,  São Paulo, n. 9, 1976. SIQUEIRA, S. A. Literatura: uma fonte pouco explorada do conhecimento histórico.Revista histórico. Revista de História,  São Paulo, n. 103, 1975.

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ESCRAVOS E MOBILIDADE SOCIAL VERTICAL EM DOIS ROMANCES BRASILEIROS DO SÉCULO XIX*

Maria Isaura Pereira de Queiroz" O desejo de alcançar maior objetividade, fugindo dos desvios determinados por simpatias, afetos, emoções, ideologias, isto é, pelo impressioni impress ionismo smo de que está sem pre imp regnada a obser observação vação pessoal, tem afastado últimos vinte dos sociólogos brasileiros dos dadosnosqualitativos, dos anos quais muitos os romances são fonte de primeira ordem. A ilusão de que os números constituem arma segura contra o subjetivismo do pesquisador fez os trabalhos de pesquisa derivarem para os algarismos, buscando em sua secura e aridez um garantia de que os entusiasmos quedariam anulados. Essa orientação, que se originou nos Estados Unidos, difundiu-se rapidam ente e ntre os estudiosos estudiosos ocidentais, ocidentais, até que a precariedade dos resultados obtidos levou a uma crítica mais rigorosa dos mesmos.  Percebeu-se que na proposição de problema, na constituição das hipóteses, na formulação dos questionários, fases que precedem a coleta coleta de dad os, insin ua- se semp se mp re o subjet subjetivi ivismo smo do pesquisador; que dizer, então, da interpretação, na qual está ele inteira-

Conferênciaa realizada du ran te o IIIII Si Conferênci Simpósio mpósio de H Histór istória ia do Val Valee do Paraíba realilizad zadoo em Pindam onhangaba, onhangab a, julho de 1976. Publicado Publicado em  Cadernos CERU,  São Sã o Paulo, n. 9, p. 38-38, out. 1976. Do Departam De partamento ento de Ciências Sociais da FFLCH-USP FFLCH-USP..

 

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mente presente com sua ideologia, suas emoções, suas racionalizações? Pouco a pouco foi-se verificando que somente uma autocrítica constante con stante do pesquisador, pesquisador, colocando-se colocando-se a si me mesmo smo em em perspectiva sociológica, conhecendo sua própria posição numa estrutura sócioeconômica, com todas as implicações no que diz respeito à aquisição do conhecimento em geral e à formação dos modos de pensar, permitiriam transformar sua objetividade, de algo pernicioso, em algo benéfico, que facilite uma penetração mais a fundo na compreensão da realidade.

A  crítica dos procedimentos procedimentos quantitativ quantitativos os mostrou que o periperigo do subjetivismo não estava nas técnicas e nos dados, e sim nos próprios indivíduos; em resultado, houve como que uma reabilitação dos dados dado s qualitativos, de que é exemp exemplo lo a tese de doutoramento de Françoise Parent-Lardeur, publicada em Paris em 1970, analisando a evolução evolução das da s "vendeuses "v endeuses de magasin" francesas, fr ancesas, do iníci início o do século XIX até meados do século XX. É verdade que a autora lamenta não contar senão com documentos literários, que vão das crônicas mundanas até o romance de Émile Zola, "Au bonheur des dames". Não que as fontes sejam mesquinhas, ao contrário, são muito ricas; mas os testemunhos apresentam certos desvios que não podem ser ignorados: "Os observadores, situados no outro extremo da escala social, com relação à população observada, transmitem inconscientemente todas as deformações provenientes desta situação e do estudo de espírito à sua classe, notadamente o fato de estarem relat r elativamen ivamente te ha habituad bituados os à miséria miséria dos trabalhadores. trabalhad ores. ToTodavia. Preocupam-se em captar o real, o que nos incita a atribuir credibilidade credib ilidade ao seu se u ttes este temun munho ho"" (PARENTNT-LARDEUR, 1970, p p.. 1718).   É certo que tal crítica nã não o se d dirige irige a Zola, Zola, cuj cujo o intu intuito ito,, dada da da sua posição de socialista militante, é denunciar a exploração das 164 16 4

 

ESCRAVOS E MOBILIDADE SOCIAL VERTICAL

caixeiras e ccaixei aixeiros ros pel pelos os patrões , e cujo cujo te stem un unho ho , confr confrontad ontadoo com os demais documentos da época permite corroborar a veracidade ou não dos mesmos. Françoise Parent-Lardeur não se detém em justificar seu recurso às obras literárias como fonte de dados, dando o mesmo por universalmente aceito; é que na França, em 1970,  se havia chegado a uma conclusão positiva sobre a validade dos dados qualitativos, sendo desnecessária qualquer explicação detalhada por parte do pesquisador. Já em 1958, em plena voga dos dados quantitativos, Louis Chevalier demonstrava, de forma brilhante, o valor deste tipo de documentação, utilizada, largamente em seu belo estudo "Classes  A  es tru tura Laborieuses Laborie uses et Classes Dangereuses". Dangereuses". A tu ra econômica e pol políítica do dopor século X XIIX na Fran diz diztraram el ele, e, ffooifart cuidad osamdeente reconstituída historiadores que ça, encon encontraram farta a m esse dado dados s quan titati titativos vos em qque ue se apoiaram : trab alho s so sobre bre o século XIX XIX contêm contêm descri desc rições ções con tínua s, homogêneas e cuidadosa me nte quantif quantificadas icadas dos aspectos econômicos e políticos. Mas quando se passa para o domínio social, constata-se que os autores se contentaram em colherr nas obras ab un da nte s dos rom ancistas da época a ma téria prilhe ma de seus trabalhos: Balzac, Hugo, Zola, Daudet, Sue etc. O fato se explica pela existência "de grandes obras literárias que não se apresen tam ap ena s como docum entos ir irref refutá utávei veis, s, m as que de deve vem m à m agia do verbo o pri privil vilégio égio de reconstituir recon stituir em perm anên cia situações desaparecidas e de oferecer, a seu respeito, uma experiência indefinidamente renovada" (CHEVALIER, 1958, p. 5). Essa utilização se prende à necessidade de captar ao vivo situações e comportamentos do passado. Acha Loius Chevalier que " um  parti  parti pris  pris exclusivo de mensuração condenaria os sociólogos a um a vvis isão ão abs trata da s coisas e a um a descriçã descriçãoo m uito ma is inexa inexa-ta do que a ma mais is av aven entur turos osaa d as descrições d escrições literárias" literá rias" ((CH CHEV EVAL ALIIER ER,, 165

 

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1958,  p . 77). ). Co Com m relação ao mom ento presen te, o abus o d as técnicas quantitativas pode ser amenizado pela experiência do próprio pesquisado r: "vi "vive vend ndoo no m omento e nos am bientes em que os do do-cumentos foram elaborados, autores e pesquisadores comparam, corrigem, corr igem, completam os algarismo s, transform transformandoando-os os em situações reais,   restituindo-lhes cor, paixão, existência",. Mas quando nos reais, voltamos para o passado, a vida e o colorido se anulam na aridez dos números; então "os testemunhos literários auxiliam a restabele lecer cer o que pode ter existi existido, do, anim ando as m ais inertes das estatísticas antigas, dando-lhes uma existência comparável àquela que nossa experiência contemporânea confere às estatísticas de nosso tempo" temp o" ((CHE CHEVAL VALIIER ER,, 195 8, p . 8-9). É assi assim m que qu e Balzac, Hugo Hugo,, Sue,

Daudet, Zola, "uma "para descrição não citar senão os maiores", de sua época tão completa e tãooferecem concreta da quevida os historiadore hist oriadoress aband onam as pesquisas de aarqui rquivos vos ap arentemen te inúteis, e de vãs estatísticas" (CHEVALIER, 1958, p. 5-6). A necessidade de recorrer recorrer aos rom ancistas se or origi igina na tam bém do fat fatoo de que os com portam entos co nscientes e inconscientes, as qualidades, os valores, não são forçosamente aqueles que nossa lógica atual faz supor que sejam, quando raciocinamos somente a partir de números. E Louis Chevalier dá um exemplo: "as mais elevada s taxas de mortal mortalidade idade não ocorre ocorrem m necessariamente nos am bientes sociais sociais que se m ostram preocupados de ffor orma ma agu da  e constan te com com o problema da mo rte. Muit Muitoo pe pelo lo contrário, a inquietação relativamente à morte e o sentimento do valor da vida se desenvolvem geralmente geralmente n as reg regiõe iõess e n as épocas em em qu e a mortalidade está baixando, e justamente naquelas em que atingem os níveis mais baixos" (CHE (CHEVAL VALIIER, 1958 1958,, p. 9). São, pois, os d ocu m ento s qua litativos, tivos, entre os quais os rrom om ances se encontram em primeira plana, que permitem uma reconstituição de comportamentos, de opiniões 166

 

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e de valor valores es do pass ado , dad os que nã o se inscreve inscrevem m nos documentos estatí estatísticos, sticos, ma s que persistem nos docum entos qualitativos. qualitativos. De longa data se reconheceu no Brasil a importância de memórias, mó rias, diários, relatos relatos de viajantes, p ara o conhecimento de nosso n osso passado e todavia, a contribuição literária foi quase inteiramente deixada de lado, apesar da utilização pioneira que deles fez Gilberto Freyre (1934), tanto em Casa Grande e Senzala quanto em obras subs eqü entes. Aparece Aparece tal tal docum entação entação   também nos também nos trabalhos de Roger Rog er Bastide Ba stide   (1943,  1964, 1973) 1973) e de alguns algun s de seu s discípulos discípulos2 7 , para em seguida se perder quase totalmente. O eclipse aliou-se à maré crescente da utilização de técnicas quantitativas que, partindo da sociologia, se alastraram para a antropologia social, a geografia a própria claramente história, apelidadas agora de "quantitativas" parahumana, se diferenciarem das formas anteriores. Chegou-se então ao paradoxo de uma pesquisadora, como a que redige estas linhas, não ter achado em absoluto necessário justificar, em seu primeiro trabalho publicado em 1950 (QUEIROZ, 1950), a utilização de ro m an ances ces do século sécu lo XL XLX como m an anan ancia ciais, is, e vir a fa fazê zê-l -loo agora em 1976, vinte e seis anos mais tarde. Diante do desdém de que tem sido vítimas, é necessário chamar de novo a atenção para docum entos cuja vivacidade, vivacidade, colori colorido do e sabor sabo r permitem -uma -uma penetração muito mais a fundo na vida d'antanho. A preferência que damos a eles sobre os viajantes estrangeiros, tão numerosos a percorrerem naquela época estas paragens, vem do fato de que não penetram tão a fundo na vida; captam principalmente os aspectos que os viajantes consideram "exóticos", isto é, afastados do "nor27

  Citamos também o excelente trabalho traba lho de Gllda Gllda Rocha de Mel Mello e Souza (1952) (1952);; e os de Florestan Fernandes (1964, 1972). Recentemente Myriam Ellis (1975) fez umaa tentativa para um pa ra o caso do café. café. 16 7

 

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mal"   cuj cujo o modelo lhes é dado pelo pelo que conhecem conhecem em seu próprio país; s  sua ua visão tende, ten de, pois a ser mais distorcida do que que a dos nacionacionais. Recorreremos, pois, a dois romances do século XIX como documentos para a análise da situação da camada escrava. A  questão com que hoje nos ocupamos constitui justamente o fecho do trabalho a que nos referimos atrás; estudando a estratificação e a mobilidade sociais nas propriedades do Vale do Paraíba, entre 1850 e 1888, reparamos a existência de uma mobilidade no interior da própria camada escrava e chamamos a atenção para a necessidade de seu estudo. Isto é, a camada escrava não se apresentava como homogênea, monolítica; existiam no seu interior hierarquias e diferenciações de status, cujos fatores era necessário descobrir. Não pudemos mais voltar ao problema, e não encontramos ainda entre sociólogos e historiadores quem, estudando a escravidão, ou os africanos, trouxesse resposta à nossa pergunta. Emilia Viotti da Costa (1966, p. 231-241), por exemplo, analisou em sua obra todas as formas do trabalho escravo, feminino e masculino, tanto no campo quanto na cidade. Nota que o escravo urbano "gozava inegavelmente de uma situação superior à do parceiro cei ro do campo", sendo também maiores maior es suas su as possibilidades de conseguir alforria, alforria, melhores as condições condições de de saúde, saúd e, mais brando o tratra tamento dispensado pelo senhor. Note-se, porém que a afirmação de uma "situação superior" superior" para par a  o escra  escravo vo urbano ur bano representa a próprópria avaliação da historiadora das condições de vida deste, quando comparadas compa radas co com m as condiçõ condições es de vida do do escravo rural r ural:: não nã o si signi gnifi fi-ca opinião opinião formulad f ormulada a pelos próprios próprios escravos. escrav os. A  hierar  hierarquia quia de valor dos escravos escravos vai aparece aparecerr quando quan do a auto au tora ra nota no ta a difere diferença nça de prestígio de que gozava o "preto de ganho" relativamente ao escravo doméstico, ao escravo alugado, ao escravo escravo da roça. ro ça. Os "pretos de ganho",   tan tanto to homens quanto mulheres, mulhe res, eram empregados empregados em lavores

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de ruas ou em pequenos comércios, de que traziam a paga aos senhores; "para a venda das mercadorias nas ruas eram escolhidas em geral as negras de melhor aparência", assim como os escravos de maior inteligência, mais vivos ou fisicamente mais fortes. O escr cravo avo alugado alugado a ou trem pa ra um se servi rviço ço qualquer em geral geral empregado em ofícios, em pequenas indústrias, e o escravo doméstico, vivendo viv endo no iinterior nterior d as ofici oficinas nas ou d as família famílias, s, eram m ais vigiados vigiados,, mais tolhidos, a dominação se lhes fazia mais penosa do que para os que se entregava entreg avam m a afazeres de ru a (VIOT VIOTTTI  DA COSTA,  1966, p. 230-232). Nas fazendas não existiam "pretos de ganho" era esta uma categoria citadina. Os negros do eito e das fainas gozavam de prestígio bem menor que o escravo doméstico, sendo este último escol escolhido hido pelas qqualid ualid s físicas, físicas,a inclusive m ais clara, e pela inteligência mais viva.adeSegundo autora, osa cor escravos domésticos "pertenciam a um mundo ã parte. Eram invejados e respeitados como se esta ocupação lhes conferisse um grau hierárquico superior" (VIOTTI DA COSTA, 1966, p. 276-277). Havia, porém, outras distinções dist inções ainda n o interior interior da camad a escrava, conservavam-se conservavam-se as rivalidades entre as diferentes tribos, que se consideravam umas superiores às outras; no interior de cada tribo ou "nação", as posições hierárquicas tradicionais se mantinham, separando superiores e sub alte rno s, de tal modo que o "anti "antigo go che chefe fe,, em bora reduzido à situação de cativo, continuava respeitado" (VIOTTI DA COSTA, 1966, p. p . 240). A autora esboça, pois, um largo painel em que se debuxam situações e circu nstân cias, sem aprofundar su a análise, o que também não constituía o objetivo de seu belo trabalho. Oferece-nos o debuxoo da estru tura interna d a camada escr debux escrava, ava, mas não descr descreve eve como funciona. Quanto às relações entre livres e escravos, afirma que "as duas camadas raciais permaneciam, a despeito de toda a 169

 

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sorte de contatos, intercomunicações e intimidades, dois mundos, cultural e socialmente separados, antagônicos e irredutíveis um ao outro" outr o" (VIOTTI DA DA COSTA, 196 1966, 6, p. 280). 280) . É import impo rtant ante e ressa re ssalt ltar ar esta afirmação da autora; o significado é de que, embora vivesse o escravo dentro da casa do senhor, em contato íntimo com este no que diz diz respeito respeito às relações e à comuni comunicação, cação, apesar diss disso o estavam afastados um do outro porque pertenciam a duas culturas diversas e a duas sociedades diferentes. Mais do que isso, eram estas duas sociedades e culturas antagônicas; o sentido do temo "antagônico" é o de "agir em direção oposta, de forma surda ou declarada, no sentido de fazer prevalecer suas pretensões, seus direitos, suas opiniões, seus sentimentos", distinguindo-se de "inimigo", que designa "todo indivíduo que tende a prejudicar ou a arruinar um outro". "Irredutível" "Irredu tível" tem o sign signific ificado ado daquilo "que não pode ser transformado de forma a se identificar com outrem". Desta maneira a camada dos homens livres se orientaria em direção oposta à dos escravos,  e vice-versa, de tal modo modo que não haveria haver ia como como caminharem caminhar em ambos de forma paralela, e nem tão pouco se efetuar entre ambas alguma integração. A utilização destes dois termos entra em contradição com a colocação anterior, da existência de "contatos, intercomunicações e intimidades" entre os dois mundo intimidades" mundos. s. Com omo o conc concili iliar ar estas e stas dua duass posições çõ es apar aparentem entemente ente irredutíveis? Algu Alguma ma c coisa oisa p pode ode continuar conti nuar guar guar-dando sua perfeita identidade apesar de um contato tão íntimo com algo algo que lhe é estra es tranho nho e oposto? oposto? Tal Talve vez z o exame exame dos romances, ro mances, que si signi gnifi fica ca procur pr ocurar ar a vida em em sua dinâmica cotidiana, traga trag a a respo respossta a esta questão, cuja importância sociológica é manifesta. Seu esclarecimento poderá contribuir para um conhecimento melhor dos diversos níveis em que operam as nossas análises dos fenômenos sociais.

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O trabalho de Emilia Viotti da Costa (1966) é extremamente bem docum entado, m as o recurso à s fon fonte tess lit literárias erárias é prati praticame came nte inexistente. A penas n um a n ota de rodapé é citado o rom ance Til Til, de José de Alencar (VIOTTI DA COSTA, 1966, p. 276). Procura a autora au tora iden identitifi ficar car qqua uando ndo e ccomo omo a situa situação ção do escravo aparece como "problema" na literatura da época, isto é, investiga por meio da literatura o despertar da consciência do branco livre a respeito da escravidão, porém aí se detém (VIOTTI  (VIOTTI  DA COS  COSTA, TA, 1966, p . 406-408). Florestan Fernandes (1972), grande estudioso da posição do negro na sociedade brasileira, abordou em seus livros o problema da ascen são sócio-e sócio-econômica conômica deste; m as seu intere interesse sse volta-se volta-se ppara ara a verificação do que sucede ao indivíduo de cor na sociedade dos brancos e noescrava meio destes, abordando o(FERNANDES, que ocorria no 1972, interior da camada durantenãoa escravidão p. 45-56;  181-191) 181-191).. Co Como mo seu m estre Roger Bastide  (1943, 1973) já o fizera anteriormente, também Florestan Fernandes (1972, p. 181191 91)) procurou pe rsc rutar ru tar tensõ tensões es e confli conflito toss ddos os grupos étnicos revelados pela poesia e romances de escritores negros; analisando, por exemplo, exemplo, o teatro de Abdias do Nascimento, bu sc scaa "a compreensão do negro e dos véus com que o branco encobre uma realidade racial pung pungente", ente", tais obras obr as são pa ra el elee "um a  documentação para a análise psicológica e sociológica das tensões e conflitos raciais no Brasil" (FERNANDES, 1972, p. 192-193). Assim, embora Florestan Fernan des utili utilize ze a liliteratura teratura co como mo um a do cum entação váli válida da p ara as ciências sociais, nosso problema não foi abordado por el elee 28 .

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  Ao caracterizar a sociedade sociedade paulista no momento da abolição, Florestan FFernand ernandes es lança mão de um romance, mas é de Affonso Schmidt (1941), escritor nosso contemporâneo e cuja obra não é um documento da época, portanto Fernandes (1964,  p. 62, nota 80). 171

 

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Em trabalho anterior, havíamos notado  a existência existên cia de diversas posições sociais dentro   da cam ada escra escrava; va;  as qualida qu alida des fí físi si-cas do escra escravo, vo, su a idade,  as tarefas de que era encarregado, constituíam os elementos que com pun ham seu st at us . Escravos de bela aparên cia eram se parad os pa ra ser serviç viços os cas caseiros; eiros; a idade av ançada podia gerar prestígio   e respeito; a  importância das diferentes tarefas,  por sua vez, coloria tam bém   a  posição  do cativo (QUEIROZ, 1950,   p.  212). Estes aspectos eram claramente visíveis dentro  da camada escrava   e sugeriam   a existência  de hierarquias internas, que talvez permitissem até falar em ascensão   e descida dos cat cativos ivos no próprio interior do seu estrato estr ato.. Propômo-nos Propômo-no s ago agora ra ve veri rifi fica carr co como mo se configuravam   as hierarq uias, como se  iinse nseri riam am nu m a estrutura de dominação dom inação esc ravocrata, de que fforma orma eram vvivi ividas das pel pelos os escravos. Utilizamos dois romances como fonte   de  dados para nossa análise, passando-se ambos   em  fazendas do Vale do Paraíba. Um  "A A escrava Isaura" , de Bern Bernardo ardo G uim arães (s. (s.d.) d.),, ffooi escri escrito to deles, " deles, com co m pretensões preten sões a lilibel beloo con tra a escravidão;  é um "romance de tese" tese"29 . O outr outroo  é  um romance de costumes, retratando de forma saborosa a estrutura social   e o modo de vi viver ver na s fazendas  da época;  a pretensão de José de Alencar (s.d.),  ao redigir "O tro nco  do Ipê",  não parece   ter  sido mais do que contar uma história3 0 . Muito diversos nos objetivos que   se prepuseram  os autores, divergem também na imagem da época,   / a soci sociedade edade retrata da por Bernardo G uimarães é formal, cheia de etiquetas, falha de espontaneidade;   a sociedade retra tad a por Jo sé de A len lencar car  é de familiar familiaridade idade cheia de bonom bonomia, ia, 29

  A  primeira edição data de 1875, quando as atividades ativ idades abolicionistas já se ampliaampliavam.

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  A primeira edição é de 1871. 1871 .

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com a espontaneidade sempre presente. Provavelmente ambas as formas coexistiam, formando variações dentro de um gênero mais amplo, que era o da família e da fazenda na sociedade escravocrata; malgrado as diferenças de tonalidade, os dados não se opõem, antes se completam. Notemos ainda que o romance de Alencar foi editado em 1871 e o de Bernardo Guimarães em 1875. O prime primeiro iro romance citado citado rretr etrata ata a condição de inferioridade inferioridade do escravo com detalhes; raramente um romance espelha tão bem a situação de dominação dominação por parte dos brancos branco s e de total subordinação dos cativos quanto este31, que permite verificar toda a sorte de juízos de valor negativos de que estava envolvida a condição escrava, assim como sua situação de nenhuma defesa diante da lei, isto é, ficando sob o inteiro arbítrio do senhor. O romance é concebido como um protesto direto contra a vil instituição que ainda persistia no Brasil; Brasil; as opiniões opiniões depreciativas que patenteia patent eia fugir fugiram am muitas muit as vezes à própria consciência do escritor. Assim é que a beleza de Isaura é descrita como um contraste onde a exclamação de um jovem: "Ó céus céu s É possível que um uma a moça tão linda seja uma escrava escr ava? ? (GUIMARÃES, s.d., p. 144) Dessa forma, a escrava por definição é feia. fei a. Se o escravo po porr definição definição é feio feio,, também por definição definição não tem caráter; Leôncio, o senhor de Isaura, diz a esta: " - Os instintos do teu coração são rasteiros e abjetos como a tua condição..." (GUIMARÃES, s.d.  s.d.,, p. 96). 9 6). E Álva lvaro, ro, o apaixonado apaixonado de Isau Isaura, ra,  o jovem "libe"liberal republicano e quase socialista" descobrindo que sua amada era uma escrava fugida, assim a descreve:  " - Através das lágrimas que lhe arrancava sua cruel situação, transparecia, em todo o seu bri-

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  Co Como mo desejávamos desejávamos nos no s prender ao Vale Vale do Paraíba, Paraíba, não an alisamo alisamoss o clássic clássicoo lilivr vroo de Joaqu im Manuel de d e Macedo sobre os escravos, esc ravos, "As vítimas algozes". algozes". 173

 

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lho,   a dignidade humana. Nada havia nela que denunciasse a abjeção do escravo..." (GUIMARÃES, s.d., p. 162). Desta forma, tanto o cruel e escravocrata Leôncio, quanto o generoso Álvaro que alforriara todos os seus escravos, estão convencidos de que o escravo é, por definição, um ente vil. O escravo fisicame nte desvalorizad o, po is po r defini definição ção é "f "feio" eio",, mo ralm en te é um ser desprezível, um miserável. Isaura escapa a essa classificação devido à sua "natureza privilegiada" (GUIMARÃES, s.d., p. 164), constitui a exceção que confirma a regra, como revela a exclamação de Álvaro: Álvaro: " - Pode acaso a tirania de u m ho m em ou da sociedade inteira transf orm ar em um ente vil, vil, e votar à escravidão aquela que das mãos de Deus saiu um anjo digno do respeito e adoração de

todos? Não Isaura; eu saberei erguer-te ao nobre e honroso lugar a que o céu te destinou..." (GUIMARÃES, s.d., p. 183). Não apenas tem o escravo qualidades negativas, seu próprio co nta to é desvalorizan te. Ao revelar Ma rtinho a Álvar Álvaroo que a jovem a qu em dá o bra ço é cativa, cati va, Álvaro Álvaro (que (que igno rara até entã o a qualid ade de Isaura), exclama: ".. ".. . se alguém pago u-lhe p ar a vir a ach incalh arme a mim e a esta senhora, diga quanto ganha, que estou pronto a dar-lhe o dobro para nos deixar em paz". Mais tarde confessa o rapaz a seu amigo Dr. Geraldo a vergonha por que passou então: (...) Uma escrava iludir-me por tanto tempo, e por fim ludibriar-me, expondo-me em face da sociedade à mais humilhante irrisão Faze idéia de quanto qua nto eu ficaria ficaria confuso confuso e corrido diante daquelas ilustres damas, com as quais tinha feito ombrear uma escrava em pleno baile, perante a mais distinta e brilhante sociedade ..." a própria Isaura tem plena noção de sua ousadia, ao se fazer passar por livre; denunciada sua condição por por M artinho, artinho, dura nte o bail baile, e, exclama:"exclama:"- Meus senhores e senhoras, perdão Cometi uma infâmia, uma indignidade 174

 

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imperdoável ... mas Deus me é testemunha que uma cruel fatali fat alidade dade a isso me le levou. vou. Senhores, o que esse hom em diz diz é verdade verd ade.. Eu ssou ou... ... um a eescrava scrava ... ((GU GUIIMARÃ MARÃES ES,, s.d. s.d.,, p. 153; 161;  155).

Está, pois, o escravo no ponto mais baixo da escala social; a posição de livre torna-se um alvo extremamente ambicionado, pois é a maneira de escapar a uma situação mais do que penosa, infamante. Para que Isaura atinja a condição de livre, consente o pai,  que m uito a queria, que qu e se case com o por portugu tuguês ês Belchi Belchior, or, disforme e quase débil mental. "Sempre é alguma coisa sair do cativeiro e casar- se com um homem branco e lliivr vre" e",, racioc raciocina ina su a senh ora Malvina, apesar de no primeiro momento ter achado que esta solução constituía "demasiada crueldade" (GUIMARÃES, s.d., p. 202; 206). A existência da alfor alforri riaa col coloca ocava va de ntro d a m ira do escravo a possibilidade da ascensão à liberdade, e tornava-a extremamente ambicionada. Com os olhos fixos nesse objetivo, esquecia o escravo de lutar pela libertação da coletividade, empenhado que estava em conseguir por todos os meios alcançá-la individualmente. Porém a alforria dependia do arbítrio de seus senhores; podia o escravo comprá-la, mas quem marcava o preço era o senhor. Uma das formas de obtê-la era pelos sentimentos. Todavia se a afeição do senhorr podia determ inar a alf nho alforr orria ia do escravo, também tamb ém le levav vavaa a negála. Não falamos apenas da paixão que escravas belas despertavam nos senhores, que delas não se queriam mais desfazer, porém da própria afeição filial. Ainda relativamente a Isaura, fora ela criada pela sinhá-velha desde pequenina; a dona da fazenda tanto a ela se afeiçoara que, apesar da insistência com que a nora lhe pedia que libertasse Isaura, - "uma tão boa e interessante criatura não nasceu para ser escrava... escrava..."" - respond resp ondia ia sem pre a sogra ". "..... Quer que eu solte minha patativa? E se ela transviar-se por aí, e nunca mais 175

 

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ace rtar com a porta da gaiola?... Não, não , min minha ha filh filha; a; enq uan to eu for viva, quero tê-la sempre bem pertinho de mim, quero que seja m inha in ha , e min m inha ha só." ((GU GUIIMARÃES MARÃES,, s.d. s.d.,, p. 36 36;; 65). Desta forma, a alforria era totalmente dominada pelo senhor, que decidia a seu bel praz er do destino dos cativos e cativas. cativas. Mesmo Mesmo no caso de ter tratado um preço para a libertação, podia marcá-lo tão elevado que se tornava extremamente difícil chegar à posse de tal soma. Insistindo o pai de Isau ra, portu guê s lilivr vre, e, na compra da liberdade d a fi filha lha,, o senho r velho velho pedia por ela "exorbitante soma", e dizia: "- Não há dinheiro que a pague; há de ser sempre minha". Não parecia, pois, ser do interesse dos cativos de ambos os sexos uma aproximação com os senhores que determinasse apego demasiado, um a vvez ezno quecaminho essa rela relação podia ssee transformar insuque perável obstáculo daçãoliberdade. As condiçõesemem se alcançava a alforria são desfarte, os melhores indicadores do grau extremo de alienação a que estavam sujeitos os escravos, cuja pessoa, trabalho, liberdade estavam na dependência total da camada livre. Estes aspectos, no entanto, já têm sido bastante analisados entre n ós; o que não se analisou é como como se com pu nh a o inter interior ior da cam ada escrava, que em em geral tem sido iimp mp lic licita itamente mente considerada como formando um conjunto compacto comp acto e monolíti monolítico. co. Intere ssa, pois, agora estudar esta própria camada escrava em seu interior, e não ap en as n as relações co com m os senh ores. Já tem sido observada a exi exisstência de tarefas diversas reservadas aos cativos; no meio rural, a maior quantidade deles trabalhava na roça, enquanto na cidade o maior número constituía o que se chamava de "negros de ganho", ocupados em diversos misteres cuja féria era entregue ao senhor; tanto no meio meio rural quan to no meio meio urbano , eram m enos numerosos os escravos escravos que se ocupavam com com o trabalho doméstico. 176

 

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No primeiro romance citado, "A escrava Isaura", permite ver que as tarefas formam uma hierarquia de prestígio em que, no ponto mais baixo está o trabalho na roça, tanto para homens quanto para m ulheres; é este, pois, o trabalho mais desva desvalor loriz izado. ado. A  A excla exclamação de Isaura: "... ponham-me na roça de enxada na mão, des e vestida calça e calça  vestida de algodão..." algo dão..." (GU (GUIIMAR MARÃE ÃESS, s.d., s.d., p. 209) qua q ua nd o lhe querem quere m faz azeer aceitar o casame nto com um qu ase débil men tal, mostra bem o desapreço de que estava rodeada tal atividade. No caso da s mu lheres, acim a do trabalho de roça estava a tarefa tarefa de fiandei fiandei-ras, fabricando tecidos grosseiros de que necessitava a fazenda, fazenda, "no meioo do sussu rro d as rod as que girava mei giravam, m, e das m onóton as can tarolas..."; pelas conversas que q ue mantêm m antêm entr entree si as escrav as, ver verif ific ica-s a-see que esta era atividade, em que sedoencontravam maispuxar livresenxada e menos vigiadas, mais valorizada que ir "pra roça de sol a sol, ou pra o cafezal apanhar café", duas tarefas exteriores à casa grande, que tornavam o contato das escravas com a camada superior mais distante (GUIMARÃES, s.d., p. 70-72). No interior da casa, havia também pelo menos dois status distintos para as m ulhere s, do ponto de vista do trabalho; as ativiatividades ligadas à cozinha eram consideradas inferiores às atividades ligadas à sala. A condição de "escrava de sala" sala" era alcan çad çadaa pelas mu cam as hab ilidosas e inteligente inteligentes; s; nem toda s porém davam integralmente conta co nta do recado como como se no ta ne sta observação o bservação do pajem pajem André à nova m ucam a Rosa: "Be Bem m m ostras qu e não nasceste par a a sala; o teu lug lugar ar é na n a cozinha" co zinha" (GU GUIIMAR MARÃE ÃESS, s.d., s.d., p . 196). A "escrava de sala" vivia "no meio de sedas e flores e águas de cheiro" (GU GUIIMAR MARÃE ÃESS, s.d. s.d.,, p . 77) 77) gozando de d e um a posição po sição que qu e não ap en as dava lugar à inveja, mas também a tramóias, calúnias e pequenas conspirações para se conseguir alçar até a ela. Assim, a mucama Rosaa caluniava Ros caluniava Is aur a ju nt o à sinh á, afi afim de desban cá-la e de el elee177

 

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var à situação de "escrava de sala" que Isaura ocupava (GUIMARÃES, RÃE S, s. s.d., d., p. 89-90). A hierarq h ierarq uia de prestígio prestígio do traba lho m ascu ascu-lilino no acom pan hav a a do femini feminino, no, o pon to mais m ais alto sendo o "p "paj ajem" em" que também se encarregava de tarefas domésticas interiores, cocheiros e moços de estrebaria eram inferiores a ele, mas ficavam acima dos escravos do eit eito, o, os qu ais com pun ham a cam ada in infe feri rior or (GUIMARÃES, s.d., p. 196). N um e nou tro caso, a valorizaç valorização ão estava ligada ao titipo po de trabalho, a p artir do trabalho b raçal - o da roça - m ais pesado e consiconsiderado inferior, e subindo até o trabalho doméstico, muito mais leve. Esta valorização crescente à medida que se sobe do trabalho braçal para uma atividade manual mais disfarçada, repetia a hierarquia ocupações que na própriao cam ad adaa de livrprestígio livre. e. Ri Rico co eradas o fazende fazendeir iroo po possuid ssuidseorencontrava de mu itos escravos, qual não trabalhava e sim mandava; os escravos eram suas mãos e se us pés pés,, como como já foi dito dito algu res.  A r  riqueza iqueza de um u m faz fazendei endeiro ro n ão se media pela extensão de suas terras, media-se pela quantidade de escravos esc ravos que trabalhavam para   e le32 . O sitiante, q ue cultivava cultivava a terra sozinho ou com o auxílio da família, gozava de pouco prestígio; era obrigado a executar tarefas que, no caso de fazendeiros ricos, recaíam exclusivamente sobre os cativos. Os homens brancos que não possuíam terras vendiam seu trabalho e recebiam uma paga; o trabalho que executavam não era, porém, o da roça - ou era de guard a-livros, esc ritu rituran rando do os gas tos da d a fazenda, fazenda, ou era o de feito feitor,r, supe rvision and andoo a s tarefas dos cativos. cativos. O fato fato de esse s funcionários 32

  O francês Loius Couty, que estudava estuda va aqui a qui os problemas problema s do café, café, escrevia escrevia no fim do século:   O valor hipotecário d as instalações instalaç ões agrícolas no Brasil (.. (...) é mínimo; mínimo; ele não chega de modo algum a se igualar com o valor de compra de rebanho hum ano. Por aí se se  vê que não leva leva em conta nem as terras te rras,, nem as cultu ras, nem as con struç struções ões,, nem os diversos meios m eios de exploração" (CO (COUT UTY, Y, 1884, p. 88).

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não trabalharem m anu alm ente prestigiava-os. prestigiava-os. Nota Notaram ram mu itos viaviajan tes e mem orialist orialistas as a m á vontade dos hom ens lilivre vress em em executar trabalhoo na roça recebendo salário, o que lev trabalh levava avam m n a con ta de indolência, lênc ia, de gosto gosto pel pelaa vadi vadiagem; agem; n a verdade verdade,, não queriam eles eles descerem ao nível de escravos, degradando-se com as tarefas desprestigiadas que, al além ém do mais, pouco rendiam mo netariame nte. O exer exercí cíci cioo ou não de trabalho m anua an ua l parecia ser, assim , um dos sinais mais evidentes da posição mais ou menos elevada dos indivíduos indiví duos na eescala scala sócio-ec sócio-econômica, onômica, tan to en tre lilivre vress quan to entre escravos. Subir n a escala socia sociall signi signifi ficav cavaa pa ssar ss ar da necessida necessida-de de trabalhar na roça sem nem mesmo a liberdade de estabelecer seu própri próprioo ho horário rário de trab trabalho alho,, p ara o pr prestí estígio gio o est estágio ágio em que o próprio indivíduo momento de seu trabalho na roça (como no caso dosdeterminava sitiantes), eo para estágios em que os trabalhos não eram m ais braçais, acercando-se cada vez vez mais da posição posição de comando sem nenhuma execução, que era a posição do fazendeiro (QUEIROZ, 1950, p. 207). Não havia uma linha limitando inexoravelmente a posição ddoo escravo, que não era nem dono de seu traba lho e do seu tempo, dos indiví indivíduos duos liv livres res pos possuido suidores res do seu trab alho e do seu tempo; é que o escravo podia também, mediante a alforria, ascender ã liberdade. Não é de se admirar pois que, efetuando a passagem de escravo a livre, procurasse este não mais voltar às tarefas de rroça, voltar oça, que eram con consider siderada adass específi específicas cas do caticativeiro. A hierarquia de trabalho no interior da camada escrava regias e ,  pois, pelo mesmo sistema de valores que acabamos de analisar. O mais desvalorizado era o trabalho da roça; tanto para mulheres quanto para homens, as tarefas eram mais prestigiadas à medida que se afastam des ta posição iinfe nferi rior. or. No topo da hierarq uia do trabalho escravo estavam as lides não apenas interiores à casa, mas 179

 

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diretamente ligadas   aos "aposentos nobres",  à "sala  de v  visit isitas", as", a  ao o salão  de festas. Desta forma, forma, não h avia soluçã soluçãoo de continuidade entre  a escala   de prestígio  das ocupações  dos hom ens lilivre vress e a dos escravos, n e m  no que diz respeito  à  possibilidade  de passagem   da  camada escrava escr ava pa ra   a  camada livre,  nem nos valores mais aparentes qu  que e distinguiam posições hierárquicas dentro   de cada nível33 . Livres  e escravos formavam   um mundo  em que as  ocupações eram regidas pelos mesmos valores. Deste ponto   de vista, o que se  passava  na cam ada escrava escrava pode ser considerado um prolongamento prolongam ento do que oc ocor or-r i a   na camada livre.  Os m esmo s crit critéri érios os  de valor agiam como elementos  de dife diferenci renciação ação por to da a escala social de alto a baixo.  Cae  camada escrava  se  integravam como duas partes mada livre difere dif erente ntes, s, u nida s, qu anto ao trabalho, trabalho, por idênti idêntica ca táb ua  de valores. A existência existência  de hie rarq uia não signi signifi fica ca forçosamente mobil mobiliidade dos indivíduos subindo  e descendo n  nas as diversa s posições; po sições;  popodem ficar   por toda  a sua vida ligados  a um  determinado status, imobilizados portanto  no mesmo lugar. J á vi  vimos mos qu e tal não acontecia   com a  condição  de  escravo, pois  o  indivíduo podia obter ou comprar   sua liberdade  e se elevar,  de cativo,  a livre.  Não esta  estamo mo s aqui argumentando sobre   a  facilidade  ou a  freqüência  com que a passagem podia   se efetuar;  até agora  não há  trabalhos suficientes para   que possam os aquilatar como tal se dava,  e  lidamos sempre com co m opiniões opiniões mais ou menos im pression istas. Queremo s saber, isso

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  Essa Essass caracterí características sticas da cam camada ada escrava não nos d deix eixam am chamá-la de "casta "casta", ", como tem sido comumente feito por alguns autores. A casta é uma situação de imobilidade social e ocupacional, caracterizada por proibições matrimoniais e de comensalidade, que faltam totalmente ao caso brasileiro. Para a definição de casta, ver Bose (1974).

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sim, quais seriam as regras formais e informais do "jogo", em termos da mobilidade dos cativos dentro de sua própria camada. A exist existência ência d esta mobili mobilidade dade é ates tad a pelo próprio próprio enredo do romance "A escrava Isaura"; filha da mucama favorita de sua sinhá-velha, for foraa Isau ra por esta educad a e, e, pa ssan do p ara a posse da no ra, perm anecera em su a posi posição ção de "esc "escrava rava de sal sala" a" até que a sinhá-moça descobrira a paixão do marido pela bela cativa. Foi então remetida para a condição de fiandeira, com a ameaça de ir para a roça trabalhar na enxada. Descreve Bernardo Guimarães (s.d.) a tristeza desta descida social; acostumada na sala, era "degradada do posto que ocupava para toda a vida junto de sua senhora", passando a trabalhar entre "paredes "paredes enfumaçadas enfumaçadas que só tresanda m a sarro deapito pit e m orrão de elevada cand eira" (p.rior, 76-7um 7; 80). 7;  80). E enqu E  antoque Isaura decaía decaí deo sua posição posi ção elcandeira" evada ante anterior, a o utra escrava se considerava sua rival, Rosa foi por sua vez alçada ao "status de sala", pela vontade e escolha de sinhá-moça Malvina, a mesma que promovera a descida de Isaura. A sce scensão nsão e rebaixamento ap resentam -se aqu i dominados pela pela vontade do senhor ou d a senh ora. A grande afei afeiçã çãoo d a sinhá-velha por Isaura elevara-a para uma situação de trabalho mais prestigiada; o ciúme de sinhá-moça relegara-a a uma posição inferior. O arbítrio dos senhores era o motor da ascensão e da descida; se a afeiç afe ição ão ele elevava vava os cativos, a raiva, raiv a, o ciúm e, o ódio, pod podiam iam ser fatores de rebaixamento. O aparecimento de amizade entre esses indivíduos tão afas afastatados na esc ala sócio-econômica sócio-econômica era favoreci favorecida da ju st stam am en te pela existência de escravos domésticos; o trato cotidiano era constituído de relações rel ações que provoca provocavam vam sentim entos se estendend o d a simples afei afei-çãoo e amizade çã amizade até as p aixões violentas, e percorrendo também toda a gama da afetividade negativa. No romance de Isaura, a grande  8

 

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afeição da sinhá-velha pela mucama de estimação levara-a a promover a ascensão da filha da cativa; a posição desta última como "escrava de sala" colocando-a constantemente diante das vistas de Leôncio, desenvolveu neste violenta paixão (GUIMARÃES, s.d., p. 26). Em "O tronco do Ipê Ipê", ", de Jo sé de Alenca Alencar,r, os velhos Benedito Benedito e Chica desfrutavam desfru tavam posição e pri privil vilégios égios especiais especia is na n a famíl família ia do Barão da d a Esp Espera era devido à afe afeiç ição ão existente en tre eles e as c rianç as d a casa, afeição que nascera graças à posição de ambos na domesticidade:  "Benedito, como como fora fora pajem gra grand ndee do pai de Mári Márioo em criança, considerava-se até certo ponto av avôô do me nino. Da mesm a fo forma rma,, tia Chica que tinha criado a mãe de  Alice, olhava esta es ta como se fo foss ssee em part p artee ssuu a ne tinh a" (AL ALEENC NCAR AR,, s. s.d., d., p . 43 43).). A afeti afetividade vidade co nstituía poisaofator de ascensão ou de descida, porém totalmente subordinado bel prazer do senhor. Outros fatores concorriam também para que o escravo, chamando a atenção do dono, desencadeasse o processo de ascensão. Assim, Isaura tinha "uma cor linda", fazendo sua senhora Malvina exclamar: "... ninguém dirá que gira em tuas veias uma só gota de sangue africano". Rosa, que substituíra Isaura, era mulata quase branca, bonita, cujos "cabelos negros e anelados podiam estar na cabeça da mais branca fidalga de além-mar" (GUIMARÃES, s.d., p. 70-71).  O pajem André, por sua vez, era "um mulato ainda novo, esbelto e aperaltado", o que significava "de boa presença", nos termos da época (GUIMARÃES, s.d., p. 74). Vemos, pois, que a cor m ais clara, clara, os traço s menos negróides, constituíam fa fator tor de peso n a ascensão de es escravos cravos e escravas, poi poiss cham am para el eles es a atenção valoriza valor izadora dora dos sen hore s. Tudo isto isto está a mostra r que os cânones de bele beleza za n a cam ada escrava escr ava eram também esta estabeleci belecidos dos pelos donos e um trechinho de "O tronco do Ipê Ipê"" indica como os escravo escravoss haviam interi interiorizado orizado es182

 

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sas valorações. Tendo a mucama Eufrasina brigado com o pajem Martinho, ofende ofende-o -o chamando-o de "tição", "tição", ao que responde o mol molee.. . tição é seu pai e você, negro cambai cambaio o e bichento que:   " - Tição ... que veio veio lá de angola.. ango la.... Cada beiço assim assi m Ih Ih Cada beiço assi assim, m, como orelha de porco... Tapuru 34  era mato... chegava a sair pelos olhos". olhos ". Diante de de tanta tan tass injúrias, injúrias , "a Eufrasina, cega cega d de e ra raiva, iva, atirou-s ro u-se e ao pajem..." pajem. .." (ALENCAR, s.d., p. 172). Vê-se com com o rei reinav nava a entre os próprios escravos a desvalorização da cor negra, dos traços negroides e da própria origem africana, confirmando a valorização da cor clara, dos traços caucasóides, já encontrados atrás do romance de Bernardo Guimarães. Novamente estamos diante de algo que decorre da camada superior dominante, que ela impõe à camada subordinada. Os elementos que concorriam para a ascensão ou a descida não eram, pois, específicos da camada inferior, não haviam surgido nela espontaneamente, mas lhe foram sutilmente impostos, e se transformaram transfo rmaram,, ao que tudo indica, indica, em valores totalmente aceitos pelos cativos.

A  posição mais elevada do cativo ou da cativa muitas vezes se transmitia aos filhos. Isaura atraiu a atenção de sua sinhá-velha em primeiro lugar por ser filha de uma mucama favorita (GUIMARÃES, s.d  s.d., ., p. 32); em em "O "O tronco do Ipê", Ipê", Martinho era pajem porque filho da tia Vicência, cozinheira estimada pela família do Barão da Espera; nos dois romances romanc es a posição melhor melhor da mãe leva levava va o fi filh lho oa um status melhor na hierarquia do trabalho (ALENCAR, s.d., p. 124). No mesmo mesmo romance, ro mance, Benedito Benedito torno to rnou-se u-se paje pajem m de Jo José sé Siqueira por ser seu "colaço", isto é, filho de sua ama de leite (ALENCAR, s.d.), a posição de ama de leite sendo sempre importante nas famílias. Havia, pois, uma espécie de "herança" de posição mais elevada na ca34

  Tapuru  Tapuru  = bicho de fruta. 183

 

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m ada ad a escrava: o filho ou par paren ente te de um escravo melhor col colocado ocado na hierarquia apresentava cha nces de continuar ne ssa posiç posição. ão. Esse critéri critérioo era também parale paralelo lo ao que exist existia ia nas cam ada s sup eriore s e livres: livres: ne sta s, em bora estivesse a sociedade em fo formarmação e por isso fosse ainda fluída, dando aos indivíduos oportunidades reais de ascensão através da audácia nos negócios, do casamen to rico rico e da aquisição de fortuna, mesm o assim a conser conservação vação de status por herança era uma realidade. No interior da camada escrava repetia-se o mesmo. Novamente surge a influência da camada livre e dominante, penetrando no próprio interior da camada escrava e regulam entand o-a; pois são os donos qu e decidem decidem galargalardear o escravo preferido através de sua descendência, conservando uma posição melhor. O que era inerente camada superior -a aestes "herança da posição sócio-econômica, existeà também na inferior, porém ou como reflexo, ou como decorrência; portanto sua origem ori gem n ão e stava n a c am ada ad a inf infer erior ior,, o crit critério ério não era dela origi origi- era exterior a ela". nado, era nado, Outros fatores de ascensão social eram a inteligência, a habilidade, a capacidade do escravo, que o designavam aos olhos do senhor para tarefas mais delicadas que não o mesquinho trabalho braçal. Com preende-s preende-see assim , com entári entárioo do pajem pajem A ndré co com m relação laç ão à mu cam a Rosa: "B "Beem m ostra s que não nasce ste par a a sala, o teu lug lugar ar é nnaa cozinha" co zinha" (GUI GUIMARÃ MARÃES ES,, s. s.d., d., p . 196). Em "O tronc o do Ipê Ipê", ", as m uc am as "de estimação estimação"" Eufrosina e Fali Falicia cia dem on onstrastraram capacidades que não eram das "negras da cozinha" e muito menos das negras de roça. Em "A escrava Isaura" o mesmo se observou ser vou em relação a Isa ur a e Rosa. Es tes cativos de maior capa cidade não eram forçosamente os mais claros. Em "O tronco do Ipê", a tia Chica foi "mãe de cri criação" ação" da Ba ron esa ddaa Espera; su a cor escura não pesara na sua ascensão, porque as qualidades e capacidade 184

 

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que apresentava foram julgadas mais importantes. O arbítrio do senhor se fazia novamente presente; ele era quem decidia quando as capacidades deveriam ter maior peso, quando a cor e o que se definia como "beleza" passariam para a primeira plana. Finalmente, a origem Finalmente, origem brasileira brasileir a do esc escravo ravo acar acarretav retava ap par ara a el ele e maior prestígio do que a origem origem africana. Em ""O O tronco tro nco do Ipê", Ipê", entre entr e as ofensas que o pajem pajem Martinho Mar tinho dirigiu à mucama muca ma Eufrosina, está a origem origem africa africana na do pai desta, "ne "negro gro camba cambaio io e bichento que veio lá de Angola", Angola", o golpe é rude, rud e, a muc mucama ama es espu puma ma de ódi ódio o (A (ALENCAR, s.d., p. 19-21)35. Estava implícita nesta injúria a opinião de que o negro nascido no Brasil, o negro crioulo, era "civilizado", enquanto o recém-desembarcado ainda estaria mergulhado no embrutecimento. Submetendo-se ainda que, em contato cotidiano desde a mais tenra infância com o branco, o negro aqui nascido teria perdido a selvageria. O negro recém-chegado, vivendo entre seus iguais,  todos bárbaros, era ignorante dos usos e costumes mais adiantados, aprendia cora dificuldade o novo idioma e se comunicava no que se chamava "meia língua", o que era interpretado como provas visíveis e constantes de sua incultura. Ainda aqui os valores decorriam da camada livre e branca, e eram acatados aparentemente sem hesitação pelos cativos. Desta maneira, afeição do senhor, cor, beleza, habilidade, filiação,  origem brasileira, constituíam fatores que ora promoviam, ora simplesmente auxiliavam a ascensão dos escravos na hierarquia de posições sociais internas de sua própria camada. Esta hierarquia rar quia se estabelecera a parti p artirr do pres prestígio tígio e desprestígio desprestígio de tarefas e trabalhos. Correspondendo também a valores imperantes em geral na sociedade, eram estes valores adaptados à camada escrava.  A 35

  Ve Verr essas páginas pág inas e, e, de um m odo geral, geral, o romance todo. 185

 

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origem e o funci origem funcionamen onamento to da hierarquia hierar quia intern in terna a da camada escrava não eram específicos a esta camada, mas originários da camada livre. Esta determinava calores, vias de ascensão, mobilidade real dos cativos em tal estrutura. Como se vê, a dominação não podia ser mais total, nem a alienação do escravo maior. Não podemos, porém, denominar essa situação de inferioridade de "marginal" à sociedade socied ade brasileir brasileira. a. Pela su sua a própria constituição e func funcionam ionamento ento estava ela profundamente integrada à mesma, como como parte indispensável de sua configuração. Parte indispensável porque era ela que lhe dava o caráter essencial: uma vez abolida a existência do escravo, a sociedade brasileira deixou de ter sua antiga configuração para apresentar uma outra, definida por novas relações entre superior e inferior que não eram mais as de senhor e escravo. A  possibilidade de ascensão e descida do escravo inteiramente subordinada a vontades externas ao grupo, tinha uma função precisa de defesa da hierarquia vigente baseada na divisão em livres e escravos: conhecedor de que há possibilidades de ascensão, o escravo cra vo ambicionava ambicionava tor tornarnar-se se um dos do s favorec favorecid idos os pel pela a sorte so rte e perdia perdia a noção de que somente a minoria ínfima de cativos conseguia subir.  A  quantidade dos que subiam estava também limitada pela herança de posições sociais, que vimos existir no interior da própria camada escrava, mas esta circunstância também não atingia a consciência do escravo. Desse modo, cativos e cativas se empenhavam o mais possível possível por uma ascensã a scensão o individual, esfumando-se esfumando-se a noção de que formavam uma coletividade subordinada e duramente dominada. Isto é, a esperança de ascensão, que os brancos sem cessar alimentavam mas que também dominavam e controlavam, era impedimento para que entrasse em expansão uma consciência de coletividade dominada, conscientemente oposta e antagônica à dos senhores, em seus objetivos e interesses.   A  mobilidade social inter-

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na na camada escrava tornava-se assim, um instrumento de controle manipulado pelo senhor. Além dessas escalas externas ao estrato escravo a ele impostas e que passavam a funcionar em seu interior, outras existiam que lhe eram especificadas. especificadas.   A idade ava nça da era em geral fat fator or de importância entre os escravos, e podia levá-los a posições de liderança. Assim, o rancho das fiandeiras em "A escrava Isaura" era  velha" d comand ado por um a "cri "crioul oulaa  velha"  d indiscutível indiscutível prestí prestígio gio ju nt o às demais (GUIMARÃES, s.d., p. 79). No colorido relato dos preparativos para a festa de Natal, que encontramos em "O tronco do Ipê", eram escr escrava avass ido sas que funcionavam n a cozinha (AL ALEENCAR NCAR,, s.d., s.d., p . 123-142), idade e experiência dando-se as mãos parta alçar uma negra a esta elevada.  A etiqueta  etiqueta indicava indicavaaoa posição de prestígio do posição escravo mais idosoelevada. A com relação aos demais, seu nome adicionava-se um "tio", ou "pai" ou "tia" ou mãe", mostrando sua condição e exigindo respeito. Os brancos dominantes também empregavam os mesmos apelidos para com os escravos demonstrando reconhecer o prestígio prestígio da idade. Na verdad verdade, e, tan to a sociedade afr africana icana de que provinha o escravo cravo quan to a sociedade brasileira em que q ue vier vieraa se integrar constituíam tuía m configurações em qu quee a idade eera ra fat fator or de prestí prestígio gio e de ele elevavação de statu s; os jovens tin ham em geral geral posi posição ção de subordinação relativamente aos mais velhos, constituindo rara exceção o contrávalor afr africa icano no aqui aqu i se conservou, foi sem dú dúvida vida porque rio. Se esse valor houve convergência entre ele e o valor proveniente de Portugal. Sociedades que geralmente valorizavam a idade, a posição de escavo idoso idoso tendia a m elhorar independ entemen te dos valores valores dos brancos e se impondo a estes. No entanto, aqui a contradição também existia: para os brancos, os escravos jovens e adultos tinham valor econômico econ ômico superior ao dos velhos. dos  velhos.  J á vimos at atrá rá s que essa sociedasocieda187

 

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d e ,   em sua configuração mais geral, estava dominada por valores econômicos que a definiam. definiam. O esc escravo ravo vvel elho ho podia ser men menosprezaosprezado e abandonado pelos brancos porque não era mais uma força produtiva; mas podia ser também prestigiado e gozar de privilégios justamente porque era idoso. Nos dois romances, a idade aparece como fat fator or de prestígio, tan to os negros, como na nass relações de branbra ncos e negros. O que conhecem os de ssa ssituação ituação leva-nos leva-nos a crer que a idade seria sempre fator de prestígio entre os negros, reservandose a ambigüidade (ora valorização, ora menosprezo do escravo idoso so,,  para as relações entre os brancos e negros). A demonstração de ligação estreita com o sobrenatural, que lhe permitia manipulações de feitiços, era outro fator de elevação e

de prestígio do escravo. Em "O tronco do Ipê", os dois moradores sucessivos d a caba ca bana na junt ju ntoo ao boqueirão, Pa Paii Inácio Inácio ee,, em seguida, por morte deste, de ste, Pai Benedit Benedito, o, desfrut desfrutavam avam de respeit respeitoo e temor entre negros e bra branco nco s, cuja ori origem gem estava em seu poder mágico mágico "para cura de certas enfermidades, para descobrimento de coisas perdidas,  e realização de ocultos desejos". Pai Inácio fora feiticeiro voltado para o mal; Pai Benedito porém "era um feiticeiro de bom coração.  Em ve vezz de us ar seu poder pa para ra ssopra oprarr intrigas e desav ença enças, s, ao contrário servia de conciliador em todas as brigas que se davam entre os pretos da fazenda; aconselhava os parceiros em casos de aperto por alguma falta; apadrinhava o fujão perante o antigo senhor que o tinha em grande estima e muitas vezes o ia visitar em su a ca bana . Q uanto ao novo novo (s (senho enhor) r),, não o tratava com a m esma am izade, m as r ar araa vez lhe rec recusa usava va o que pedia" (AL (ALEENC NCAR AR,, s. s.d., d., p . 43).   Este trecho é muito significativo porque mostra o prestígio da magia atuando ao mesmo tempo junto aos escravos e junto aos senhores, dando ao mandingueiro prestígio e poder. Era o sobrena36

tural "selvagem"   se imiscuindo na estrutura de mando, a ele se 18 8

 

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opondo o vi vigár gário io que repre representava sentava o poder sob sobrena renatural tural domesticado  da Igreja Igreja Católica. Geralmente m agia e idade se asso associava ciavam m ; feiticeir feiticeiros os  e feiticeiras tendiam  a ser velhos e experimentados. experimen tados. Também se l lhes hes associavam fealdade   e  certo aspecto repulsivo.  Mas havia exceções.  As As-sim, "como Benedito  era um  bonito negro,  de  elevada estatura  e fisionomia agradável,  as  beatas inventaram outro Benedito à sua fe feiç ição. ão. A dar-s dar-see crédito   à palrice  das tais velhas, aquele preto bem bem apessoado,, em sen apessoado sendo do m eia eia noit noite, e, virava virava anão co com m u m a cabeça enorm e ,   os pés zambros,  uma corcunda  nas costas co stas , vesg vesgoo de um olho e tortoo do pescoço. E ra o tort ra  o  pacto qque ue ttinh inh a fe feiito com seu mestre: de não parecer  de dia qual era à noite" (ALENCAR, s.d., p. 42). Os indiví uma posição duos  de  poderes sobren aturais ocupav ocupavam, am, então, ele  da  camada,   de prestígio   e poder   até mesmo vada dentro gozavam junto   aos  senhores. Todavia, não era  qualquer  um que podia  se elevar   a tanto, por um lado, e, por  outro lado, estamos diante  de uma posição   que não era oriunda  do arbítrio  da cam ada ad a livre. livre. Pelo Pelo contrário,  a  fonte desse poder jazia  no próprio âmago  da  camada escrava, todo   o saber  da  feitiçaria provindo  as mais  das vezes da cultura africana 37 .

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  Esta Estamos mos utilizando "selva "selvagem gem"" no sentido que lhe é dado atualme atualmente nte em soc socioloiologia e que que opõ opõe e a "regulamentado". É sselva elvagem gem toda a manifestaç manifestação ão que não parece ter uma regulamentação explícita, que encerra uma componente de criatividade que surge com certa constância, embora esse aparecimento não se dê segundo normas claras.

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  As Visit  Visitaçõ ações es do Santo ofíc ofício io às par partes tes do Bras Brasil il revelam a existência, no início d da a colonização, de bruxos e feiticeiros no meio dos brancos, muitas vezes de origem judia ou árabe. Mas à medida que avultava o contingente escravo, a magia de origem européia tendia a desaparecer, substituída pela magia de origem africana. Constituía esta uma forma de defesa do negro oprimido e também de ataque contra os livres. Mas sua ambivalência é notória, já que se exercia também contra os próprios escravos.

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O feiticeiro impunha-se ao senhor; sobre ele, o senhor nao mandava, muito ao contrário via-se obrigado a compor com ele, o que a citação do texto de José de Alencar também deixa facilmente perceber. Dissemos que não era qualquer um que conseguia alcançar a posição aceita reconhecida e temida de mandingueiro; para tanto era necessário que o indivíduo desse provas de sua capacidade nesse setor, e tal capacidade pressupunha vocação. Por esse motivo também a situação interna do feiticeiro na escla social escapava do comando do senhor. Qualquer senhor tinha sobre o escrvo poder de vida e de morte; todavia o escravo feiticeiro, devido a seus poderes sobrenaturais, passava a ter sobre o senhor poder de vida e de morte, não reconhecido por lei, mas "de facto". A força de que assim gozava gozava o escravo escravo era profundamen profundamente te pert perturbad urbador ora a aos ao s olh olhos os dos homens livres; era uma força que contrariava a ordem estabelecida, pois que erguia acima do senhor aquele que ocupava a posição mais inferior na escala social. Mesmo quando orientada para o bem, esta força não podia deixar de ser encarada como negativa, perversa, destruidora; quem a possuia se enquadrava também nestas desqualificações, buscava-se arredá-lo do convívio votidiano com os demais. Tanto Pai Inácio quanto Pai Bene Benedito dito habitavam for fora a da senzala, lon lon-ge da casa-grande; a distância e o isolamento constituindo formas de se lutar contra o perigo que seu contato apresentava. A  posição anteriormente ocupada pelo cativo em sua tribo africana era fator de elevação do mesmo aos olhos de outros cativos. Emilia Viotti da Costa (1966) demonstrou como o antigo chefe tribal,  o "r "rei ei"" ou "príncip "príncipe", e", trazido escravo escravo pa para ra esta e stass plagas, era obobjeto de respeito e de um tratamento privilegiado por parte daqueles que se haviam haviam tornado to rnado seu seuss irmãos irmã os de cati cativeiro. veiro. Todavi Todavia, a, os romanr omances que analisamos não apresentaram esta condição, pois ela não figurava nos costumes que buscaram relatar. Malgrado essa falha

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de nossa docum do cum entação , nao podemos deixar de registrar a existênexistência desta posição elevada dentro da camada escrava, uma vez que conhecemos sua existência. Tanto mais que ela também escapava ao arbítri arbítrioo dos branc br anc os e tinha tinh a orige origem m no interior interior da própria cama cama-da infe inferi rior. or. M ai aiss ainda, os brancos branc os não nã o a aceitavam, não nã o a reconheciam cia m como válida e tudo faziam faziam pa para ra con contrariá-la trariá-la e des destruí-la. truí-la. Poi Poiss o rei negro trazido em cativeiro podia congregar em torno de si seus antigos anti gos vassalos vassalos p ara a tacar os senhores. A reunião na s faz fazenda endass de indivíduos de origem tribal diversa constituía um dos instrumentos para quebrar as estruturas de poder tribal, que pretendessem se transportar tais e quais da África ao Brasil. Desta forma para os branc os, o escravo escravo de ori origem "nobre" era igual a outro qualquer.

A análise destes dois romances permitiu-nos, assim, detectar a heterogeneidade interna da camada escrava, não apenas no que di dizz respeit respeitoo ao pres prestítígio gio da dass ocupações, m as tam bém em fun função ção de outros fatores fatores de dife diferenci renciação ação de posições posições inter na nas. s. As ocupações dava lugar à formação formação de "camadas" "camad as" no iinterior nterior do ssetor etor escravo. O termo "camada" encerra uma conotação de "porção" de "quantidade" de "  dispo stas em sedim entos, formando uum m a estratifi estratificação. cação. N as fazendas, vários indivíduos ocupavam a posição de "pajem" e de m ucam as, su perpostos a coche cocheir iros os e cozinhei cozinheiras; ras; estes eram su periores rior es às fiandeiras, a s qua is, por su a ve vezz ffiicava cavam m acima dos tra balhadores braçais. Da mesma forma, saindo do setor escravo, havia pluralidade de sitiantes, de feitores, de escrivães, de guarda-livros, de senhores, dispostos em segmentos estratificados. Existia, pois, uma formação em estratos, se estendendo da parte livre até a parte 19 1

 

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inferior do conjunto escravo. O indicador mais claro da posição do indivíduo nessa estratificação geral parecia ser o tipo de trabalho efetuado que se ligavam indubitavelmente ao fato econômico. Poder-se-ia falar em continuidade entre estas camadas, uma vez que tantas vezes se afirmou existir um fosso afastando o setor livre do setor escravo? Os dados que analisamos permite-nos admitir que o foss fo ssoo seria ape na s ap aren te; pois o estrato escravo escravo era de tal forma forma dependente, em sua formação e em seu funcionamento, do estrato livre, que só se pode concebê-lo como liligado gado a este e não como dele afastado. De fato, de uma camada a outra, no interior do segmento escravo, cra vo, existi existiaa a scen scensão são e rrebaixam ebaixam ento de indi indivíduos, víduos, e seu processo se apresentou em nossa análise inteiramente subordinada aos valores, à autoridade, ao arbítrio do estrato superior. Ascensão e rebaixamento não se faziam ao deus-dará e, sim, segundo certos canais, termo utilizado em sentido figurativo para designar os caminhos mais fáceis que levavam à ascensão. A afeição dos sinhôs e das sinhás, a cor e a beleza ou, noutras palavras, os elementos estéticos,, a intel estéticos inteligência igência e a hab habilidade ilidade de cativos e cativas, a "heran "heran-ça" pel peloo escravo escravo de um a posição ma mais is elevada elevada dentro de su a cama cama-da, a origem brasileira (ou crioula, como então se dizia): constituíam vias que levavam de uma camada mais baixa para porém determinadas de fora e não originárias de dentro. Por sua vez, o rebaixamento da camada elevada para a inferior se fazia em geral em função das relações afetivas com o sinhô e a sinhá e tomava então o aspecto de castigo; castigo; novam ente a determ inação era e ra externa à camada escrava. Também a idade podia constituir um fator ora de elevação, ora de rebaixamento; tratava-se de um elemento ambíguo,  como vimos, vimos, m as de um elemento espe especí cífi fico co aos escravo escravos; s; no entanto, o arbítrio do senhor decidia de sua direção. 192 19 2

 

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Repetimos, todas esta s vias Repetimos, vias de ascensão ou rebaixamento se encontravam dominadas pelos senhores, e, com exceção da idade, eram por eles eles definidas. definidas. Som ente outro s dois elementos escapavam da dominação: as posições tribais elevadas, de um lado, e de outro lado a afirmação de poderes mágico-sobrenaturais. No entanto, essa s qualifi qualificaç cações ões não def defini iniam am cam ad adas; as; o antigo "rei "rei"" era um indivíduo, não era uma coleção de indivíduos que reunidos comporiam um a camad a; o fe feititic icei eiro, ro, o m andin andingueiro gueiro era também tamb ém u m indi indivíduo víduo e não uma reunião de indivíduos. Dessa forma, a antiga posição elevada tribal e o poder mágico, qualificando ambos somente um indivíduo indiví duo que q ue d esfrutava de prestígio prestígio e de respeito respeito d entro do nível nível inferior a que fora relegado com seus semelhantes, não esboçavam caminhos independentes ascensãonodesentido um a camada outra, m as sim definiam as formas dedeliderança restritoà de "condutores de homens", no interior do setor escravo. Mandingueiros e antigos chefes, detinham autoridade, eram prestigiados, eram objeto de respeito por parte dos demais. A idade, que podia agir como via de ascensão social, também constituía elementos definidos de liderança.  A l  lideran iderança ça ap resen tava -se como pessoal, no caso do fe feititicei ceiro ro ou no n o caso do escravo m ais velho velho exercendo função de controle tr ole sobre o grup o. Mas a lideran ça do antigo antigo chefe chefe tribal, es sa era do tipo institucional, uma vez que suas qualidades pessoais não determinavam a autoridade que exercia, a qual decorria do antigo cargo ou investidura que possuíra no país de origem. Existia, pois, no interior interior da coleti coletividade vidade escrava, tan to u m fenô fenômeno meno da for formação mação de camadas, Quanto um fenômeno da liderança; esta coletividade era internam intern am ent entee diferenciada diferenciada em cam ad as de níveis níveis divers diversos os e nela existiam chefias, isto é, posições individuais de grau elevado: os ocupantes dessas posições sendo detentores de autoridade tinham funções de direção e de controle sobre seus iguais. 193

 

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O que ressal res salta ta do e exame xame efetu efetuado ado nos dois romances é a grande ingerência da coletividade livre sobre a formação das camadas escravas: realmente, os valores valores determinando as hie hierarquia rarquiass tinham sua su a origem origem fora fora do estrato escravo; escravo; e al além ém disso as vias de ascensão permaneciam sob a dominação do estrato livre. O escravo era tão escravo que até as camadas compondo o seu retrato, e até mesmo sua ascensão social eram comandadas pelos livres. A margem de liberdade que lhe restava era diminuta, e se exprimia na formação de lideranças internas, tivessem estas por definição o critério da idade, do conhecimento da magia, ou da ocupação anterior de um status tribal elevado. Retomando a afirmação de Emilia Viotti da Costa (1966) os "dois mundos", a análise dos romances leva-nos a uma concepção mais concreta concr eta de como como e até onde se interpenetravam o mundo dos livres e o mundo dos escravos. O mundo dos escravos não tinha uma existência por si só, não se estruturava de forma independente, te ,   porém sua existência e sua estrutura estavam profundamente dominadas pelo mundo dos brancos; do mundo dos brancos lhe vinha a hierarquia de valores relativa ao trabalho, que orientava a formação das camadas nas quais os escravos estavam distribuídos; do mundo dos brancos branco s lhes vinham todos os fatores que auxiliavam auxiliavam ou dificultavam a ascensão social. Apenas em dois aspectos não funcionava a dominação dos homens livres, e eram tanto a conservação da liderança liderança africana, quanto a grande importância do mandingueiro. Em todos os outros aspectos, os homens livres eram absolutamente determinantes, tais aspectos haviam surgido por obra e graça de sua dominação. Trata-se, portanto, de algo mais do que simplesmente contato, to ,   intercomunicaçã intercomunicação, o, intimidade; estamos diante de uma completa completa estrutura de poder, a do mundo escravocrata, que compõe um con19 4

 

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junto só, cultural e social, com dois estratos maiores, o dos livres e o dos escravos. A imagem de "dois mundos, cultural e socialmente separados", a que se refere a historiadora, não se mantém diante desta evidência; livres e escravos formavam, no Segundo Império brasileiro, um mundo só, de tal modo que a hierarquia de valores e os critérios de base para a composição de camadas eram os mesmos,   tanto no estrato dos livre livress quanto quanto no estrato dos es escravos. cravos. Uma única sociedade global ou, se quisermos, um único mundo sócio-cultural compunham a sociedade brasileira desse período. No entanto esta sociedade não era monolítica; estava partilhada em dois estratos, sendo o dos livres superior e dominante, e dos escravos inferior e subordinado. O estado de subordinação era tão marcado que a própria estrutura do estrato escravo decorria dos homens livres. livres. Alé Além da est estru rutur tura, a, a próp própria ria dinâmica do estrato estr ato infe inferi rior or dependia do estrato superior: elevavam-se nas suas camadas os escravos que o senhor premiava, eram rebaixados os que punia. Estrutura e dinâmica do estrato de cativos obedeciam, em sua formação e funcionam funcionamento, ento, ao estrato de home homens ns livres livres.. Não formavam, pois, livres e escravos dois mundos, mas sim duas partes de um mesmo mundo; e como duas partes que eram, cada qual possuía poss uía a sua su a identidade. A diferença diferença fundamental entre ambas não estava em seu antagonismo, isto é, não provinha de agirem em direções opostas; estava, isso sim, na posição de dominação do estrato de homens livres relativamente ao estrato de escravos, e na quantidade enorme de poder que possuíam em relação a estes. Era este o aspecto essencial sociológico que separava as duas partes: uma detendo todo o mando e a outra não possuindo mando algum. Deste ponto de vista se constituíam como duas partes irredutíveis, pois no momento em que o mando dos homens livres sobre os escravos fosse delimitado, se reduzisse ou se anulas195

 

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des tes dois estra tos dei deixava xava de ser a me sma , e a soci sociees e ,  a posição destes dade global brasileira não mais se definiria como uma sociedade escravocrata: estaria modificada em sua essência. Essas considerações são fundamentais pois permitem compreender ao mesmo tempo a estrutura de dominação da sociedade global brasileira, no Segundo Império, e o grau de submissão da camada escrava. Por outro lado, verifica-se também que se tratava de uma estrutura de dominação-subordinação muito claramente apresentada, já que a essência do termo "subordinação" está no sentido de dependência do secundário para co com m o pri principal. ncipal. A dependência do escravo escravo era a mais prof profunda, unda, um a vez vez que nem m esmo podia espontânea e livremente formar as suas próprias camadas no interi interior or do estrato amplo de a que nem podia também de "mota próprio"m ais ascender umapertencia, camada ae outra. Por outro lado, sem o estrato escravo, não se definiria a camada superior rior como como um a cam ada de hom ens livr livres; es; por isso, para que existi existisss e ,  necessi  necessitava tava da complementaçã complementaçãoo da cam ada escrava, subo rdinada mas também essencial. Não se tratava, tratava, en tão, de cam adas agindo sempre em sentido oposto, embora irredutíveis. Agiam em direções concorrentes uma vez que o estrato livre impõe à escrava a orientação desta, tanto no que diz diz rrespeit espeitoo à fo formaç rmação ão d a estr ut ur a qu anto à dinâmica de seu funcionamento. Novamente reiteramos a observação de que a alienação da camada escrava era amais total; e tanto era assim, que todo o movimento abo abolicionist licionistaa se des desenvolveu envolveu entre os hom h om ens lili-vres, e não como um movimento antagô nico originário originário dos escravos. A abolição não foi conquistada, foi doada, e esta circunstância tem também importantes conseqüências sócio-políticas. Por que, diante de uma desvalorização tão marcante, diante de um a alienação tão profunda, não explodiri explodiriam am rebeli rebeliões ões e revoltas 196

 

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muito mais numerosas e muito mais cruéis do que as conhecidas? Não deixaram de existir, é certo, porém o quadro da opressão era tão completo, completo, a auto-determinação tão ause nte , o per períod íodoo de d uração tão longo, longo, mais de trê s séculos, sécu los, que é líc lícititoo colocar colocar esta qu questão estão como objetivo de pesquisa. Seria necessário então estudar o entrosamento do estrato livre e do estrato escravo, no prisma das relaçõess cotidianas. Os dois rom ances que examinam os fo çõe forn rnec ecem em material ter ial sufi suficie ciente nte,, porém no nossa ssa palestra se alongaria alongaria dem d emasiadam asiadam ente, se passássem os a examiná-los examiná-los sob este este prisma; julgam os m ais conconveniente relegá-lo para uma abordagem posterior. N ossa conclusão implica o reconhecim reconhecimento ento de d e que as expl explica ica-çõess até çõe até hoj hoje apre senta das, notada me nte a da fragmentaçã fragmentaçãoo de grugrupos étnicos e tribais entre as fazendas, de maneira a quebrar sua solidariedade, solidari edade, são insuficientes p ara explicar totalm ente o que ocorria. Os trezentos e m ais ano s que duro u a escravidão escravidão no Brasil constituíram tituír am u m período período sufici suficiente entemente mente amplo par a que, sub stituind o a solidariedade étnica e tribal, se formasse uma solidariedade de escravos contra livres, ou mesmo de negros contra brancos. Entre os indígenas, por exemplo, esse tipo de solidariedade tendeu a se formar decorridos cinqüenta anos da dominação portuguesa, dando lugar a aliança pa n-tr n-triba iba is, como a Confederaç Confederação ão dos Tamoios, e m ais imp ortan tes a inda , a m ovimentos reli religiosos giosos de revol revolta, ta, de tipo tipo messiânico sobretudo. Não se diga, como muitas vezes se aventou, que a índole do negro é m ais "passiva", "passiva", m ais "cordata" do que a do índio, índi o, o qua l seria mais am an te da liberdade e m ais rebelde; conhecemos hoje quão ilusórias são essas explicações pseudo-psicológicas que, em geral, constituem racionalizações de estudiosos diante de problem as cujo cujo si signi gnifi fica cado do m ais profundo profundo lhes esc apa . Somos de opinião de que razões institucionais, portanto sociológicas, mais imp ortantes e ainda não desv endad as, completariam completariam as expl explic icaçõ ações es que até hoje têm sido apresentadas. 197 19 7

 

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A cre credit ditamos amos que nosso trabalho dem onstra suficiente suficientemente mente a riquezaa de informaçõ riquez informações es que encontram os n os rom ances e na lit literaeratura em geral, que se apresentam como importantes fontes de dados para os historiadores, os sociólogos e os antropólogos. Num país como o Brasil, cuja população e dirigentes desde o passado m ais recuado n un ca se m ostraram grandem ente sensíveis sensíveis rrela elatitivavamente à importância que os documentos e arquivos representam par a o conhecimento da m archa da soci sociedade, edade, deixa deixando ndo que grande parte par te deles se anu anulas lasse se pela p ela deterioração, a literatur literaturaa como ffont ontee de dados avulta mais ainda do que nos países que reuniram farta documentação sobre seus dias pretéritos.

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Exemplos:

(livro): SCA CARAN RANO, O, Julita Jul ita .  Cotidiano e soli  solidariedad dariedad e: vida diária da gente de cor nas

Minas G erais, século XVIII XVIII. São Paulo: Pa ulo: Brasiliense, B rasiliense, 2

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NORM AS PARA ARA A APRES APRESENTAÇÃO ENTAÇÃO DE A RTIGOS

(capítulo de  livro]:

DEMARTINI, DEMARTI NI, Zeila Zeila de B. F. Tr ab alh an do em relatos o rais: refl reflexõe exõess a pa rtir de uma trajetória de pesquisa. In: LANG, Alice Beatriz da S. G. (Org.).   Reflexões sobre a pesquisa  pesquisa   sociológica.  São Paulo: CERU/Humanitas, 1992. p. 42-60. (Coleção Textos, série 2, n. 3). (art i g o cm p eri ó d i co ): DEMART DE MARTIINI, Zeil Zeilaa de Brito Fabri. A proc ur a d a escr ita e da leitu ra n a Primeira República: recolocando ques tões.   Cadernos  CERU, Sã   Sã o Paulo, série 2, n. 9, p .  57-82, 1998.

(tese):  Migração  e desempenho econômico: uma análise empírica. CASTRO, Manoel C. Migração Sociologi gia) a) - Fac ulda de de Filosof Filosofia ia,, L etras e 1975. Diss ertaç ão (Mestrado em Sociolo Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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CENTRO DE ESTUDOS RURAIS E URBANOS - NAP/CERU Fundado em 1964 por um grupo de estudiosos brasileiros, brasileiro s, funciona ininterruptamente desde esta data. Trata-se de uma sociedade civil sem fins lucrativos, reconhecida como de utilidade pública federal e estadual. Ligado à USP como Núcleo de Apoio à Pesquisa de Estudos Rurais e Urbanos - NAP/CERU, tem sua sede nass depe na dependências ndências do Departamento Departamento de Soc Sociol iologi ogia a da FFLCH da USP.

CONSELHO DELIBERATIVO Profa.  Dra. Maria Maria Christina Ch ristina Siqueira  de Souza Campos  -  Coordenadora  FEA-RP/USP Profa. Dra. Graziela Serroni Perosa  - FE/USP Leste Profa. Dra. Kimi Aparecida Tomizaki  -  FE/USP Leste Prof. Dr  Dr..  Lísias Nogueira Negrão -  FFLCH/USP Profa. Dra. Margarida Maria Moura  -  FFLCH/USP Profa. Dra. Maria  da Gra  Graça ça Jacinth o Setton Setton -  FE/USP Prof. Dr. Mário A.  A . Eufrasio  -  FFLCH/USP

DIRETORIA EXECUTIVA Diretora Presidente

Diretora 2* Secretária

Prof Dr Maria Helena Rocha Antuniassi

Prof   Dr Aríete Assumpção Monteiro

Diretora Vice-Presidente

Diretora   de Pesquisa

Prof Dr Heloísa Helena T. de  Souza

P r of   Dr Zeila de Brito Fabri Demartini

Martins

Diretora   de  E v e n t o s

Diretora Tesoureira

Prof   Dr Alice Bea tri trizz   da  Silva Gordo Lang

Prof Dra Cecüia Cunha Pontes

Diretora   de  Publicações

Diretora   Ia  Secretária

Prof Dr Célia Toledo Lucena

Prof Dr Maria Christina Christina Siqueira Siqueira   de Souza Campos 2 2

 

SOBRE   O  CERU

C O MI SSÃ O ED I TO R I A L Profa. Dra. Alice Beatriz da Silva Gordo Lang   - CERU ProJ.  Dr. Almerindo Janela Afonso - Universidade do Minho/Portugal

Prqf.  Dr. François Bonvin  -  MSH/Paris ProJ.  Dr. Geraldo Romanelli - USP/Ribeirão Preto

Profa. Dra. Giralda seyferth - Museu Nacional/UFRJ Profa. Dra. Gláucia Vülas Boas - UF RJ Profa. Dra. Heloísa He lena Teixeira de Souza Martins   -  Sociologia/USP Prof.  Dr. José Maria Valcuende Del Rio  -  Universidade Pablo de

Olavide/Sevilha Olavide/Sevilha

Profa. Dra. Laís M. Cárdia - U niversidade Federal do A cre ProJ.  Dr. Leonardo Cavalcanti - Universidade de

Barcelona/Espanha

Profa. Dra. Maria Helena Rocha Antuniassi - CER U Profa. Dra. Maria Margarida Moura - Antropologia/USP Profa. Dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda - Sociologia/USP Sociologia/USP Profa. Dra. Maria Beatriz Rocha-Trindade - Universidade Aberta de Lisboa/Portugal Prof.  Dr. Mário A. Eufrásio - Sociologia/USP Sociologia/USP

Profa. Dra. Olga Rodrigues de Moraes von Simson Simson - CM U/UN ICAM P

ATIVIDADES Pesquisas Realizadas em áreas abertas, conforme as possibilidades e necessidades de cada époc época. a. Encontro Nacional de Estudos Rurais e Urbanos Reunião anual de pesquisadores para apresentação e discussão de trabalhos de pesquisa. Cursos e   Seminários Realizados periodicamente. Para tais atividades são convidados especialistas brasileiros e estrangeiros. Os associados podem pode m solic solicititar ar um seminári seminárioo para apre sen tar e discutir discutir seu s trabalhos de pesquisa. 2 3

 

Coleção   TEXTOS.  Série 2, n. 10

Reuniões e Congressos Participação na organização de sessões em Reuniões e Congres esso sos, s, como exemplificam exemplificam os d da a SBPC SBPC e da AN ANPO POC CS.

SERVIÇOS  

 F U N C I O N M E N T O  NO C E R U

M

Biblioteca Funciona na sede do CERU, sendo especializada em livros e revistas de Sociologia e ciências afins, à disposição dos interessados. O empréstimo domiciliar é reservado aos associados.   Possui ainda: Arquivos de documentos  compreendendo três sessões: teses universitárias; relatórios de pesquisa e documentos congêneres;   documentos sobre temas específicos (carnaval, família e

USP).

Fichário de separatas 

contendo bibliografia sobre assuntos diversos, relacionados à Sociologia Rural e Urbana. (aberta (abe rta de segunda à quinta-feira, quinta-feira, das 13 às 17 h. e sexta-feira, das 10 às 14 h.)

ASSOCIADOS Para se torn to rnar ar só sóci cio o do CE CERU, o interessado inter essado deverá inscreve inscreverrse enviando breve currículo, endereço para correspondência e efetuar o pagamento da anuidade.

2 4

 

SOBRE  O  CERU

CO LEÇÃO TEXTO S

Volumes Publicados a

I   SÉRIE 1 - BLAY, Eva Alterman.  M ulher, escola e profissão:  um e s tudo do ginásio industrial feminino da cidade de São Paulo. 1981. 2 - BÔA NOVA, NOVA, A ntônio Ca rlos.   Clero e povo: o catolici catolicismo smo n a Am érica Latina nos anos 60. 1981. 3 - ANTUNIASSI, Maria Helena Rocha.   Multiplicidade tecnológica:  a organização do trab alh o na rizi rizicul cultu tura ra do Esta do de São Paulo. 19 83. 4 - PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura.   Variações sobre a técnica do gravador no registro da informação viva.   1983. 5 - FLEURY, Maria Tereza Leme.   A organização do trabalho na lavoura algodoeira paulista.  

1983. 6 - DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri; LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo.  Educação e trabalho:  um estudo sobre produtores e trabalhadores na agricultura paulista. 1983. 7 - LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo.   Aspirações à educação, à ocupação e ao êxito social.   1984. 2 a  SÉRIE

1 - BRIOSCHI, Lucila Reis; TRIGO, Maria Helena Bueno.   Família: representação e cotidiano, reflexão sobre um trabalho de campo. 1989. 2 - ANTUNIASSI, Maria Helena Rocha; MAGDALENA, Celigrácia; GIANSANTI GI ANSANTI,, R ob erto .  O movimen to a mbientalista em São  Paulo: a n á lise lise sociológ sociológic icaa de u m mo vimen to social soci al ur ba no . 1989 .

2 5

 

Coleção   TEXTOS.  Série 2,11.  10

3 - LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo (Org).  Reflexões sobre a pesquisa   sociológica.  1992. quisa 4 - QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de (Org).   O imaginário  imaginário   e m terra 5conquistada. - QUE QUEIIROZ, 1993. Maria Isa Isaur uraa Pereira de (Org Org)).  Roger  Roger Bastide:  Bastide: ensaios e pesquisas. 1994. 6 - LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo.   A Propaganda  Propaganda R  R epublicana epublicana n a  Província  Província de  de São Paulo. 1995. 7 - LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo et ai.  Família  Família em  em São Paulo: vivências na diferença. 1997. 3 - LLANG ANG,, Alice Alice Beatriz B eatriz d a Silva Gordo (Org (Org).). Reflexões sobre a pesquisa sociológica.   2. ed. 1999.  Realidade   brasileira: 9 - LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo (Org).  Realidade várias questões, muitos olhares. 2002.

206

 

LI LIVR VRARI ARIA A HUM ANITA S/DISCURSO

Av. Prof. Luciano Gualbcrto, 3 15 Cidade Universitária 05508-010 - São Paulo - SP -  Brasil Tel: (11) 3091-3728  /  Telefax:  (11) 3091-3796 e-mail: [email protected]

HUMANITAS  -  DISTRIBUIÇÃO

Av. Prof. Luciano Gualberto, 3  315 15 Cidade Universitária 05508-010  - São Paulo - SP -  Brasil Tel: (11) 3814-5383  /  Telefax:  (11) 3034-2733 e-mail: [email protected] http://www.editorahumanitas.com http://www.editorahum anitas.com.br .br

SOBRE  O  LIVRO

Formato:  

16 x 22 cm

Mancha: 

11,5 x 19 cm

Tipologia:  Bookman Ol Old d Sty Style le 10/1 10 /16 6 Papei, 

off-s off-set et 75 75g/ g/m m2 (miolo) Cartão Supremo 250 g/m2  (capa)

a

Fevereiro 2008

Tiragem: 

500 exemplares

1   edição: 

208

páginas

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